sábado, 25 de junho de 2011

O inferno são os outros





O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), em uma memorável obra para teatro, Entre quatro paredes, conta a saga de três personagens que se encontram no inferno. Um deles, Garcin, é um homem de letras que está no inferno porque é covarde; fugiu desertou. O outro personagem,  Inês, é funcionária dos correios e está no inferno porque matou duas pessoas. O terceiro é Stelle, infanticida. Casou-se com um homem muito mais velho, por interesse, e acabou tendo um caso com outro. Do amante teve um filho que tratou de matar assim que nasceu. Os três personagens são absolutamente diferentes, vêm de vidas diferentes, de sonhos não vividos e de projeções. Todos gostariam de voltar e estar pelo menos uma vez mais na terra. Todos gostariam de apenas uma oportunidade para fazer algo que não fizeram. Não voltaram. Porque o tempo não admite retorno. Cada momento é único e por isso é preciso viver dignamente cada instante da vida.

O embate começa entre os personagens de Sartre. Garcin elege Inês. Acredita que Inês seja forte e resolve convencê-la de que não é covarde. Ele é tudo menos covarde. Conta histórias picantes, corajosas. Fala da mulher, que sofre com sua ausência, conta de uma amante. Fala, fala, fala e não convence Inês de que não é covarde. Ela ouve as histórias todas e repete sem dó de que ele é covarde. Por mais que diga, por mais que tente, Garcin não a convence de sua valentia. Garcin não sairá do inferno porque projetou em Inês sua felicidade.

Inês é lésbica, encanta-se por Stelle, e resolve seduzi-la. Desde sua chegada ao inferno, pede um espelho. Não há espelho. Inês se aproxima de Stelle e se oferece para ser seu espelho. Stelle olha nos olhos de Inês. Inês a trata de cotovia e se diz o espelho das cotovias, usando todas as artimanhas e os truques de sedução que conhece. Entretanto, em determinado momento Stelle lamenta não ser Garcin a cortejá-la. Inês não consegue seduzir Stelle, portamto, não sairá do inferno.

Inês projeta em Stelle sua felicidade. Stelle é aparentemente frágil. Preocupa-se muito com a cor do vestido e da poltrona para ver se combinam. Tenta se fazer de desentendida. Acha que tudo não passa de um engano porque afinal de contas eles não podem estar ali juntos sem que se tivessem conhecido antes. Mas como estão juntos, tenta seduzir Garcin. Ele é homem e quem sabe juntos poderão ter instantes de prazer. Garcin se aproxima, mas não consegue beijar Stelle enquanto Inês os observa. Stelle não consegue ficar com Garcin. Stelle não sairá do inferno porque projetou em Garcin sua felicidade.

Garcin precisa de Inês, que precisa de Stelle, que precisa de Garcin. São cavalinhos de pau que, como num carrossel, correm um atrás do outro sem nunca se alcançar. Todo esforço é inútil. Por isso, conclui Sartre, ¨O inferno são os outros¨. O inferno são os outros porque as relações são projetivas, são frustradas. O inferno são os outros porque determina como quer que o outro seja.

Liberdade, angústia e responsabilidade

Segue abaixo, um trecho da entrevista feita  ao professor de filosofia Franklin Leopoldo e Silva (professor na USP). Esta entrevista concedida a revista Filosofia ciência e vida, Ano 2007 - editora Escala - foi mediada pela jornalista Patrícia Pereira. Tomei a liberdade de fazer observações e incrementações como complementos auxiliares ao leitor. Boa leitura.

¨A liberdade não é alguma coisa
que está aí para ser usufruída, como
um bem, como uma coisa feliz e alegre.
Liberdade é uma coisa pesada que envolve
essa responsabilidade¨
F.L e Silva

Filosofia - Para o existencialismo, o homem define cada momento um pouquinho de sua própria existência e tem a liberdade de mudar a própria vida. Mas, ao contrário do que se pode pensar, essa liberdade traz angústia. Qual a relação entre liberdade e angústia?

