sexta-feira, 22 de abril de 2011

O mito do Tiradentes


No dia 21 de abril comemora-se o dia em que morreu um heroi nacional: Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), mais conhecido como Tiradentes. Muitos sequer lembram esse fato. Com o decorrer dos anos o homem se revestiu do mito. No retrato acima, ¨O Cristo Cívico¨ feito pelo pintor Décio Villares, percebe-se como a figura de Jesus Cristo serviu de modelo para o mártir mineiro. Esse retrato foi feito por encomenda dos primeiros líderes republicanos. Seu desenho serviu de inspiração para outros retratos. Veremos  um pouco da história e do símbolo por trás da história.

Um símbolo brasileiro

Não se sabe como eram as verdadeiras feições de Joaquim José da Silva Xavier. Todos os retratos são fictícios embora nenhum tenha seguido duas informações vindas de fonte segura. Durante o julgamento dos inconfidentes, Alvarenga Peixoto descrevera Tiradentes como ¨feio e espantado¨. O depoimento de frei Penaforte indicava também que, ao ser conduzido ao patíbulo, o réu estava ¨com abarba e a cabeça raspadas¨. Mas tais fatos eram adversos ao processo de mitificação do Tiradentes - foram, portanto, solenementes ignorados. Na mais brilhante análise da fabricação do mito de Tiradentes, feita por José Murilo de Carmino no livro A formação das almas - O imaginário da República no Brasil, são analizadas todas as imagens de Tiradentes e de seu martírio ( em especial os quadros Tiradentes Esquartejado, reproduzido abaixo, feito em 1893 por Pedro Américo, e Martírio de Tiradentes de Aurélio de Figueiredo ). Neles como em quase todos os demais, Tiradentes surge como um o ¨mártir ideal e imaculado na brancura de sua túnica de condenado¨. Foi assim que ele se tornou aceito como símbolo nacional tanto por monarquistas e abolicionistas como pelos republicanos. O fenômeno se repetiria nos anos 60 do século XX, quando tanto os militares como grupos revolucionários da esquerda - e até mesmo o dinâmico e rebelde Teatro de Arena - usaram-no como símbolo de liberdade e de luta. Após dois séculos, Tiradentes vive.



A Inconfidência Mineira

¨A manifestação de rebeldia mais importante ocorrida no Brasil, a partir de fins do século XVIII, foi a chamada Inconfidência Mineira (Minas Gerais, 1789). Sua importância não decorre do fato material, mas da construção simbólica de que foi objeto. O movimento teve relação direta com o agravamento dos problemas da sociedade regional naquele período. Ao mesmo tempo, seus integrantes foram influenciados pelas novas ideias que surgiam na Europa e na América do Norte. Muitos membros da elite mineira circulavam pelo mundo e estudavam na Europa¨
                                                          Boris Fausto 
                                       

 Na segunda metade do século XVIII, o declínio da produção do ouro acentuou os conflitos entre a população de Minas Gerais e as autoridades de Portugal. A ameaça da derrama ou a cobrança dos quintos atrasados criou um pretexto para a reação das elites locais

 A ala mais esclarecida, e mais endividada, decidiu agir, dando início em 1789 ao movimento que seria chamado de Inconfidência ( infidelidade) Mineira, ou Conjuração Mineira. De acordo com historiadores, segundo a versão final da devassa - a investigação levada a cabo pelas autoridades da época -, envolveram-se no movimento da Capitania das Minas grandes fazendeiros, criadores de gado, contratadores, exploradores de minas, magistrados, militares, além de intelectuais luso-brasileiros.

 Dentre os inconfidentes, destacaram-se os padres Carlos Correa de Toledo, José de Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, além do cônego Luís Vieira da Silva; o tenente coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante militar da capitania, os coronéis Domingos de Abreu Vieira, também comerciante, e Joaquim Silvério dos Reis, rico negociante; e os letrados Cláudio Manoel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi o único ¨conspirador¨ que não fazia parte da elite. Conhecido como alferes (primeiro posto militar) e dentista prático, foi talvez por sua origem o mais duramente castigado. A memória de Tiradentes passou a ser celebrada no Brasil como a proclamação da República, quando foi considerado heroi nacional pelo regime estabelecido em 15 de novembro de 1889. Sua representação mais conhecida é muito semelhante à imagem de Cristo, reforçando a construção da imagem de mártir.

¨Joaquim José da Silva Xavier constituia, em parte, uma exeção. Desfavorecido pela morte prematura dos pais, que deixaram sete filhos, perdera suas propriedades por dívidas e tentara sem êxito o comércio. Em 1775 entrou na carreira militar, no posto de alferes, correspondente ao grau inicial do quadro de oficiais. Nas horas vagas exercia o oficio de dentista, de onde lhe veio o apelido algo depreciativo de Tiradentes¨
                                                   Boris Fausto

O projeto e a condenação

Os inconfidentes propunham a imediata emancipação da colônia e a proclamação de uma República inspirada no pensamento liberal-iluminista e na Constituição dos Estados Unidos. Defendiam a elevção de São João del-Rei à condição de capital do reino, a criação da universidade de Vila Rica e o estímulo à abertura de manufaturas têxteis e de uma siderurgia para o novo Estado. Os revoltosos não tiveram uma posição definida e unânime sobre a questão da escravidão.

A revolta deveria eclodir no dia da derrama. Ela fora programada para o ano de 1788, mas foi suspensa quando participantes da conspiração denunciaram o movimento ao governador. O delator mais conhecido foi o coronel Joaquim Silvério dos Reis, endividado com a Coroa. O governador suspendeu a cobrança e mandou prender os inconfidentes.

Assinada em 19 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, a sentença de morte de Tiradentes cumpriu-se dois dias depois: ele foi enforcado, decapitado e esquartejado. Os outros participantes foram condenados ao desterro na África.

                                           O espírito iluminista de liberdade, igualdade e fraternidade está presente,
                                           em latim, nos dizeres herdados pela atual bandeira do estado de Minas
                                           Gerais:¨ Liberdade, ainda que tardia¨


O Mito do Tiradentes

O texto a seguir, foi tirado do livro:
Brasil: Uma História - Cinco séculos
de um país em construção. Ed Leya.
Eduardo Bueno


