quarta-feira, 30 de março de 2011

Midiocolonização





  Somos contemporâneos de uma mudança de época. Não só uma mudança de época, mas vivemos também, uma época de mudanças. A última vez que isso ocorreu no Ocidente foi na passagem do mundo Medieval para o mundo Moderno. Hoje é consenso entre alguns pesquisadores que este período Moderno dá lugar a um novo período chamado pós-moderno. O termo ¨pós-moderno¨ é ainda de difícil conceituação. A emergência deste período trouxe consigo não só mudanças significativas na história (acontecimentos) e geopolítica, mas na mentalidade universal de todos; no modo de viver, nos costumes, na religião e, claro, nas relações sociais. Alguns estudiosos acreditam que esse período começou com o fenômeno da globalização. ( Frei Beto, prefere chamar de globocolonização).
  Podemos definir de forma bem simplista globalização como sendo: o mundo visto como um conjunto único de atividades interconectadas que não são estorvadas pelas fronteiras locais. Pode-se dizer que este fenômeno afetou todo o campo de atividade humana. O historiador Eric Hobsbawn, faz três observações sobre o tema
  1. A globalização acompanhada de mercados livres trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e sociais no interior das nações e entre elas;
  2. O impacto dessa globalização é mais sensível para os que menos se beneficiam dela;
  3. Seu impacto político e cultural é desproporcionalmente grande.
 Não quero aqui tratar do tema propriamente dito mas, de seu efeito direto na mente (ethos) das pessoas. O pilar da sociedade em que vivemos é o lucro desenfreado, e, pra conseguir esse objetivo as grandes empresas da informação criam necessidades artificiais, (criam a necessidade antes do produto) implantam esse desejo/necessidade na mente daqueles que se alimentam de tudo que a mídia produz. Infelizmente a seguinte premissa é correta: nossa sociedade é a única de todas as outras anteriores que se alimenta de lixo, e, chamam esse lixo de cultura. Não foram só as mercadorias que foram globalizadas, mas a mentalidade também. Essa nova mentalidade ocidental e norteamericana é veiculada através da mídia. Eis a nova ditadura que a América Latina enfrenta. Uma monocultura, a ditadura do pensamento único, do estilo de vida ideal (american way of life), tudo isso sendo imposto de cima pra baixo. ¨Agora eu era heroi e meu cavalo só falava inglês¨ diz a letra da música João e Maria, do Chico Buarque.
 Segue abaixo um texto de Augusto Boal e algumas conclusões que tirei.

 A usual violência dos filmes e da tv busca levar os espectadores ao medo e ao desequilíbrio emocional que se assemelhem aos primeiros meses de vida do bebê diante do espanto que lhe causa o mundo. visa reproduzir a mesma impotência infantil para que suas vítimas adultas estejam à sua mercê dos seus maiores.
 Esta infantilização do espectador é perigosa porque inculca no seu cérebro passivo um mundo virtual fabricado pelos donos dos meios de comunicação, com seus valores e interesses. Esta é a forma mais insidiosa de invasão, que, por si só, justifica a urgente criação e desenvolvimento, em todas as classes e grupos oprimidos, de uma poderosa Estética.
 O desejo legítimo de qualquer cidadão de gozar os bens da vida - gozo que a justifica - é tranformado em inveja domesticada ao observar a vida farta e cômoda de personagens de classes economicamente superiores à sua.
 O universo televisivo está sempre bem penteado e com a roupa engomada. Mesmo nas lutas sangrentas, a mecha de cabelo estará elegantemente posta de lado. As roupas de astros e estrelas, mesmo em cenas de violência, estarão sempre bem passadas... principalmente quando são de griffe conhecida... marketing, com o perdão da palavra. ( A Estética do Oprimido, pág.148)