Leopoldo e Silva - Em primeiro lugar, a liberdade, por ela ser total, o indivíduo constroi sua própria existência, ela implica também uma enorme carga de responsabilidade. Quando se tem uma liberdade total relacionada com o indivíduo, tem-se também toda a responsabilidade consequente desta liberdade só relacionada a ele. A principal diferença é que você não tem com quem ou com o que dividir a responsabilidade pela maneira como você organiza sua vida. Isso traz um certo peso que o Sartre fez questão de enfatizar. A liberdade não é alguma coisa que está aí para ser usufruída, como um bem, como uma coisa feliz e alegre. Liberdade é uma coisa pesada que envolve essa responsabilidade. E as escolhas que se tem de fazer a cada momento também não estão determinadas por nada que anteceda essa própria escolha ou ao próprio indivíduo por exemplo, não se pode ligar a uma tabela de valores ou a uma certa tradição ou crenças, é preciso escolher livremente o que se vai fazer a cada momento. E o valor que dirige essa escolha também é inventado. Liberdade é uma constante invenção, não só da sua conduta como também do critério. Isso é uma coisa muito nova. Em geral, a gente presume que quando se tem normas de conduta, uma moral, valores a seguir, certas regras sociais, o indivíduo simplesmente segue. No caso do Sartre, tudo isso está sujeito à escolha. Não há critérios prévios para dizer o que fazer. É preciso decidir sozinho o que fazer e a partir de que critério.

Filosofia - Mas há algum meio de lidar com essa liberdade e com aresponsabilidade sem ter o sentimento de angústia?

Leopoldo e Silva - Não. O sentimento de angústia deriva exatamente do fato de se estar desamparado. Sempre gostaríamos de ter com quem dividir a responsabilidade. Divide-se a responsabilidade com a crença religiosa, com os valores familiares e sociais, com aquilo que se cristalizou na tradição. Isso dá uma relativa segurança. E no caso de ter que decidir tudo sozinho, a angústia de não ter com o que contar a não ser consigo mesmo é muito grande. Esse é o modo de vida autêntico, o que não indica que todos vivam assim. O que nós procuramos propriamente é de certa maneira escapar disso. Encontrar algo pronto que nos oriente valores, regras de conduta, encontrar uma certa identidade a partir da qual você ache que é aquilo e vai continuar sendo sempre, então não tem de decidir a cada momento o que se é porque você já é. Essas crenças são como muletas que nos ajudam a ir levando a vida. Mas aí se tem um modo de vida que não é autêntico do ponto de vista da existência. Ele é muitas vezes baseado no que Sartre chama de má-fé. Má-fé significa construir uma imagem de você e do mundo e se apegar aquilo. Como se aquilo fosse você. É uma tentativa de mentir pra você mesmo. A partir daí se constrói alguma coisa com a qual você se identifica. Isso dá uma certa segurança, uma certa estabilidade nesse processo de existência. Todo mundo de uma maneira ou de outra tenta realizar isso para poder ter uma vida mais segura, mais estável, mais previsível e com menos conflito porque a cada momento de escolha inevitavelmente se tem conflitos.

Filosofia - Se cada um tem um projeto e é responsável por seu próprio destino, Sartre defende a atitude individualista?

Leopoldo e Silva - Não. O indivíduo não está sozinho. Ele vive obrigatoriamente em sociedade, ele vive com outros. Essa convivência com os outros, na verdade, é uma coisa muito dificil. Existe muita dificuldade em ver o outro como sendo o outro 'eu'. Eu sou sempre eu. O outro não é um 'eu'. Nós tendemos a instrumentalizar as pessoas para conseguir nossos objetivos. Então a convivência parece difícil, sempre você está mais ou menos vendo o outro objeto e ele lhe vendo também como outro objeto, o que torna a convivência conflituosa. Mas, de qualquer forma, ainda que seja assim, a vida é sempre pautada em uma situação em que se tem os outros em volta. Essa liberdade individual é sempre exercida dentro de uma situação em que os outros estão presentes e também tentando exercer a liberdade deles. Daí se tem esse choque de consciência, de liberdade que faz parte da nossa existência e de nossa existência histórica, sicial, política.