Tiradentes pode ter sido mero bode expiatório no trágico desfecho da Conjuração Mineira. Mas a decência com a qual se comportou ao longo do lento e tortuoso processo judicial e, acima de tudo, a altivez com que enfrentou a morte, tornaram-no, no ato, não apenas a maior figura do movimento, mas também um dos grandes heróis da história do Brasil.
Enquanto a maioria dos conjurados chorava, balbuciava e se maldizia - trocando acusações e blasfêmias diante dos jurados -, Tiradentes manteve a dignidade, o senso de camaradagem e uma tranquilidade despojada que, da mera leitura dos atos, sua presença refulge imponente e quase majestosa. Embora, de início, tenha tentado negar a existência da conspiração, tão logo as acusações se tornaram evidentes, Tiradentes tratou de atrair toda culpa sobre si, praticamente se apresendando para o martírio ao proclamar responsabilidade exclusiva para o movimento. Ao saber que, além dele, outros conjurados tinham sido condenados à morte, Tiradentes declarou: ¨Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria para salvá-los¨.
      Não houve, por parte dos acusados, qualquer espécie de retribuição. Com toda a confusão de seus depoimentos, nenhum nega a participação de Tiradentes nem seu entusiasmo fanático e às vezes imprudente pela revolução. Para a Coroa, o alferes também despontava como a vítima ideal: primeiro, era alguém com todos os ressentimentos de um típico ¨revolucionário francês¨. Depois, não era ninguém: ¨Quem é ele?¨, perguntava uma carta régia enviada de Lisboa ao desembargador Torres, juiz do processo. ¨Não é pessoa que tenha figura, nem valimento nem riqueza¨, foi a resposta. Além do mais, quem levaria a sério um movimento chefiado por um simples Tiradentes? Enforcá-lo, portanto, teria o efeito máximo como advertência e o mínimo como repercussão.
     Mas os caminhos da história escolheram outras vias e, um século depois, Tiradentes seria transformado no grande síbolo de República - independentemente do papel que tivesse desempenhado na Conjuração. Por anos a fio, a história da revolta subsistira apenas na memória popular. A partir de 1873, e até 1893, a literatura e a historiografia começaram a transformar Tiradentes numa espécie de Cristo cívico. Ele renascera um pouco antes - no livro Brasil Pitoresco, escrito em 1859 pelo francês Charles Ribeyrolles, na figura de um herói republicano ¨que se sacrifica por uma ideia¨. Em 1873, porém, o historiador Joaquim Noberto de Souza lançou sua História da Conjuração Mineira. Descobridor dos Autos da Devassa, ele foi o primeiro a consultá-los. Após treze anos de pesquisa, concluiu que o papel do Tiradentes fora secundário e que, por causa da ¨lavagem cerebral¨ a que o teriam submetido na prisão dos frades franciscanos, substituíra o ardor patriótico pelo fervor religioso. ¨Prenderam um patriota, executaram um frade¨. Os republicanos, já tentaram alçar Tiradentes ao papel de símbolo do regime que estava para nascer, protestaram. Negavam ter Tiradentes beijado as mãos e os pés do carrasco; não aceitavam a versão de que ele se dirigira à forca com um crucifixo; não acreditavam que tivesse dito que, como Cristo, também morreria nú. Mas o fato é que as semelhanças entre a paixão de Cristo e o martírio de Tiradentes eram tão evidentes (não faltavam nem Judas nem Pedros - e, agora, nem a ressurreição) que,  depois de estabelecida a República, até mesmo os pintores ligados ou contratados por ela passaram a representar Tiradentes como se fosse Jesus no patíbulo.
      Com a passagem dos anos, a memória e as imagens de Tiradentes continuariam sendo esquartejadas.


Romance LX ou Do caminho da forca

Tudo leva nos seus olhos,
nos seus olhos espantados,
o Alferes que vai passando
para o imenso cadafalso,
onde morrerá sozinho
por todos os condenados.

Trecho do livro: Romanceiro da Inconfidência
Cecília Meireles

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O mandamento esquecido

 
 A última ceia. Toda vez que leio essa narrativa de João fico perplexo diante de seu tom moderno. Nesse evangelho, como em nenhum outro, o autor fornece um retrato realístico, em câmara lenta. João cita longos trechos do diálogo e observa as influências emocionais recíprocas entre Jesus e seus discípulos. Temos em João 13-17, um lembrete íntimo da noite mais angustiante de Jesus na terra.

  Havia muitas surpresas reservadas para os discípulos aquela noite, quando passaram pelo ritual da Páscoa, cheia de simbolismos. Quando Jesus leu em voz alta a história do Êxodo, a mente dos discípulos substituiu compreensivelmente o "Egito" por "Roma". Que plano melhor do que este de Deus duplicar aquele tour de force naquele momento, com todos os peregrinos congregados em Jerusalém? O pronunciamento arrebatador de Jesus excitou seus sonhos mais loucos: "Assim como meu Pai me confiou um reino, eu o confio a vós", ele disse magistralmente, e "Eu venci o mundo".

  Enquanto leio a narrativa de João, continuo voltando a um episódio curioso que imterrompe o avanço da refeição. "Jesus sabendo que o pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas", João inicia com um floreio e, depois acrescenta o final incongruente: "levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela". Na roupagem de um servo, inclinou-se e lavou a sujeira de Jerusalém dos pés dos discípulos.

  Que maneira estranha para o hóspede de honra agir durante a última refeição com os amigos. Que comportamento incompreensível de um governante que imediatamente anunciaria: "Eu o confio (um reino) a vós". Naquele tempo, lavar os pés era cosiderado tão degradante que um mestre não o exigiria de um escravo judeu. Pedro empalideceu diante da provocação.

  A cena de lavagem dos pés destaca-se ao escritor M. Scott Peck como um dos acontecimentos mais significativos da vida de Jesus. "Até aquele momento a finalidade de todas as coisas era alguém chegar ao topo e, uma vez atingindo o topo, lá permanecer, ou, mais, tentar subir ainda mais alto. Mas aqui esse homem já no topo - que era rabi, mestre, professor - subitamnete se rebaixa até o chão e começa a lavar os pés dos seus discípulos. Nesse ato único Jesus simbolicamente inverteu toda a ordem social. Dificilmente entendendo o que estava acontecendo, até os seus próprios discípulos ficaram quase horrorizados com o seu comportamento".

  Jesus pediu-nos, a nós seus seguidores, que fizéssemos três coisas para lembrá-lo. Pediu-nos que batizássemos os outros, exatamente como fora batizado por João. Pediu-nos que nos lembrássemos da refeição que partilhou aquela noite com os discípulos. Finalmente, pediu-nos que lavássemos os pés uns dos outros. A igreja sempre honrou dois daqueles mandamentos, embora discutindo o seu significado e a maneira de melhor cumpri-los. Mas hoje temos a tendência de associar o terceiro, a lavagem dos pés, com pequenas denominações escondidas nas montanhas de Appalachia. Apenas algumas poucas denominaçôes executam a lavagem dos pés; quanto às demais, toda a idéia lhe parece primitiva, rural, nada sofisticada. Pode-se discutir se Jesus pretendia entregar esse mandamento apenas para os doze discípulos ou para todos nós no futuro, mas não temos evidência nem mesmo de que os Doze seguiram as instruções.

