sexta-feira, 1 de abril de 2011

Fé ou placebo?



 Não quero definir a palavra fé. Os sistemáticos insistem que na Bíblia existem vários tipos de fé, a saber: fé como um dom do Espírito Santo; fé salvadora; fé natural... Cada um desses itens são comentados exaustivamente por doutores em teologia. Eu penso que a fé é antes de tudo subjetiva, portanto depende das assimilações cognitivas de cada um. Fé é uma experiência única na vida de todo ser humano quando sente o divino, que de alguma forma, ou formas, se comunica com ele. Deus não é um bem patrimonial da religião cristã, e a fé não é privada. Fé não pode ser definida objetivamente, ou ser entendida apenas no âmbito cristão-eclesiástico.

  O que vemos entre os religiosos é uma febre doente. Um espetáculo espiritual que é promovido em nome da fé. Supostos curandeiros operam milagres. Chegam ao absurdo de marcar até a hora em que ¨Deus vai operar¨. Estes, fingem ter a fé sobrenatural e a usam como ferramentas na hora em que bem entendem. Será que realmente eles têm o dom ou seria mais uma representação hipócrita? Se me perguntarem, eu fico com essa última opção.

 Acredito que tais profetas confundem fé com placebo. É aquele velho ditado ¨me engana que eu gosto¨. Insistem em evocar uma fé que não existe. Usam-na como um consolo, ou crença irracional naquilo que eles mesmos sabem que jamais irá acontecer.

 É necessário definir-mos a palavra placebo para que tenhamos um melhor entendimento.(Ao contrário de fé, a palavra placebo pode ser definida.)  Placebo, do latim placere, significa literalmente ¨agradarei¨. Placebo é um tratamento inerte, que pode ser na forma terapêutica de um fármaco, e que apresenta efeitos terapêuticos devido aos efeitos fisiológicos da crença do paciente de que está sendo tratado. Em suma, é um pseudo medicamento que é usado fisiologicamente, mas seu efeito é psicológico. Portanto tal medicamento age a mente do paciente fazendo-o acreditar que está ingerindo um remédio poderoso e eficaz. Detalhe: o paciente jamais poderá saber que está fazendo uso de um medicamento totalmente inútil, caso contrário, não se obterá o resultado desejado.

 É justamente isso que está acontecendo no meio religioso. O desejo obsessivo por curas e milagres fez com que se desenvolvesse essa crença pragmática de que podemos manipular o sagrado, e esse é o maior pecado que se pode cometer: achar que podemos adquirir tudo de Deus, bastando para isso usar ¨o poder da fé¨.

 A fé não é uma protetora ( vista como escudo) absoluta que nos protege de tudo e de todos. A conspiração religiosa nos afasta paulatinamente da realidade, e, quando isso ocorre, o cinismo impera. Púlpitos viram palcos e fiéis espectadores. Ambientes assim gera nos seus adeptos a mentalidade de que são vítimas eternas que vivem mendigando milagres. Os fiéis se sentem em uma fila esperando sua vez para serem atendidos, e é claro, se forem fiéis nas contribuições, a chance de ser atendido aumenta consideravelmente.

 Para nos afastarmos de Deus, basta seguir cegamente, sem contestar, um dogma eclesiástico. Basta ouvir tudo que a igreja ensina: a mensagem de um deus particular, regional e ministerial. A fé genuína é aos poucos transformadas em muletas, sendo estas necessárias àqueles que querem continuar mancando, achando que lutaram com Deus e este lhes deu um novo nome. Agora são príncipes e princesas de um reino que não é o de Deus - reino de justiça e misericórdia.

 Que mensagem pregam esses exploradores de almas? Um evangelho sedimentado na tradição dos antigos  (Os antigos vos disseram... Eu porém vos digo.) A liturgia está no automático. É possível prever o andamento de todo culto. A lei da igreja tornou a crucificação de Cristo debalde, visto que se justificam não pela Lei de Moisés, (antes fosse pois sendo assim eles mesmos seriam apedrejados), mas por uma lei que eles mesmos criaram e, com isso, anularam a graça descaradamente. Eu me pergunto: o que sobrou do cristianismo do Cristo? O que restou? Responda-me quem souber.