 O texto acima citado dispensa qualquer comentário porém algumas palavras a mais fazem-se necessário. Vivemos em cárcere privado dentro de nossa própria casa. Tudo que as emissoras querem é que você passe o maior tempo possível em frente ao televisor ou computador. ¨Invasão dos cérebros: a mesma tática que se usa para invadir um país, primeiro bombardeios, antes que entre em ação a infantaria de ocupação: primeiro tv e cine... depois o mercado vem atrás¨( Boal). Essa cultura do lixo vomita nas casas e mentes das pessoas, violência sistematizada; filmes de tortura e sanguinários. Nossa cultura vampira se alimenta de sangue. Consumimos uma nova mercadoria: medo, drama, terror... Essa cultura não produz conhecimento, mas consumidores vorazes. Nas palavras de Milton Santos, ¨consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, a redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão¨. Esse império do consumo cria/recria o homem apequenado. ¨Explicar para que não se entenda; informar para que não se saiba - essa é a missão da tv privada: fazer obedecer sem saber a quem. O mandante se esconde seja dono ou patrocinador. Esse não se vê, mas nada se faz sem ele. O vendedor não aparece na tela: artistas e outras celebridades do momento emprestam a credibilidade dos seus  nomes ao produto que vendem: faça como eu: use tal produto...¨ (Boal). Especialistas em nada falam sobre tudo em horário nobre e, causam nos espectadores a sensação de terem aprendido algo - disso já são escravos, é o seu ópio diário - afinal precisamos estar bem ¨informados¨. Ideologia, eu quero uma pra viver, cantou o poeta. Mais o que é ideologia? Segundo Marilena Chauí, ¨ideologia é um ideário histórico, social e político que oculta a realidade e que esse ocultamento é uma forma de assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política¨. Trato a seguir, algumas pontuações para lidarmos com essa invasão descarada.
 1. É precisa desacelerar essa desenfreada desumanização a qual a sociedade corre. Acredito que essa desumanização tem encontrado guarida naquilo que eu chamo de crise cultural. Incluo aí a sensibilidade e solidariedade humanas; a moral e a ética. A crise cultural deixa um gosto pessimista na boca dos que tem esperança de que a humanidade vá melhorar. ¨Esta crise, segundo alguns, tem a característica peculiar de incluir um severo embotamento de algumas sensibilidades imprescindíveis para olhar como o mínimo de esperança o futuro da humanidade¨. ( Assmann).
 Todo lixo cultural produzido pela mídia não tem melhorado em nada aqueles que dela se alimentam. Muito pelo contrário, essa crise cultural nos lança, obrigatoriamente numa crise moral. A época em que estamos vivendo pode receber sem corar de vergonha o título de ¨A era das crises¨. Quanto mais bailamos ao som da música tocada pelos poderosos, mais nossas virtudes humanas soltam-se de nossas vestes morais e são lançadas no palco dos dançarinos sob o riso dos diretores. Estamos perdendo de maneira sutil, a nossa real identidade. ¨Se não sei quem sou serei cópia¨ ( Boal); estamos perdendo paulatinamente o senso de realidade. Vivemos cada vez mais como num filme ou novela. Andamos, mas não com os pés no chão.
 A ideologia (informações) repetidas exaustivamente, sedimentam o conhecimento e formatam a mente. A repetição coletiva moldam toda uma cultura e reformam toda uma sociedade à maneira dos ¨poderosos¨. Com isso não quero dizer que não se deva consumir nada que venha do Norte ou não assistir mais nada, pelo contrário deve-se assumir uma postura crítica sobre tudo que se vê. Jamais aceitar como verdade incontestável, pois não é. Devemos negar, rejeitar e denunciar tudo aquilo que tire a dignidade humana. As pessoas devem ser vistas e tratadas como humanas que são, e não como massa de manobra política ou objetos que só servem para consumir. Toda liberdade é a liberdade de dizer não a essa ¨cultura de morte¨ que é implantada em nossa cabeça. É preciso entender que os valores morais/éticos ainda são a marca de nossa humanidade e caso percamos, nos tornaremos em algo menor que humano.
 2.Só conscientização não basta. Evoco aqui algumas palavras do teólogo católico Jung Mo Sung: ¨A própria noção de resistência contra a realidade de dominação pressupõe uma ruptura com a ¨máquina de cognição¨ que apresenta a dominação como natural ou divina. E na medida em que esse sistema cognitivo está enraizado no mais profundo da consciência e memória social e é constituído de mitos, tabus e argumentos aparentemente racionais, ele não pode ser quebrado somente com a consciencientização, com discursos consciêntes. Pois esse mesmo discurso será conhecido e entendido a partir do instrumento de cognição que diz que lutar contra ¨a¨ realidade é algo sem sentido. É uma experiência de uma relação intersubjetiva de reconhecimento ¨face a face¨, sujeito a sujeito, que mostra a falsidade e a perversidade da cultura internalizada e que permite ter esperança de um mundo diferente e resistir e lutar. O que leva as pessoas subjugadas a superar a sua autoimagem de não pessoa não é um discurso conscientizador, mas a experiência de serem amadas, de serem olhadas nos olhos como pessoa. (Deus em nós). É preciso, penso eu, converter a violência jovem em força política para uma mudança significativa do social. Todos nós juntos devemos mudar a nossa realidade a partir de nós, a partir de baixo.
 3.É preciso substituir urgentemente lixo por cultura; cultura esta, produzida por nós, de acordo com nossa realidade. Iremos contra todas as estruturas que desumanizam e escravizam. Matam a criatividade. Tais estruturas gigantescas forjadas de ouro, prata e bronze, tem os pés de barro. Devemos pois, atacar suas bases. Essa estruturas só funcionam para perpetuar situações intoleráveis e absurdas.
 Diante do que foi exposto, podemos concluir que essa invasão dos cérebros via mídia particular, tem formado seres um pouco menos que humanos - esse é seu real objetivo. Objetivo este, encoberto por um sistema ideológico que se confunde com o real - seres domesticados e sem vontade própria, que não ouvem aquilo que escutam; nem enxergam aquilo que vêem. Estão hipnotizados pelo desejo constante. Querem viver uma vida que não é a sua; querem sonhar (e sonham) um sonho que não é o seu. Mesmo assim, diante do quadro objetivo, buscamos outras alternativas rejeitando o que é dado. Buscamos uma forma, e encontramos, de expulsar os invasores de mente.