  Mais tarde naquela mesma noite surgiu uma discussão entre os discípulos acerca de quais deles eram considerados mais importantes. Notavelmente, Jesus não negou o instinto humano de competição e de ambição. Simplesmente redirecionou-o: "o maior entre vós seja como o menor, e quem governa seja como quem serve". Foi quando proclamou: "Eu vos confio um reino" - um reino, em outras palavras, fundamentado no serviço e na humildade. Na lavagem dos pés, os discípulos haviam visto um quadro vivo do que ele queria dizer. Seguir esse exemplo não ficou mais fácil em dois mil anos.
 
Extraído do livro "O Jesus que eu nunca conheci" do Philip Yancey, ed. Vida.




Páscoa e última ceia

Basicamente páscoa é uma festa judáica instituída por Deus para Israel, na época do Êxodo, para celebrar a noite em que o Senhor Jeová poupou todos os recém nascidos primogênitos dos israelitas e matou todos os primogênitos egípcios, segundo a crença israelita, (Êx 12.1-30,43-49).
 Foi a páscoa judáica que Cristo celebrou com os seus discípulos.

Séculos se passaram desde aquela noite que Jesus se sentou no cenáculo e compartilhou a última e simples refeição com seus discípulos. Era simples, mas extremamente importante. Durante esses séculos, a refeição tem tomado um grande significado. De maneira infeliz, tem caído nas armadilhas da religião os excessos de rituais complicados e distinções denominacionais. Ao fazer assim, acredito, tem se perdido a profunda simplicidade que cercava a mesa onde Jesus e seus homens se reuniram para a ceia naquela noite final.

 Em primeiro lugar, vamos considerar por que eles estavam reunidos.

      Estava próxima a festa dos pães asmos, chamada Páscoa. Preocupavam-se os principais sacerdotes e os escribas em como tirar a vida a Jesus; porque temiam o povo. Chegou o dia da festa dos pães asmos, em que importava comemorar a páscoa. Jesus, pois, enviou Pedro e João, dizendo: Ide preparar-nos a páscoa para que a comamos. (Lucas 22.1,2,7,8).

 A páscoa pode ser considerada a celebração do Dia de Ação de graças dos judeus. Não é um dia de ação de graças com perus, enfeites e peregrinações, mas um tempo de lembrar de alguma coisa muito mais significativa. O apóstolo Paulo nos mostra na Primeira carta aos corintios o significado memorial da ceia do Senhor: ¨ Fazei isto, em memória de mim...¨ O comentarista Anthony Palma diz: ¨Ao participarem da ceia do Senhor, os crentes devem recordar o significado de sua morte (de Jesus), e serem edificados por fazê-lo. Mas note que Jesus disse em memória de mim, não 'em memória de minha morte'. Nos parece que a comemoração da páscoa, está mais ligada a vida de Cristo, vida esta exemplar, que sua morte. Tanto é, que mais adiante Paulo escreve ¨ Anunciais a morte do Senhor até que Ele venha¨ (1 Co 11.26). Ora, como pois o Senhor poderia vir se estivesse morto? Fica claro que é a ressurreição - vida - é o que se comemora na ceia do Senhor.

 Quando os hebreus estavam no Egito, Deus chamou Moisés para tirá-los da escravidão e levá-los para a Terra Prometida. Na noite do grande êxodo, Deus disse ao seu servo: ¨Moisés, dê essas instruções aos hebreus: diga a cada familia para escolher um cordeiro perfeito, um que seja puro, sem as cicatrizes da imperfeição. Eles devem pegar o cordeiro imaculado, matá-lo da maneira que especifiquei, e derramar o sangue em uma panela. Tomarão do sangue e o porão em ambas as ombreiras e na verga da porta, nas casas. Durante a noite, Moisés, o anjo do Senhor visitará o Egito. Toda casa que tiver sangue na porta, ele passará sobre ela e a deixará sem tocar. Mas se ele não ensontrar o sangue na porta, a morte entrará naquela casa, e o filho mais velho morrerá. Não haverá exceção. Moisés, o destruidor passará sobre eles quando ele vir o sangue. ( Êxodo 12.1-29).

 Isso começa com a mais simples e mais importante de todas as práticas judias. Apropriadamente, é chamada de ¨Páscoa¨. Deus tornou claro que eles deveriam lembrar o período daquela noite em diante; e quando o fizessem, deveriam explicar o significado aos seus filhos. A refeição se tornou a mais importante celebração dos judeus.

 Na sua última noite com os discípulos, Jesus celebrou a Páscoa, como os devotos judeus tinham feito durante séculos. De maneira apropriada, ele usou aquela refeição como lembrança para levar a atenção deles para a sua morte que se aproximava.

O cardápio pascal

                  E, indo, tudo encontraram como Jesus
                  lhes dissera e prepararam a Páscoa
                  - Lucas 12.13

 Enquanto os judeus celebravam sua páscoa anual de lembrança e agradecimento, os ingredientes necessários daquela festa eram passados de geração em geração, nos ensinos tradicionais das 613 leis da Torá. Isso incluia o sacrifício e preparação do ¨cordeiro pascal¨ ( Êx 12.6), a obrigação de comer o cordeiro pascal que é participar na Páscoa judaica (Êx 12.8); a preparação adequada do cordeiro - ele deve ser assado ao fogo ( Êx 12.9); a proibição contra deixar qualquer sobra do cordeiro ( Êx 12. 10); a exigência de comer o matzah (pão asmo, sem fermento) durante a Páscoa (Êx 12.18); o dever de ensinar ao filho a história da libertação do Egito (Êx 13.8). Essas são apenas algumas das instruções específicas da Torá concernentes à Páscoa. Nada muito complicado, mas o que foi colocado era pra ser cumprido rigorosamente.

 A festa da Páscoa estava centralizada em torno de três itens: o cordeiro assado, ervas amargas, e o pão asmo. O cordeiro assado era o principal item. Servia para lembrar-lhes do sacrifício do cordeiro imaculado e o sangue espalhado nas ombreiras e vergais das portas das casas dos fiéis hebreus. As ervas amargas eram uma mistura de alface, chicória, raízes, hortelã e dente-de-leão. Quando o sabor picante daquelas ervas alcançasse a língua, elas ofereciam uma lembrança dos anos difíceis que os ancestrais hebreus tinham passado na escravidão. O pão asmo servia para lembrar-lhes a pressa com que os hebreus tinham de se preparar para deixar o cativeiro com Moisés, seu libertador.

 Mas, nessa noite, Jesus criou uma nova tradição: Ele transformou alimentos familiares em símbolos de coisas desagradáveis.

A refeição

                Quando chegou a hora, Jesus e os seus
                apóstolos reclinaram-se à mesa.
                - Lucas 22.14, NVI

 Corro o risco de perder a simpatia daqueles que apreciam as obras dos grandes artistas, mas preciso dizer uma coisa que alguns não apreciarão, e que é isso: o pintor Leonardo da Vinci fez um grande desserviço ao cristianismo com o quadro A última Ceia ( Na foto acima). Não ao mundo da arte, entenda. Sua pintura é uma obra-prima. Mas histórica e biblicamente, a obra-prima está longe de sua autenticidade.