Filosofia - E como o filósofo francês tenta resolover essa questão?

Leopoldo e Silva - Sartre tenta solucionar isso na questão do compromisso histórico, do engajamento histórico. Você, apesar de ser sempre um indivíduo, de nunca conseguir ter uma idéia clara do outro, pode se associar a ele em um projeto histórico. As resistências históricas, sem superar essa solidão, tendem a nos fazer ter uma certa comunicação com o outro em vista destes projetos. Os projetos não são individuais, englobam os outros, tem a ver com cidade, com política, com o coletivo, daí as pessoas tendem a agir juntas. Isso não significa que eu vou conhecer inteiramente o outro, mas eu vou agir junto com ele porque os nossos projetos convergem do ponto de vista social, político e histórico.

Filosofia - Mas a sociedade contemporânea é conhecida por ser muito individualista. Por que chegamos a este comportamento?

Leopoldo e Silva - É porque a sociedade moderna foi fundada sobre o indivíduo. O indivíduo é o centro de onde tudo se irradia. Tem-se uma sociedade pautada na idéia de que o indivíduo tem os seus direitos naturais. Ele se associa com os outros para defender esses direitos. Por exemplo, a vida e a propriedade são direitos naturais. Não é a sociedade que dá isso. Um se associa a outro para se organizar melhor e defender esses direitos. O indivíduo sempre tem a primazia. Isso faz com que a sociedade, do ponto de vista de uma comunidade de pessoas, seja sempre algo secundário e relegado. Ainda que se tenha uma sociedade bem organizada, o individualismo prevalece.

Sartre: Liberdade radical

Condenado a ser livre,
o homem é o único responsável por sí e por seus atos.
Por isso mesmo tem medo e angústia; sente-se sozinho,
abandonado no mundo, sem saber o que fazer no instante seguinte.

Liberdade e ação

A teoria sartreana do ser para-sí conduz a uma teoria da liberdade. Isso porque o ser para-sí define-se como ação e a primeira condição da ação é a liberdade. O que está na base da existência humana é a livre escolha que cada homem faz de sí mesmo e da sua maneira de ser.

Desse princípio decorre a afirmação de Sartre de que o homem é inteiramente responsável por aquilo que e´; não tem sentido querer-se atribuir as falhas individuais a fatores externos como a hereditariedade, a ação de meio, a influência de outras pessoas.

A cada momento o ser humano precisa exercer sua liberdade absoluta, refazendo seu eu. É esse o processo de existir; uma relação indeterminada com esse refazer. Isso provoca angústia. Provoca também o medo de realizar as próprias possibilidades; há medo e angústia porque o homem não sabe o que será no momento seguinte.

A autonomia da liberdade, como determinação fundamental e radical do ser para-sí, faz do existencialismo uma filosofia que prescinde de idéia de Deus. Para Sartre não há nenhum fundamento sobrenatural para os valores: é o homem quem os cria. O valor da vida é o sentido que cada homem escolhe para sí mesmo. Em sítese, o existencialismo sartreano é uma forma radical de humanismo, suprimindo a necessidade da metafísica e colocando o próprio homem como criador de todos os valores.

A má-fé

Quando o ser humano se fixa numa personagem de sí mesmo, rompendo com o fazer-se contínuo, ele deixa de usar sua liberdade. Cristaliza-se. Essa cristalização, esse parar de fazer-se livremente, tem um nome de má-fé.
O ideal perseguido pela má-fé é tornar-se coisa, ser em-sí. A má-fé leva à reificação: o ser humano passa a considerar-se algo sólido ( como um objeto ), definitivo,contrariando a possibilidade do para sí - que é fazer-se - e desagregando a existência, pois desestruturou a liberdade. A conduta de má-fé é a fuga da realidade.