Bibliografia

Assmann, Hugo e Sung, Jung Mo. Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres. São Paulo: Paulus, 2010.
Boal, Augusto. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Funart, 2008.
Chauí, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2010.
Hobsbawn, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Cia das letras, 2008.
Sader, Emir. A vingança da história. São Paulo: Boitempo, 2007.
Sela, Adriano. A justiça: novo rosto da paz. São Paulo: paulus, 2006.
Santos, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2010.

sábado, 26 de março de 2011

O conto da alma só




 Existia uma alma Tão só, tão alma.
Vagava pela escuridão sem a mínima luz.
Não cumpria penitência. Não era penada. Estava privada da presença de sua gêmea.
Tão só, tão alma
Que o medo amplificava, o frio aumentava, as trevas lhe pareciam sólidas.
A alma caminhava sem rumo.
Ora dava voltas em torno de si própria.
Tudo que ela tinha era a existência e nada mais.
Não cumpria penitência. Não era penada. Estava privada da presença de sua amada.
Tão alma, tão só.
Não esperava dó. De quem se não havia ninguém?
O vento gélido lhe trespassava. A fina chuva a molhava. Não havia como descansar.
Seu gemido se tornara num grito que só ela podia escutar. Quem mais ouviria?
Sem se deixar flutuar, coitada foi desabar ali mesmo onde estava.
A essência dos sentimentos fragmentaram-se pelo chão de terra preta.
A alma só
Era agora despedaçada.
Tão alma... Tão só
Quem terá dó se não há mais ninguém?
Em meio ao nada ela foi vencida pela solidão e cansaço da peregrinação.
Deixou-se adormecer...
E sonhou
Sonhou que encontrava aquela que tanto procurava. Um novo gênesis aconteceu.
Deus passou a existir e houve luz. Criou um jardim repleto de verde, repleto de vida.
Não havia serpente tal como no conto. Era o real encontro com aquela que tanto amava.
A alma só não estava mais só.
passou de alma a corpo de carne, osso e desejo. Podia sentir o calor e o beijo de sua amada que também não era mais alma, e sim um corpo como o seu. Fizeram algo que nunca tinham feito antes. Meio sem jeito, fizeram amor
A alma com corpo tinha coração que acelerava seus batimentos. Tinha pele, que ao mínimo toque se arrepiava. Ambas chegaram num clímax de volúpia ardente... Quente...Amoroso.
A alma estava feliz.
Queria eternizar aquele momento.
Jamais queria sair dali.
Jamais queria perder a vida e voltar a só existir.
Jamais queria perder seu corpo e voltar a ser fumaça.
Jamais queria perder sua amada, a maior maravilha que já vira ou sentira.
Aquela que lhe dava o alimento: Amor.
Jamais queria... Jamais queria...
               e viu que era bom...
               ossos dos meus ossos
               carne da minha carne
               não é bom estar só...
Jamais queria...
A alma desperta com este sonho impregnado em si. Ela podia sonhar, mas não mudar a realidade. Estava só novamente. Despedaçada, jogada na terra preta, lançada na noite eterna, e escura, e molhada, e fria,e alma, e existência, e só...
Tão só, tão alma.
Tudo não passara de um sonho. Nada acontecera realmente. Sua busca não teve um ponto final.
Tão alma, tão só.
Quem terá dó se não há ninguém?
Há! Mas ela descobriu que além de existir podia sonhar, e no sonho encontrava quem tanto queria. No sonho se encontrava.
No sonho realizava seu sonho.
Estava só na realidade.
no sonho estava acompanhada de sua outra alma. De sua amada. Não podia mudar essa realidade, mas podia sonhar.
A alma continuava só
Tão só
Tão alma
Tão sonhadora
Que não queria acordar mais...
Nunca mais.
                                                                