 Na pintura de da Vinci, Jesus e os seus discípulos estão sentados em um lado da mesa, em cadeiras ¨de frente pra câmera¨. Jesus e os doze, porém, não estavam sentados em cadeiras com alto espaldar, mas estavam à mesa com cerca de 30 polegadas do solo. No primeiro século, quando as pessoas participavam de uma refeição, elas se sentavam no chão em pequenas almofadas, ou tapetes. De fato, se reclinavam para o lado, em volta de uma mesa erguida próximo ao chão, apoiando-se em um dos cotovelos.

 Os convivas também não comiam com talheres, garfos e facas, como fazemos atualmente. O pão servia como utensílio para embeber ou retirar os outros ingredientes, e não era igual ao que costumamos ter, era um pão plano e na páscoa feito intencionalmente sem fermento, era sensível. Eles podiam partir o pão e mergulhá-lo nas ervas amargas, e comê-lo misturado compedaços de cordeiro assado.

 Visualize Jesus e seus discípulos, reclinados em um círculo em volta de uma mesa baixa, olhando um para o outro, e comendo a refeição da Páscoa, como os judeus têm feito durante séculos.

                    E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente
                    comer convosco esta Páscoa, antes do meu
                    sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a
                   comerei, até que ela se cumpra no reino de
                   Deus. - Lucas 22.15-16

Os discípulos, naturalmente, não entenderam quão significativa esta reunião seria. Eles estavam somente prestando atenção, comendo a Páscoa e falando entre si.

                   Enquanto comiam, tomou Jesus um pão,e,
                   abençoando-o, o  partiu,  e  o deu     aos
                  discípulos, dizendo: tomai, comei; isto é o
                  meu corpo. A seguir, tomou um cálice    e,
                  tendo dado graças, o  deu aos  discípulos,
                  dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o
                  meu sangue, o sangue  da   nova   aliança
                  derramado  em  favor  de  muitos,   para a
                  remissão de pecados. E digo-vos que, desta
                  hora em  diante, não beberei deste fruto da
                  videira,  até  aquele   dia em  que o hei  de
                  beber, convosco no reino de meu Pai.
                  -Mateus 26.26-29

Eles comeram juntos, celebrando a festa da Páscoa. Tradicionalmente, como dedicados judeus, estavam citando trechos das antigas Escrituras, relembrando os dias quando seus ancestrais foram escravos no Egito e libertados por Deus através de seu servo Moisés. Mas, subitamente, receberam a notícia de que Jesus logo não participaria mais da conversa. Ele parecia melancólico talvez mais triste do que parecia durante todos os anos que passaram juntos.

 Enquanto os discípulos aguardavam com curiosidade, Jesus pegou um pão asmo e o partiu. Então, ele baixou a cabeça e orou. A passagem diz: ¨abençoando-o¨. Não sabemos especificamente o que ele orou.
Eles (os apóstolos) não sabiam que seria a última, mas Jesus sabia, e desejava ajudá-los a entender o que estavam próximos de fazer... e o que lhes aconteceria. Ele disse:

       ¨Tomai, comei; isto é o meu corpo¨.

O quê? O que ele estava falando? Eles devem ter olhado para frente, e um para o outro, confusos. Jesus nunca havia dito isso antes. Repentinamente, ele estava quebrando a tradição, deixando-os completamente atônitos.

 (Os teólogos,também, durante séculos, ficaram confusos com essa afirmação. Alguns ensinam que o pão servido na mesa do Senhor verdadeiramente se torna o corpo de Cristo quando entra na boca do fiel. Outros acreditam que o sacerdote permanece perante o povo, parte o pão que se torna o corpo de Cristo. Outros dizem que ele é representativo um símbolo espiritual do corpo de Cristo. Acredito que a melhor resposta é a mais simples e direta: o pão é o retrato e uma representação de seu corpo que foi dado por nós na cruz.)

 Imagine o silêncio aterrador. Imagine as perguntas que correram através da mente dos discípulos: Ele morreria realmente? Por quê? O que nos aconteceria? E o reino que ele prometeu?

 Teriam sido em vão todos esses anos? O estômago dos discípulos começou a apertar, como se tivesse dado um nó. Os primeiro quatro livros, do Novo Testamento, os Evengelhos, não dão indicação de que uma resposta fosse dada em seguida. Por uma mudança, aqueles 12 homens permaneceram em assustador silêncio.

 Enquanto o gosto do pão estava ainda em suas bocas, Jesus pegou um cálice de vinho. Ao longo dos anos, as pessoas têm imaginado que Jesus usou todo tipo de cálice, de simples vazilhas de barro até taças de prata. Muitos mitos envolvem o cálice que Jesus usou na última ceia, que alguns vêem como um vaso sagrado. Aqueles que promovem esse pensamento acreditam que o vaso tinha algo mais, algo sendo preservado e venerado através dos séculos.

 Jesus tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: ¨Bebei dele todos¨.
 Com essas palavras, Jesus e os discípulos encerram o seu tempo juntos. ¨Vocês nunca celebrarão outra páscoa comigo¨, Jesus estava dizendo ¨mas chegará o dia em que celebraremos juntos no reino de meu Pai, na presença de meu Pai¨.

 Com o cálice vazio, os pensamentos concentraram-se na mesa. A refeição terminou com uma breve canção. Jesus, então, levantou-se, e sem anunciar, deixou a sala.

Eles o seguiram


sábado, 16 de abril de 2011

As dores que o amor carrega







               TROUXE o amor sua cauda de dores,
               seu longo raio estático de espinhos,
               e fechamos os olhos porque nada,
               para que nenhuma ferida nos separe.

               Não é culpa de teus olhos este pranto:
               tuas mãos não cravaram esta espada:
               não buscaram teus pés este caminho:
               chegou a teu coração o mel sombrio.

               Quando o amor como uma imensa onda
               nos estrelou contra a pedra dura,
               nos amassou com uma só farinha,
             
               caiu a dor sobre outro doce rosto
               e assim na luz da estação aberta
               se consagrou a primavera ferida.


 O soneto acima citado é do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973). Neruda foi sem dúvida uma das vozes mais altas da poesia mundial. Lendo esta e outras poesias, me vi meditando sobre o outro lado do amor. Me parece que a tristeza é um ingrediente necessário na produção dos contos do coração.
 A fantasia do amor alegre dá lugar a dores agudas na alma dos amantes perdidos. Para tristeza ou alegria ( pelo menos dos poetas ), o amor não caminha sozinho. Sempre anda acompanhado. A tristeza é o maior companheiro do amor. Um amor ferido é frio. Schopenhauer diz o seguinte: ¨Um amante sem esperança pode comparar de forma epigramática sua beldade cruel ao espelho côncavo, ou seja, àquilo que, como ele, incedeia e consome, mas com tudo isso permanece frio¨

 O amor quando ferido, costuma sangrar pelos olhos; sangue incolor e com sabor do Mar, simbolizando a infinita dor. Rubém Alves nos lembra que ¨amor feliz não vira literatura ou arte. O amor comovente é o amor ferido. (citando Otávio Paz): 'coisas e palavras sangram pela mesma ferida.' Mas amor feliz não é ferida. Como poderiam, então, dele sangrar palavras? O amor feliz não é pra ser cantado. É pra ser gozado. O amor feliz não fala: ele faz¨.