Liberdade e responsabilidade

(...) o homem, estando condenado a ser livre,
carrega nos ombros o peso do mundo inteiro:
é responsável pelo mundo e por sí mesmo
enquanto maneira de ser. Tomamos a palavra
¨responsabilidade¨ em seu sentido corriqueiro
de ¨consciência (de) ser o autor incontestável
de um acontecimento ou de um objeto¨. (...)
Portanto. é insensato pensar em queixar-se,
pois nada alheio determinou aquilo que
sentimos, vivemos ou somos. Por outro lado,
tal responsabilidade absoluta não é resignação:
é simples reividicação lógica das consequências
da nossa liberdade. O que acontece comigo,
acontece por mim, e eu não poderia me deixar
afetar por isso, nem em revoltar, nem me
resignar. (...)
Sou abandonado no mundo (...) no sentido de 
que me deparo subtamente sozinho e sem ajuda,
comprometido em um mundo pelo qual sou
inteiramente responsável, sem poder, por mais
que tente, livrar-me um instante sequer desta
responsabilidade, pois sou responsável até mesmo
pelo meu próprio desejo de livrar-me das
responsabilidades (...)
 Jean-paul Sartre, O Ser e o nada.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

Existencialismo




O Existencialismo foi a corrente filosófica mais influente da Pós-Modernidade e de toda história da filosofia. Sua chegada alicerçou o subjetivismo de Kant e iniciou o processo de descentralização a partir da obra de Kierkegaard, que não tinha importância sistemática ou estética, deferindo dos românticos e dos hegelianos. O Existencialismo invadiu as correntes mais diversas da ciência e dominou, por quase cem anos - datando do nascimento de Kierkegaard - a maneira de se pensar e fazer filosofia, sobrepondo-se aos demais sistemas filosóficos do período.


Por Existencialismo compreende-se a abordagem filosófica que entende o humano pela existência, não pela essência. Importa-se em ponderar através das ações e dicisões, onde a produção é de momento, como percebia o próprio Kierkegaard. A vasta influência existencialista só foi aprendida no Século XX e entre Kierkegaard e a valorização existencialista surgiu o Niilismo por meio de Nieztche. Por sua vez entende-se o Niilismo como a rejeição total das formações passadas nas áreas social e moral e nos aspectos que lhe conferem. Representou uma reação cética ao que se dizia verdade objetiva. Mesmo de pouca duração, a influência foi devastadora, ajudando a elevar os ideais pós-modernos e enfocando a Descentralização de Kierkegaard, debaixo de críticas, às vezes debochadas e sarcásticas, contra a filosofia antecedente.

O Existencialismo continua sendo um movimento característico da Europa continental. Talvez, porém, fosse mais perto da verdade dizer que o Existencialismo não é tanto um movimento, mas uma tendência ou atitude. Há existencialistas que são ateus, e há existencialistas que são cristãos professos. (Segundo R.N.Champlin : Acredita-se que o existencialismo teísta foi lançado por Kierkegaard, ao passo que sua variedade atéia começou com Nieztche. Naturalmente, todos os elementos comuns do existencialismo - religioso/ateu - são tão antigos quanto a história da própria teologia e filosofia. Kierkegaard, em sua revolta contra o sistema hegeliano do idealismo absoluto, e Sartre, que ampliou o ateísmo de Nieztche, procurando dar ao ateísmo um alicerce coerente e lógico, tiraram proveito de antigas idéias, revestindo-as em uma nova roupagem. Trata-se de uma específica combinação de idéias, que produziu esse sistema ou maneira depensar.) Há existencialistas que negam ser possível elaborar um sistema filosófico, e há aqueles que fazem o oposto.

O Existencialismo tem sido definido como uma tentativa de filosofar do ponto de vista do ator mais do que, como era tradicional do ponto de vista do espectador imparcial.