                                                                    Erivan

A sociedade pela qual se luta


  E vi um novo céu e uma nova terra...


     Para se falar em uma sociedade mais justa é necessário rejeitarmos compulsoriamente a cultura cristã, aquela que diz que, um mundo melhor só será possível no porvir. Só após a morte é que iremos desfrutar as delícias do paraíso. Pensar dessa forma é o mesmo que aceitar ser um sujeito passivo na sociedade na qual se vive; é ser apolítico e entregar nas mãos de terceiros nossa única (melhor) arma de lutarmos contra as injustiças que imperam num mundo cruel. Pensar dessa forma é dar razão a Karl Marx em sua famosa frase: A religião é o ópio do povo. Seria tratar o cristianismo como um elemento atenuante. Como um consolo ou como, segundo os psicólogos, mecanismo de defesa, tais como a negação, a fuga ou a racionalização. Fugir da realidade em nada a mudará. A teologia descolada da prática, torna-se numa fábula. Segundo o teólogo germânico Johamm B. Mezt, a teologia política pode ser vista a partir de dois aspectos. 1) Corrigir a tendência de confinar a teologia à arena privada, que reduz o coração de mensagem cristã e o exercício prático da fé a uma decisão meramente individual, afastada do mundo uma reação ao ato de realização da sociedade; 2) É o esforço para formular uma mensagem escatológica do cristianismo no contexto da sociedade de hoje, levando em consideração as mudanças nas estruturas na vida pública. Em outras palavras, é um esforço para vencer a passividade hermenêutica do cristianismo no mundo de hoje.

     Libertar a teologia da âmbito privado e, de igual modo, liberta-la da passividade hermenêutica. Nisso se resume a Missão Integral. ( Para mais informações sobre o tema aconselho o livro Missão Integral - em busca de uma identidade evangélica, do Ricardo Gondim).

     No livro Teologia e Economia - repensando a teologia da libertação e utopias, o professor Jung Mo Sung, cita um pequeno parágrafo escrito por Hugo Assmann, que direto, forte e corajoso fala de onde a teologia deve partir:

              Se a situação histórica de dependência e dominação de
              dois terços da humanidade, com seus 30 milhões anuais
              de mortos de fome e desnutrição, não se converte no
              ponto de partida de qualquer teologia cristã hoje, mesmo
              nos países ricos e dominadores, e teologia não poderá
              situar e concretizar historicamente seus temas fundamentais.
             Suas perguntas não serão perguntas reais. Passarão ao lado
             do homem real. Por isso, como observava um participante
             do encontro de Buenos Aires, ¨é necessário salvar a teologia
             do seu cinismo¨. Porque, realmente, diante dos problemas
             do mundo de hoje, muitos escritos de teologia se reduzem a
             um cinismo. (pág. 17)