 Amor e morte foram eternizados nas palavras de Drummond:

 O amor é primo da morte, e da morte vencedor,
 por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.

Até na Bíblia encontramos versos sobre amor e morte:

O amor é tão poderoso como a morte;
e a paixão é tão forte como a sepultura.
O amor e a paixão explodem em chamas e queimam
como um fogo furioso. ( Ct 8.6)

 Todo ser humano, de uma forma ou de outra, já provou da amargura quando se perde o objeto amado. Resta a estes, apenas a saudade. ¨por que tenho saudade de você, no retrato, ainda que o mais recente?¨ ( Cassiano Ricardo). O interessante é que nós o queremos, mesmo ao risco de sermos feridos. ¨A senda do amor tem canteiros com roseiras e abrolhos. Os que se atrevem a trilhá-la precisam saber de antemão que podem ser premiados com alegria, mas se arriscam a amargar profunda tristeza. Ao contrário do que prometem os folhetins e dramalhões baratos, amar requer coragem.¨ ( Ricardo Gondim).

 Todos nós experimentaremos nosso quinhão de angústia ao passarmos pela vida. O amor seria maravilhoso se não viesse acompanhado: se não ficasse depois que partisse. ¨Por muito tempo achei que ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não o lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim...¨ (Drummond).

 Quem realmente ama não quer ser curado da saudade, pois se assim for, é por que já esqueceu. E o amor quer permanecer na alma e nas coisas do ser amado.

 Eu prefiro sofrer as dores que o amor carrega que nunca amar.

O amor é a coisa mais alegre.
O amor é a coisa mais triste.
O amor é a coisa que eu mais quero...

                                                                         Adélia Prado


E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (?)

Se permaneceis na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará ( jo 8.31,32)

Se queisermos compreender o sentido da liberdade e da libertação de Jesus, precisamos colocá-lo dentro do contexto do seu povo de Israel. A frase: ¨conhecereis a verdade e a verdade vos libertarᨠpoderia ter significados muito diversos. Houve tempos em que, inspirados pela cultura e pela filosofia da Antiguidade, os leitores imaginavam Jesus como um filósofo preocupado pelo problema da vida interior, alheio às agitações do mundo exterior, para quem o problema da liberdade era, assim como para o filósofo-escravo Epíctes, apenas um problema de liberdade interior: era livre o escravo que conseguia manter a sua autonomia no fundo mais oculto da consciência. Como se Jesus se preocupasse com o problema da vida interior e da consciência dos seus discípulos. Faziam dele um moralista e um educador das vidas interiores. Ora, Jesus não era filósofo e não entendia a liberdade como os filósofos do mundo romano. Era judeu e entendia a liberdade como os judeus.

As pessoas livres já estavam presentes. Jesus já as tinha ao alcance da palavra. Esse povo formado pelos pobres de Israel era educado no espírito dos profetas. Não era necessário suscitá-las. Elas, esse resto do verdadeiro Israel, seriam as emissárias, as missionárias da liberdade no mundo inteiro. O que era necessário então? Nada mais nada menos do que proteger e garantir a liberdade desses pobres de Israel das ameaças, da sedução e da falsa educação dos líderes religiosos que, como maus pastores, enganavam o povo de Israel. As pessoas livres estavam aí, porém, seduzidas, mantidas numa falsa escravidão por uma falsa interpretação dos fariseus, dos sacerdotes, dos escribas.

Nesse contexto, entendemos o porquê desse combate de Jesus contra os fariseus e os escribas. Jesus não precisava formar o povo livre. Já estava formado. A única coisa que ainda faltava era mostrar-lhe a vaidade, a inanidade e a falsidade do falso Israel que eles ensinavam. Eles eram os corruptores de Israel. Bastava destruir o seu falso poder, libertar a consciência dos simples de uma falsa veneração para restituir a verdadeira face, a verdadeira imagem do pova de Deus. A liberdade estava aí nessa tradição de Israel, depósito inesgotável de espírito libertário para os séculos. Falsos guias mantinham essas reservas apagadas, inutilizadas. Era preciso ressucitar o povo adormecido pelos maus conselheiros, paralisado por uma religião de preceitos e obras, de temor e de rigor que lhe tirava completamente o espírito de liberdade e a perspectiva da sua vocação universal. Jesus definiu o seu próprio combate no ponto central. Era preciso desenganar o povo de Deus, restituir-lhe o sentido da sua vocação, despertá-lo para estar a serviço de reino de Deus, devolver-lhe a sua autoestima e a consciência das energias divinas que Deus lhe entregara. O povo faria o resto.

 Se Jesus fosse filósofo romano, poderíamos achar típico o fato de que não trata dos problemas da cidade e do império, não trata das virtudes morais no nível social. Pareceria um filósofo da intimidade e da vida pessoal: pareceria o Jesus de Renan, que é também o Jesus de tantos. Jesus não era filósofo romano. Não tratou dos problemas sociais e políticos, dos problemas da cidade e do império, não porque essas coisas não tinham importância para o reino de Deus, mas porque essas coisas o povo as resolveria. Não era preciso definir as revoluções do futuro: o povo se encarregaria disso. Jesus não veio substituir o povo de Deus, nem fornecer-lhe um líder social, político ou militar; veio apenas para libertar esse povo do medo e da falsa submissão religiosa em que os fariseus o mantinham. Uma vez livre dessa falsa religião, o povo livre educado na tradição do Antigo Testamento faria o resto: fez o resto, ou começou a fazer o resto nos vinte séculos que nos separaram dessa mensagem. Por isso, Jesus não lutou contra o sistema econômico, social, político do seu tempo; o povo faria isso. Ele libertou o povo do adversário que o mantinha escravizado dentro de sí mesmo.

 Assim se explica também porque Jesus não denunciou tanto os sacerdotes nem anciãos: eles não tinham prestígio junto ao povo, não exerciam influência. Não era preciso derrubá-los. Já estavam em baixo. Porém, os fariseus eram os piedosos, os religiosos, a sua fama de santidade impressionava. Apresentavam títulos para reinvindicar a qualidade de autênticos intérpretes da lei de Israel. Aí estava a ameaça e o perigo, a maior corrupção desse Israel de quem se julgavam os guias e defensores mais puros. Libertar Israel do jugo dos escribas e dos fariseus: restituir-lhe a alma e o ímpeto do Espírito de Deus: a essa tarefa Jesus consagrou a maior parte dos seus trabalhos.