O povo de Deus quer se ver como uma classe social privilegiada. Confundem o termo ¨povo de Deus¨ com um termo sociológico. Para estes, a meritocracia é o que importa; é o que determina a quantidade e a qualidade das bençãos. Afinal ¨é o povo mais feliz da Terra¨.

Qual foi o erro da teologia?

 A teologia acabou produzindo o efeito placebo. Seu maior erro foi sistematizar toda revelação de Deus; criou fórmulas que ¨explicam¨ Deus. Acho que Nieztche estava certo ao dizer que Deus está morto, eu ouso dizer que fomos além: levamos Deus ao IML e sobre ele escrevemos livros e mais livros de anatomia divina. Estes livros são chamados de teologia sistemática. ( Quando falo que Deus está morto - como Nieztche falou - não me refiro ao Deus criador, mas ao sistema religioso. Este transformou Deus numa ferramenta pragmática que funciona quando o botão ¨em nome de Jesus¨ é acionado. Essa religião coisificou Deus, portanto está morta.)

 O erro da teologia iniciou-se quando o pensamento cristão deu a mão para o pensamento grego e, posteriormente curvou-se ao Calvinismo; se não bastasse, ainda bebeu do pensamento domesticador estadunidense. O efeito placebo é um produto importado do Norte que veio enlatado junto com a chamada teologia da prosperidade.

 O erro da teologia foi ter se conformado com a sua própria voz. Ela grita, e grita muito, mas o que se ouve é o eco de sua voz. Se o eco lhe for estranho então levantam-se os apologistas pra corrigir os erros e dizer como funciona a fé. Afinal, eles sabem a fórmula de fazer Deus funcionar.
 Precisamos urgentemente de uma reforma no pensamento teológico atual. Acabar com essa tautologia infinda registradas em milhões de livros inúteis.

 O pastor Ricardo Gondim no seu livro ¨Direto ao ponto¨ faz o seguinte comentário sobre fé:
 Fé já não significa, pra mim, uma força projetada na direção de Deus que o induza a agir. Não entendo que Deus esteja inerte, esperando pela habilidade de mulheres e dos homens de mexerem com o seu braço. Inclusive, parei de dizer que fé move o braço de Deus.

Fé já não significa, para mim, uma senha que escancara as janelas das bençãos celestiais. Rejeito a noção de que Deus oculte suas maravilhas ou dificulte nosso acesso a elas.

Não precisamos nos comportar como crianças que caçam ovos de chocolate na Páscoa. Aliás, considero a expressão ¨conquistar uma graça¨ uma contradição tão horrorosa, que me arrepio todas as vezes que a ouço.

Para mim, fé significa acreditar que os valores, os princípios e as virtudes do evangelho bastam para que eu enfrente a vida com todas as suas vissitudes. vejo que personagens bíblicos não arredondaram a vida, não se anteciparam aos acidentes futuros e nem se blindaram contra as maldades humanas. Igual a eles também não quero viver em redomas protegidas.

Fé significa, para mim, que o Espírito de Cristo dá gana de olhar para a história com coragem, sem precisar apelar para o mágico, para o feitiço e para o sobrenatural. Por causa da fé não pedimos para ser poupados da dor.

A fé bíblica convoca que andemos nas pegadas de Jesus e não encolhamos diante do patrulhamento religioso, da perseguição e da morte, impostos pelos regimes imperalistas.

Fé significa, para mim, a possibilidade de rebelião contra o ¨status quo¨ porque ele não reflete a vontade de Deus. O sofrimento humano não faz parte de uma providência remota, as catástrofes não são dores de parto que prenunciam o alvorecer de um futuro glorioso.

Como Gondim eu ouso dizer que ¨perdi a fé, mas não sou incrédulo¨

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