     Lutar por uma sociedade mais solidária é evidenciar os ideais de Cristo em nossa vida. É não se ver único, mais participante e cooperador com o outro em busca do bem coletivo. Não importa se o outro professa ou não o mesmo credo. Nossa luta não é dogmática - embora muitas igrejas pensem desta forma, - é político-social. É lutar contra o pecado institucionalizado que impera no mundo pós moderno. O grande geógrafo brasileiro Milton Santos, não professava fé alguma, mas seus escritos tem um caráter profético.( Sobre esse profetismo externo, Paul Tillich nos elucida da seguinte maneira: ¨A igreja, no seu papel profético, é a guardiã que revela as estruturas dinâmicas da sociedade e se opõe ao seu poder demoníaco, revelando-o, mesmo quando dentro dela. Ao assim fazer, a igreja ouve, também, as vozes proféticas fora dela, que julgam a cultura e a ela mesma como sua parte. Já nos referimos a essas vozes proféticas em nossa cultura. Muitas delas não fazem parte da igreja manifesta. Mas, talvez, pudéssemos chamá-las de participantes da Igreja Latente, Igreja na qual a preocupação suprema está oculta sob formas e deformações culturais. Às vezes, a Igreja Latente aparece. Nesses casos, deveria reconhecer nessas vozes a maneira como deveria ser seu espírito e aceitá-lo mesmo se for hostil à igreja¨  In Teologia da Cultura, editora Fonte Editorial ). Essa voz profética fora da igreja é luta por uma sociedade solidária que pode ser encontrada em qualquer lugar do mundo, mesmo em sua pluralidade cultural. Isso faz de qualquer um que lute por justiça e paz, um profeta ainda que não professe fé alguma.

     Milton Santos, nos fala de três mundos:

 O mundo tal como nos fazem crer, neste caso, como fábula. Nas palavras do geógrafo: Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. (...) Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. (...) A informação sobre o que acontece não vem da interação entre as pessoas, mas do que é veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão interesseira dos fatos. O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde.(...) Estamos diante de um novo encantamento do mundo, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Estamos encantados e a febre do consumo nos consome. Temos uma nova religião e um novo deus. Mamon, o deus dinheiro exige sacrifícios humanos.

 O mundo como realmente é, neste caso, perverso.¨De fato, para a maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna- se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção.

 O mundo como ele é não é veiculado na mídia. Uma ideologia tal qual uma neblina nos encobrem o real.

 O mundo como pode ser. Trata-se da existência de uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais significativa que a própria biodiversidade. É o mundo pelo qual lutamos. Não trata-se de uma utopia mas de um objetivo, um engajamento ativo no meio sócio-político. Para construirmos essa sociedade, é necessário desmascarar a ideologia vigente. ter consciência do poder ideológico já é um começo não um fim.( ¨Deve-se enfatizar que o poder da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo esmagador poder material e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes, mas também porque esse poder ideológico só pode prevalecer graças à preponderância da mistificação, por meio da qual os receptores potenciais podem ser induzidos a endossar valores e diretrizes práticas que são, na realidade, totalmente adversos a seus interesses vitais.¨  István Mészáros ). Deve-se perder o medo de ser profeta e desmascarar tais cinismos. ¨O fórum Social Mundial é um exemplo da capacidade de mobilizar e organizar debates e ações, sem medo de expressar opiniões. (...) Esse aspecto relacionado à ação política exige, cada vez mais, que pessoas com senso de solidariedade e responsabilidade social intervenham junto a seus pares e aos poderes instituídos. (...) Se o objetivo é alterar a realidade rumo ao novo patamar civilizatório, cabe ainda a revitalização das formas de participação popular no sistema do poder político.¨ ( Brasil, entre o passado e o futuro - ed. Boitempo ). Deve-se defender a verdade e a justiça onde quer que a encontremos, mesmo em outras religiões. Não devemos sob nenhuma hipótese nos conformar como este mundo que nos é dado. Essa violência midiática tende a cair se lhe formos hostis e lhe denunciarmos os abusos.

     Podemos sim lutarmos por outra sociedade. Rejeitamos esta que nos é dada. Sabemos que é necessário criar uma consciência política e nos tornarmos ativos na construção de uma nova sociedade libertária e justa. Precisamos sair do campo teórico. É necessário que nossas vozes indignadas ressoem fora do Campus universitário e das paredes eclesiais. É possível adiantar o futuro. Futuro este que não haja lágrimas dos injustiçados, nem sofrimento imposto por outrem.
                  E as nações andarão na sua luz...
 Erivan

sexta-feira, 25 de março de 2011

Retratos da alma

 (...) O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas. O tempo poderá sem dúvida renascer, mas primeiro terá de morrer. Não poderá transportar seu ser de um instante para outro, a fim de fazer dele uma duração. O instante é já a solidão... É a solidão em seu valor  metafísico mais despojado. (...)