 Como lutar contra a falsa religião dos escribas e dos fariseus?

Primeiro mostrar-se livre dela, fazer gestos solenes e claros de rejeição e de condenação dessa religião. Daí o elemento de provocação que há na atitude de jesus em face da lei interpretada pelos fariseus. Em lugar de buscar a conciliação, Jesus quer a ruptura. É aqui que ele próprio aplica essa exigência feita aos discípulos: ¨Vim para opor o homem ao pai, a filha à mãe, a nora à sogra: e os inimigos de uma pessoa são os da sua própria casa¨ (Mt 10.35,36).
  Jesus provocou a ruptura na questão das obras de piedade e do ar de santidade. Ele não terá ¨ar de santidade¨, não terá ¨cara de santo¨.De fato, os escribas e os fariseus reagem logo. Eles dizem: ¨Eis um comilão e beberrão, um amigo dos cobradores de impostos e dos pecadores!¨ ( Mt 11.19). Um dia, ¨estando os discípulos de João e os fariseus a jejuar, foram dizer-lhe:' Por que, enquanto os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, os teus não jejuam?'¨ (Mc 2.18). Jesus, então, respondeulhes:¨Acaso convém aos convidados para um casamento jejuar enquanto o esposo está com eles?¨ (Mc 2.19).

  Em seguida, Jesus liberta-se e liberta os seus das instituições religiosas em que os escribas mantêm o povo prisioneiro. Num dia de sábado, ao passar Jesus pelas messes, os seus discípulos, enquanto andavam, começaram a colher espigas. Disseram-lhe, então, os fariseus: ¨Vê. Por que fazem no sábado aquilo que não é lícito?¨ Ele lhes respondeu: ¨Nunca lestes o que fez Davi, quando estava necessitado e teve fome, ele  e os companheiros? Como entrou na casa de Deus, ao tempo do sumo sarcedote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, os quais somente aos sacerdotes era lícito comer, e até os deu aos companheiros?¨
  Quando Jesus entrou de novo na sinagoga, estava ali um homem que tinha uma das mãos ressecada. Ficaram eles vigiando, para ver se o curaria no dia de sábado, a fim de acusá-lo. Disse ele ao homem que tinha a mão ressecada:¨Levanta-te e vem para o meio!¨ E então lhes perguntou: ¨É lícitonos dias de sábado fazer bem ou mal, salvar uma vida ou tirá-la?¨ Eles, porém, ficaram calados. Percorrendo com um olhar encolarizado os circunstantes e profundamente entristecido pela dureza de seus corações, disse ao homem: ¨Estende a mão. Ele estendeu e sua mão ficou boa. Então, os fariseus saíram e logo deliberaram os herodianos sobre o meio de tirar-lhe a vida¨ (Mc 3.1-6). Está claro demais que Jesus podia ter evitado esse conflito. Podia ter curado esse aleijado no dia anterior e no dia seguinte. Ele quis o conflito para libertar os seus do temor à lei e aos seus intérpretes.

 Jesus refere a sua conduta a Deus diretamente, não aos preceitos estabelecidos por tradições humanas. Cria assim entre os discípulos uma relativização radical de todas as instituições humanas, atitude que devia mais tarde provocar uma crítica permanente da sociedade.


Texto extraído do livro: Jesus de nazaré de José Comblin (in memória)

O texto em sí é mais extenso. Eu tomei a liberdade de lhe dar esse título e fazer pequenas adaptações do original.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Se tiveres que me amar

Se tiveres que me amar
que seja por nada.
A não ser por tua escolha.

Não me ames pelo meu sorriso;
haverá dias em que não me alegrarei...

Não me ames por achar-me belo;
o tempo tirará minha beleza...

Não digas:
¨Eu o amo por causa do seu sorriso de sua aparência, de seu jeito
Por falar gentilmente, por alguma habilidade de pensamento
que me faz tão bem, e que certamente tráz uma sensação de tranquilidade prazerosa neste dia¨

Por que estas coisas, em sí mesmas, minha amada, podem ser mudadas, ou mudadas para tí
e o amor, assim feito, pode ser desfeito

Se tiveres que me amar
minha  amada,
que seja por causa do amor

Para que para sempre possas continuar amando...
Pela eternidade do amor...
Pela escolha de se amar.

Este pensamento é uma paráfrase da Elizabeth B.

Quer levar Jesus pra casa hoje?

 Quem quer levar Jesus pra casa hoje? Levante a mão e faça um sinal de aceitação...

 Essa Fraseologia já virou um mantra nas igrejas evangélicas. É o chamado apelo. A hora da decisão, onde a danação ou a salvação eternas estão em jogo. No momento em que o pastor pede para o pecador levantar a mão em sinal de aceitação à Cristo, cabe aos salvos ficarem ¨em espírito de oração¨(sic), pois pode ser que um demônio teimoso, esteja agarrado em seus braços fazendo-o pesar.

 Eu sempre tive dificuldades em aceitar essa prática cristã chamada de apelo. Primeiramente, por que o apelo é uma cópia evangélica pentecostal que remontam à época de Chales G. Finney (1792-1875). Ricardo Gondim, elucida o protótipo do apelo nas seguintes palavras: ¨Depois que terminava de pregar, Finney conduzia as pessoas que se sentavam no  banco dos ansiosos para mais instruções, conduzindo-as assim à salvação. Finney foi copiado ferozmente por evangélicos pentecostais ao redor da terra e seu banco dos ansiosos tornou-se o precursor do apelo¨( Gondim 2010).

 Em segundo lugar, não existe nada mais constrangedor que - praticamente - obrigarem as pessoas a aceitar a Cristo. O próprio Jesus, penso eu, jamais aceitaria algo forçado. Esse apelo é literalmente um apelo emocional e constragedor. As pessoas agindo assim, tornam-se cristãs compulsoriamente e muitas vezes nem sequer tem consciência disso.

 Um outro problema com essa mentalidade, é que ela transforma o evangelho e a pessoa de Jesus em outra coisa; lhe dão um outro sentido. Vejamos pois:

O evangelho segundo minha igreja

Os cristãos da primeira geração quando ouviam pronunciar a palavra grega ¨evangelion¨ sentiam ecoar na alma ideias e sentimentos que, hoje, nós não mais percebemos devido à mudança de mentalidade. Tal palavra evocava sentimentos de alegria e festiva sensação, pois indicava o anúncio do nascimento de um novo mundo: nos corações, em suas existências e em sua comunidade.

Se nas cidades gregas a palavra ¨evangelho¨ tinha o sentido de anúncio do nascimento de um salvador terreno (um imperador, ou uma pressuposta divindade), nas comunidades judaicas ou cristãs da Palestina significava o advento do reino messiânico, do reino de Deus entre os homens. ¨Evangelho¨= ¨Boa nova¨ para eles não é um livro ou uma instituição, mas a chegada do Messias vivo no meio deles, é uma presença de salvação, é uma existência de Deus já contemporânea ao homem.