     Quando falo em retrato da alma o simbolismo de uma fotografia nos é sugestiva. A mesma apresenta-nos uma imagem congelada naquele instante e sem possibilidade de mudança. Posso afirmar que - com enorme certeza -  aquele da fotografia sou eu (fui eu) e não sou eu (agora). Sendo assim, a seguinte fraseologia faz sentido: ontem eu fui, hoje sou, amanhã serei. Essa mudança constante é o ser; e no ser moram as lembranças de cada instante vivido. É bom salientar que as lembranças funcionam como mecanismo de prisão;  a esperança (e a fé), de igual modo, nos lançam ao futuro. Portanto, também nos aprisionam. Gosto muito das palavras do teólogo alemão Jurgen Moltmann: A lembrança o agrilhoa ao que passou, ao que não existe mais; a esperança o atira ao futuro, ao que ainda não existe. O passado o faz lembrar-se de ter vivido, mas não o leva a viver; o faz lembrar-se de ter amado, mas não o leva a amar; o faz lembrar-se dos pensamentos dos outros, mas não o leva a pensar. O que quero dizer quando uso o termo retrato da alma? Pode a alma ser retratada? Pode ser vista cristalizada num instante? Se sim, qual a sua aparência então? Quais suas características? Primeiro quero deixar bem claro que não tenho em mente a foto kirliana. Esta é física, aquela é ser em essência. O eu alma é o meu ser transcendente. Aquele que ultrapassa o corpo. Vai além da matéria. São os meus conceitos formados até então. A fotografia da alma é o instante do ser captado; é a síntese das minhas lembranças, experiência e sabedoria. Sou eu naquele exato instante, mas não sou eu depois. Sou eu com aqueles conceitos, e não com estes. A fotografia é a mudança sendo capturada e aprisionada nos conceitos humanos.

     Minha alma é o eu mais íntimo de mim. Nem todo eu pode ser revelado (nem a mim mesmo). Eu não falo (nem posso falar) tudo que penso. Tornar-me realmente quem eu sou é minha labuta diária; conhecer-me a mim mesmo ainda está muito distante. Fernando Pessoa parece ser meu parceiro nesta questão:

Durmo. Regresso ou espero?
Não sei. Um outro flui
Entre o que sou e o que quero
Entre o que sou e o que fui


     Uma fotografia real, só retrata a minha imagem. Não capta o som da minha voz. Minha imagem não sou eu. Eu sou aquilo que quero revelar. Vale lembrar que uma auto revelação pode (e vai) gerar múltiplas interpretações; rejeição ou aceitação, e, aí serei lido, não obrigatoriamente compreendido ou conhecido. Trata-se da minha permanência após a ausência. Será o meu retrato pendurado na parede da vida de quem me teve ainda que por um momento. O retrato da  alma é ser visto quando não mais puder ver; é ser lido por quem não me conheceu e ser conhecido por quem jamais conheci; é fazer parte dos pensamentos de quem não estou pensando... É fazer parte da vida ainda que morto.

Só existir é muito pouco para o ser humano.
Só existir é muito pouco pra mim.
Não posso só passar e deixar o passado passar, o futuro virar presente e o presente tornar ausente.
Existir não é nada, viver é essencial mas permanecer é tudo.
Vou conversar com os que ainda não nasceram.
Depois de mim serei eu.
Serei eu visto pelos olhos de outrem.
Minhas palavras soarão em outras vozes.
Depois de mim serei eu e eu serei tu, mas tu não será eu.
A simbiose gerará uma nova alma...
Depois que eu me for.          

                                                        Erivan

domingo, 20 de março de 2011

Onde está Deus?

 Você não ouviu falar do louco que, nas claras horas da manhã, acendeu uma lanterna, correu para o mercado e se pôs a gritar inscessantemente:¨ Estou procurando Deus¨?
 Não sei se estou ficando louco - talvez esteja - mas as vezes me faço a mesma pergunta que o louco de Nieztche. Me vejo com uma lanterna na mão procurando Deus. Não consigo. Por mais que tente. Não ouço a voz de Deus nas ¨pregações¨. Os pregadores até falam com autoridade. Falam em nome de Deus, fazem coisas em nome de Deus. Se dizem inspirados mas eu não ouço Deus. Não os vejo como ferramentas exclusivas. (Deus não tem ferramentas particulares). Muitas vezes os vejo como tolos, (que Deus me perdoe). São atores involuntários - ou voluntários - no tearo da vida. Construiram um deus que não existe. A sua imagem e semelhança. Esse deus é implantado na cabeça dos inocentes de domingo a domingo. Aquilo que Augusto Boal chama de ¨invasão dos cérebros¨. Em uma passagem do seu livro, Boal diz o seguinte:(...) Exemplos maiúsculos dos usos que se faz de deuses, inventados e improváveis, cruéis e vingativos, são as teocracias que se exerciam no passado e ainda hoje se mostram devastadoras tanto no Oriente como no Ocidente. Nenhum livro, nenhuma revelação supostamente divina, nem profetas se podem dizer sagrados se pregam a destruição dos inimigos como fazem e fizeram, em recentes e antigos genocídios e holocaustos, contra ameríndios, armênios, curdos, judeus, ciganos e palestinos, ou lutas intestinas entre seguidores de Moisés, e também de Jesus. Todo objeto religioso trás em si a ideologia, as estratégias, táticas e objetivos de agrupação que o adota e que nem sempre são religiosos, mas econômicos e territoriais (...) a sua utilização política antedemocrática baseada no saber de uns e na ignorância do rebanho: algumas religiões assim chamam,¨carinhosamente¨, os fiés apaziguados, domesticados. Pastores nomeiam fiéis como ovelhas sem pensar que, se as ovelhas são mansas, sem livre-arbítrio e sem iniciativa, não por escolha ética: é porque lhes faltam neurônois. Entre os animais de grande porte, ovelhas e carneiros são os que menos neurônios possuem... incapazes de reagir, chorando diante da faca, pagam o preço de sua escassez neurótica(...)
  Sinto que Deus não está mais nas igrejas. Se estivesse se enojaria de nossos cultos. Ritos e representações, muitas vezes fingida. Um sistema religioso doentio contamina milhares de vítimas com falsas promessas. É provável que nas próximas décadas teremos uma multidão de pessoas desiludidas, desenganadas com o sistema eclesial vigente. O povo de Israel tinham esse problema: reduziram a verdadeira adoração a Deus em ritos mortos. Liturgia cansativa e sacrifícios de tolos. O salmista Davi entendeu isso quando escreveu o Salmo 51:16 Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus. No Novo Testamento, a religião seguiu o mesmo caminho. Era isto que deixava Cristo irado, não os pecadores, mas os religiosos. Leia o NT e compare o tratamento de Cristo dado aos pecadores e aos religiosos. Veja a repreensão dada aos fariseus em mateus capítulo 23. José Comblin reflete sobre isso no seu livro ¨O que é a Verdade?¨. Vejamos alguns trechos: A verdade liberta da mentira(...) a grande mentira é o engano em nome de Deus(...) A moral foi reduzida a um código de pecados e obrigações jurídicas (...) Todo caminho de Jesus foi reduzido a um código de dogmas para crer, de sacramentos para receber e de leis para observar(...). Continuamos sendo marketeiros de nossa própria imagem. Vendemos nossa santidade aos outros. Servimos de vitrine e modelo para os demais. Realmente, não encontro Deus.
  Será  que Jesus se sentiria bem num lugar onde pastores tem assentos diferenciados? Num lugar onde tais pastores tem um culto só pra si (esse culto é chamado de culto de aniversário do pastor)? Tenho pra mim que Deus está entediado. Sim, Deus está com tédio  desses ¨hinos¨ que não o adoram. São cantados a centenas de anos. Isso é uma real idolatria de louvores.
  Não. Acho que Deus não está nos nossos cultos de representações.
 As vezes me pergunto se seria possível medir o poder de Deus pela quantidade de barulho que produzimos. É de dar vergonha. Meu Deus, estamos nas mãos de mercenários. Membros são medidos por oferta generosa e dízimos gordos; os bajuladores são os privilegiados. As escolas dominicais não formam pensadores. Não os ensinam a pensar, mas a usar a fé ( como se esta fosse uma ferramenta ) como muletas; aprendem a adorar sua própria igreja. Que organização é essa? Meu Deus, isso é o teu corpo? Lembro-me de Rosa Luxemburgo que disse: Tais organizações religiosas se converteram em cascas inúteis, quando atuam sobretudo como um fim em si (...) Elas sufocam qualquer movimento, qualquer tipo de vida, substituindo-a por algo fictício. Tais organizações só são úteis para aqueles que se servem delas. (...) Eu completo dizendo que foi isso em que o cristianismo atual se tornou: casca vazia.
  Deus, estou envergonhado de tais organizações que se passam por teu corpo.
  Deus, acho que estou enlouquecendo de ouvir tantas vozes que se passam pela tua. São profetas, são pregações, são louvores, revelações... Em meio a esse pandemônio eu só queria ouvir tua voz. E os teólogos?Pobres que são, enlataram o pensamento. Tudo é doutrina incontestável. Produzem milhões de livros, mas em nenhum te ouço. Por mais que tente não te ouço.
  Eu não sei se era são, e agora estou ficando louco, ou se era louco e agora estou ficando são. Só sei que não te ouço mais. Estaria eu surdo quando todos os outros te ouvem?
  Deus, seja sincero comigo, onde estás?
 Erivan
Leitura sugerida:
1) Pode o homem viver sem Deus? in Zacharias, Ravi - ed. mundo cristão;
2)O que é a verdade? in Comblin, José - ed. paulus;
3)A estética do oprimido in Boal, Augusto - ed. funarte;
4) O que é ideologia? in Chauí, Marilena - ed. brasiliense.