Hoje o evangelho é entendido e confundido com a mensagem particular da igreja, ou se preferirem, ¨marketing¨ religioso. A definição de marketing é a seguinte: ¨Conjunto de medidas que provêem estrategicamente o lançamento e a sustentação de um produto ou serviço no mercado consumidor, garantindo o bom êxito comercial de iniciativa¨( Dicionário Aurélio). A igreja atual se tornou num banco de serviços onde os fiéis são vistos como clientes. Eu chamo essa nova mentalidade de religião à la carte onde os milagres são self service. A socióloga Júlia Miranda utilizando-se do termo: religião à la carte, diz o seguinte:

O comportamento (dessa religião) é tipicamente consumista. Guarda-se da herança tradicional apenas o que interessa e convém; mantem-se uma fé que não exige alto grau de coerência entre os papéis. A integração pessoal é alcançada por meio do direcionamento das energias e do desmpenho em todos os setores da vida, para objetivos individualmente formulados, tais como bem-estar e sucesso. (Horizontes de bruma: os limites questionados do religioso e do político. pág 49)

A maldição do Cristo genérico

O teólogo Eugene H. Peterson escreveu um livro cujo o título é ¨A maldição do Cristo genérico¨. Na introdução, Peterson afirma: ¨Teologia espiritual é a atenção que damos aos detalhes de viver trilhando esse  caminho (caminho que Cristo revelou). É um protesto contra  a teologia despersonalizada, transformando-a num conjunto de informações sobre Deus; é um protesto contra uma teologia funcionalizada, transformando-a num planejamento estratégico para Deus. ¨

O Cristo que é pregado por igrejas com viés ¨marketeiro¨ é um Jesus Panacéia; um remédio genérico que serve pra tudo. É mais ou menos assim: passa Jesus que passa. Cristo, visto desta forma, não é mais um ser, mas um produto ou uma marca. Não é o Jesus histórico (querigma) que é anunciado, mas um produto industrializado. As frases eclesiais não me deixam mentir:

¨Leve Jesus pra casa hoje¨
¨experimente Jesus, você vai gostar¨
¨Jesus é bom¨
¨quem vai querer Jesus?¨
¨você aceita Jesus?
¨Dê uma chance pra Jesus¨

Não precisa ser muito reflexivo pra preceber que Jesus é leiloado em todo culto religioso. Esse apelo sentimental chega a ser ridículo. Mesmo inconsciênte, a mentalidade religiosa foi consideravelmente influenciada pela Revolução Industrial, pela globalização, pela pós-modernidade... Não duvido nada se os pastores além de oferecerem o produto, dar-nos ainda 3 anos de garantia aos consumiodores de Jesus.

Qual a proposta então?

Acabar com os apelos. Jesus não é produto de fim de feira. Aconselho as igrejas que releiam a Bíblia sem os óculos agostinianos ou calvinistas; fugir da hermenêutica particular e deixar que a mensagem flua naturalmente. Deveriam seguir o exemplo da parábola do filho pródigo ( Lucas 15). Nesta parábola está o retrato prefeito da liberdade que se tem em seguir o Cristo (ou não). As porta da casa do pai estavam abertas pra deixar o filho partir (sem constrangimento), e abertas pra quando o filho retornar, caso queira (sem constrangimento). Ser livre, para Deus, é ser realmente livre pra dizer ¨sim¨ ou ¨não¨; é ser livre pra aceita-lo ou rejeita-lo sem constragimento.
 Faço das palavras do teólogo alemão Paul Tillich as minhas:

A pergunta implícita agora é: de que maneira a mensagem cristã pode ser comunicada para as pessoas de nossa época? Em outras palavras, estamos indagando de que maneira o evangelho pode ser transmitido. Como tornamos a mensagem vista e ouvida e, consequentemente, aceita ou rejeitada? A comunicação do evangelho significa expô-lo diante das pessoas para que decidam por ele ou contra ele. O evangelho cristão é matéria de decisão. Tem de ser aceito ou rejeitado.

Parafraseando: o evangelho não é algo a ser imposto; é simplesmente anunciado. Todo ouvinte tem autoridade de aceitar ou recusar sem constrangimento pois o próprio Deus lhe deu essa liberdade.

É preciso substituir o Jesus produto pela percepção de Jesus como pessoa e, como pessoa, pode relacionar-se. ¨Através da apresentação do Jesus histórico e do mais histórico de Jesus, a cristologia latino-americana busca o acesso pessoal a Jesus. Isso é feito não apresentando, em primeiro lugar, conhecimentos sobre ele para que o homem decida o que fazer e como relacionar-se com esse Jesus assim conhecido, mas apresentando sua prática para recriá-la e assim aceder a Jesus.¨ (Jose V. Peinado). A igreja não é um banco de serviço religioso, mas um lugar de comunhão e crescimento humanitário coletivo.

Entender que fé não é ¨varinha de condão¨ e Deus não é o gênio da lâmpada qua vai nos conceder todos os desjos do nosso coração independente de quais forem. Seguir a Cristo não é ter garantia absoluta de nada.

E aí! Vai querer levar Jesus pra casa hoje? 

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Fé ou placebo?



 Não quero definir a palavra fé. Os sistemáticos insistem que na Bíblia existem vários tipos de fé, a saber: fé como um dom do Espírito Santo; fé salvadora; fé natural... Cada um desses itens são comentados exaustivamente por doutores em teologia. Eu penso que a fé é antes de tudo subjetiva, portanto depende das assimilações cognitivas de cada um. Fé é uma experiência única na vida de todo ser humano quando sente o divino, que de alguma forma, ou formas, se comunica com ele. Deus não é um bem patrimonial da religião cristã, e a fé não é privada. Fé não pode ser definida objetivamente, ou ser entendida apenas no âmbito cristão-eclesiástico.

  O que vemos entre os religiosos é uma febre doente. Um espetáculo espiritual que é promovido em nome da fé. Supostos curandeiros operam milagres. Chegam ao absurdo de marcar até a hora em que ¨Deus vai operar¨. Estes, fingem ter a fé sobrenatural e a usam como ferramentas na hora em que bem entendem. Será que realmente eles têm o dom ou seria mais uma representação hipócrita? Se me perguntarem, eu fico com essa última opção.

 Acredito que tais profetas confundem fé com placebo. É aquele velho ditado ¨me engana que eu gosto¨. Insistem em evocar uma fé que não existe. Usam-na como um consolo, ou crença irracional naquilo que eles mesmos sabem que jamais irá acontecer.