Epitáfio

Venha
 me beijar, Vento
E tire meu fôlego até que você e eu sejamos um só
E dançaremos entre os túmulos
Até que toda morte se vá.
           

Eu refocilei, e você?


Eu estava cansado. Ninguém me disse que viver cansa (se assim o tivesse feito eu não teria nascido). O que cansa na vida? Será que as estrelas não cansam de brilhar?

 O que cansa é o monótono; a prática executada cotidianamente da mesma maneira. Ser a mesma pessoa é de igual modo estafante. Seres humanos não são inertes. Vivemos numa eterna mudança, e isso diariamente.

É aquilo que chamo de ¨persona nossa de cada dia¨. Desta forma, eu não sou a mesma pessoa que fui ontem; nem serei a mesma de amanhã. ¨Basta cada dia o seu mal¨. Outras coisas também são doentias: defender os mesmos conceitos sem possibilidade de mudança; dizer as mesmas palavras e ouvir o mesmo sermão. Neste sentido o evangelho não existe. Pois não há nada de novo senão repetições infindas do mesmo.¨ Se uma música fosse infinita, seria insuportável¨ disse Rubem Alves, e eu concordo com ele.

 Vivemos numa canseira generalizada e não sabemos ao certo de que.

 Tá, eu entendi que estamos indispostos mas o que é refocilar? Pra responder a essa pergunta eu convido o ilustre Mário Sérgio Cortella.(...) ¨De onde vem tal entendimento? Em latim o vocábulo focus (fogo) ganhou o diminutivo focilus (foguinho) não na acepção ébria, tão inconveniente por estes festejos, mas indicando o esquentar, aquecer, e, por extensão, reanimar. Refocilar é, portanto reaquecer e revigorar.(...) ¨Algum repouso, enfim, com que pudesse/ refocilar a lassa humanidade¨ ( Camões). Nieztche certa vez disse que não há ressurreição se não houver morte. Portanto, o cansaço é a ante sala da renovação (refocilamento).

 A Bíblia também fala sobre isso. Quem nunca leu Isaías capítulo 40 versículos 28-31?  ¨Vocês ainda não entendem? Ainda não ouviram que o Deus eterno, o criador de todo mundo, nunca se cansa nem perde suas forças? Ninguém é capaz de imaginar a grandeza da sua sabedoria. Ele dá forças aos cansados e vigor aos fracos e desanimados. Até os jovens se cansam, até os moços perdem as forças e caem, de tanto cansaço mas os que esperam no Senhor sempre renovam (refocilam) suas energias. Sobem voando como águias.¨ (BV).
 Pensado desta forma fica fácil entender até por quê dormimos. Descansar. ¨Dormir pro dia nascer feliz¨. Recarregar as energias e, enfrentar um novo dia que acaba de raiar.

 Quando cansei
Quando cansei de amar, a indiferença chegou.
Quando cansei de odiar, a atitude me quis.
Quando cansei das palavras, preferi o silêncio... Quando do silêncio, quebrei com o som da minha voz.
Quando cansei de mim, não me olhei no espelho e fui ler um livro...
Quando cansei de pensar, fui dormir e sonhar
Quando cansei de sonhar acordei.

       Erivan