 É necessário definir-mos a palavra placebo para que tenhamos um melhor entendimento.(Ao contrário de fé, a palavra placebo pode ser definida.)  Placebo, do latim placere, significa literalmente ¨agradarei¨. Placebo é um tratamento inerte, que pode ser na forma terapêutica de um fármaco, e que apresenta efeitos terapêuticos devido aos efeitos fisiológicos da crença do paciente de que está sendo tratado. Em suma, é um pseudo medicamento que é usado fisiologicamente, mas seu efeito é psicológico. Portanto tal medicamento age a mente do paciente fazendo-o acreditar que está ingerindo um remédio poderoso e eficaz. Detalhe: o paciente jamais poderá saber que está fazendo uso de um medicamento totalmente inútil, caso contrário, não se obterá o resultado desejado.

 É justamente isso que está acontecendo no meio religioso. O desejo obsessivo por curas e milagres fez com que se desenvolvesse essa crença pragmática de que podemos manipular o sagrado, e esse é o maior pecado que se pode cometer: achar que podemos adquirir tudo de Deus, bastando para isso usar ¨o poder da fé¨.

 A fé não é uma protetora ( vista como escudo) absoluta que nos protege de tudo e de todos. A conspiração religiosa nos afasta paulatinamente da realidade, e, quando isso ocorre, o cinismo impera. Púlpitos viram palcos e fiéis espectadores. Ambientes assim gera nos seus adeptos a mentalidade de que são vítimas eternas que vivem mendigando milagres. Os fiéis se sentem em uma fila esperando sua vez para serem atendidos, e é claro, se forem fiéis nas contribuições, a chance de ser atendido aumenta consideravelmente.

 Para nos afastarmos de Deus, basta seguir cegamente, sem contestar, um dogma eclesiástico. Basta ouvir tudo que a igreja ensina: a mensagem de um deus particular, regional e ministerial. A fé genuína é aos poucos transformadas em muletas, sendo estas necessárias àqueles que querem continuar mancando, achando que lutaram com Deus e este lhes deu um novo nome. Agora são príncipes e princesas de um reino que não é o de Deus - reino de justiça e misericórdia.

 Que mensagem pregam esses exploradores de almas? Um evangelho sedimentado na tradição dos antigos  (Os antigos vos disseram... Eu porém vos digo.) A liturgia está no automático. É possível prever o andamento de todo culto. A lei da igreja tornou a crucificação de Cristo debalde, visto que se justificam não pela Lei de Moisés, (antes fosse pois sendo assim eles mesmos seriam apedrejados), mas por uma lei que eles mesmos criaram e, com isso, anularam a graça descaradamente. Eu me pergunto: o que sobrou do cristianismo do Cristo? O que restou? Responda-me quem souber.

O povo de Deus quer se ver como uma classe social privilegiada. Confundem o termo ¨povo de Deus¨ com um termo sociológico. Para estes, a meritocracia é o que importa; é o que determina a quantidade e a qualidade das bençãos. Afinal ¨é o povo mais feliz da Terra¨.

Qual foi o erro da teologia?

 A teologia acabou produzindo o efeito placebo. Seu maior erro foi sistematizar toda revelação de Deus; criou fórmulas que ¨explicam¨ Deus. Acho que Nieztche estava certo ao dizer que Deus está morto, eu ouso dizer que fomos além: levamos Deus ao IML e sobre ele escrevemos livros e mais livros de anatomia divina. Estes livros são chamados de teologia sistemática. ( Quando falo que Deus está morto - como Nieztche falou - não me refiro ao Deus criador, mas ao sistema religioso. Este transformou Deus numa ferramenta pragmática que funciona quando o botão ¨em nome de Jesus¨ é acionado. Essa religião coisificou Deus, portanto está morta.)

 O erro da teologia iniciou-se quando o pensamento cristão deu a mão para o pensamento grego e, posteriormente curvou-se ao Calvinismo; se não bastasse, ainda bebeu do pensamento domesticador estadunidense. O efeito placebo é um produto importado do Norte que veio enlatado junto com a chamada teologia da prosperidade.

 O erro da teologia foi ter se conformado com a sua própria voz. Ela grita, e grita muito, mas o que se ouve é o eco de sua voz. Se o eco lhe for estranho então levantam-se os apologistas pra corrigir os erros e dizer como funciona a fé. Afinal, eles sabem a fórmula de fazer Deus funcionar.
 Precisamos urgentemente de uma reforma no pensamento teológico atual. Acabar com essa tautologia infinda registradas em milhões de livros inúteis.

 O pastor Ricardo Gondim no seu livro ¨Direto ao ponto¨ faz o seguinte comentário sobre fé:
 Fé já não significa, pra mim, uma força projetada na direção de Deus que o induza a agir. Não entendo que Deus esteja inerte, esperando pela habilidade de mulheres e dos homens de mexerem com o seu braço. Inclusive, parei de dizer que fé move o braço de Deus.

Fé já não significa, para mim, uma senha que escancara as janelas das bençãos celestiais. Rejeito a noção de que Deus oculte suas maravilhas ou dificulte nosso acesso a elas.

Não precisamos nos comportar como crianças que caçam ovos de chocolate na Páscoa. Aliás, considero a expressão ¨conquistar uma graça¨ uma contradição tão horrorosa, que me arrepio todas as vezes que a ouço.

Para mim, fé significa acreditar que os valores, os princípios e as virtudes do evangelho bastam para que eu enfrente a vida com todas as suas vissitudes. vejo que personagens bíblicos não arredondaram a vida, não se anteciparam aos acidentes futuros e nem se blindaram contra as maldades humanas. Igual a eles também não quero viver em redomas protegidas.

Fé significa, para mim, que o Espírito de Cristo dá gana de olhar para a história com coragem, sem precisar apelar para o mágico, para o feitiço e para o sobrenatural. Por causa da fé não pedimos para ser poupados da dor.

A fé bíblica convoca que andemos nas pegadas de Jesus e não encolhamos diante do patrulhamento religioso, da perseguição e da morte, impostos pelos regimes imperalistas.

Fé significa, para mim, a possibilidade de rebelião contra o ¨status quo¨ porque ele não reflete a vontade de Deus. O sofrimento humano não faz parte de uma providência remota, as catástrofes não são dores de parto que prenunciam o alvorecer de um futuro glorioso.

Como Gondim eu ouso dizer que ¨perdi a fé, mas não sou incrédulo¨

Não vá agora

Você existe no meu universo.
Nos meus versos falo de você,
canto pra você e sonho com você.
Como minha vida ficou especial quando te conheci...
Queria que cada momento fosse uma eternidade.
Tu consegues habitar na saudade, mesmo presente.
Descobri que não tenho mais  saudade. É a saudade que me tem.

Não deixe meu coração ao acaso.
Deixa eu esconder minha dor no teu peito,
ficar junto de teu leito, tu que estás prestes a partir...
e me deixar só
Como esconder minha dor se teus olhos dormem?

A tua carne e o teu sangue ficaram em tudo que tocaste
e o ar tomou teu cheiro por essência

Acorda!
E me abraça
Vamos sorrir um pouco
Vamos brincar, Amor

A mais inútil das coisas chegou aos meus olhos,
desceu por minha face
salgou meus lábios...

Por favor, não vá agora










Erivan