¨A palavra (existencialismo/existência), pois, é empregada para enfatizar a declaração de que cada pessoa individualmente é sem igual em termos de qualquer sistema metafísico ou científico; que é um ser que escolhe, bem como um ser que pensa ou contempla; que é livre, por ser livre, sofre; e que, visto que seu futuro depende parcialmente das suas escolhas livres, não é inteiramente predizível. Há sugestões também, neste uso especial, que a existência é alguma coisa genuína ou autêntica em contraste com a insinceridade, que o homem que meramente contempla o mundo está deixando de realizar os atos de escolha que sua situação exige. Percorrendo todas estas sugestões diferentes embora conexas, há a idéia fundamental de que cada pessoa existe e escolhe, no tempo, e que somente tem uma quantidade limitada de tempo à sua disposição, dentro do qual pode fazer as decisões que são tão importantes para ela. O tempo está curto; há decisões urgentes a serem tomadas; estamos livres para fezê-las, mas o pensamento de quanto depende da nossa decisão faz da nossa liberdade uma fonte de angústia, porque não podemos saber com qualquer certeza o que será de nós.¨
H.B. Acton



Sartre

Em uma obra ampla, que reúne ensaios, filosofia, teatro e literatura, Sartre defendeu suas teses sobre o ser humano. Seu ponto de partida afirma que o homem vem do nada e é radicalmente livre para fazer a sí mesmo.

¨Por consequência, quando, num plano de autenticidade total, reconheci que o homem é um ser no qual a essência é precedida pela existência, que é um ser livre, que não pode, em qualquer circunstâncias, senão querer a sua liberdade, reconheci, ao mesmo tempo, que não posso querer senão a liberdade edos outros. Assim, em nome desta vontade de liberdade, implicada pela própria liberdade, posso forar juízos sobre aqueles que procuram ocultar-se da total gratuidade da sua existência e a sua total liberdade.. Aos que a sí próprios esconderem por espírito de seriedade ou com descupas deterministas, a sua liberdade total, apelida-los-ei de covardes; aos outros, que tentarem demonstrar que a sua existência era necessária quando ela é a própria contingência do aparecimento do homem na terra, chama-los-ei de safados¨ ( Sartre, 1973:25-26)

Kierkegaard

Ele frisava o indivíduo, a subjetividade e a angústia, como a principal emoção da existência humana. No entanto, paradoxalmente, nos últimos mêses de sua vida, ele viveu um êxtase religioso. Parece que ele havia deixado para trás a tempestade mental que caracterizava tão fortemente os proponentes dessa filosofia.



¨(...) essa relação é o eu do homem. É uma relação que não é apenas consigo Própria, mas com outrem. Daí provém que existam duas formas do verdadeiro desespero. Se o nosso eu tivesse sido estabelecido por ele mesmo, uma só existiria: não queremos ser nós mesmos, queremo-nos desembaraçar do nosso eu, e não poderia existir essa esta outra: a vontade desesperada de sermos nós mesmos.¨ ( Kierkegaard, O Desespero Humano)

O conceito de angústia
 A angústia é a possibilidade da liberdade, só essa angústia é, pela fé, absolutamente formadora, na medida em que consome todas as coisas finitas, descobre todas as suas. Aquele que é formado pela angústia é formado pela possibilidade e só quem for formado pela possibilidade estará formado de acordo com a sua infinitude. A possibilidade é, por conseguinte, a mais pesada de todas as categorias.
(Kierkegaard, Coleção Passo a-Passo, de Jorge Miranda de Almeida e
                                                            Álvaro L.M. Valls, da editora Zahar)


quinta-feira, 23 de junho de 2011

Uma carta para um mendigo




Os olhos daqueles que sofrem, para sempre serão diferentes de todos os outros.
Eu vi os olhos...
Olhos de um sofredor desgraçado. O negro traz na cor da pele o stigma de ser excluído:
“É ladrão”
A cor da pele o denuncia, nasceu pra ser mendigo.
Sua vida não parece humana. Seu olhar sim.
Eu podia ver sua alma em seus olhos.
Que alma bonita!
Será que só eu vejo isso?
Por que tiraram a tua dignidade?
Porque te lançaram na sarjeta negro?
Teus parentes, onde estão?
Tua mãe não lamenta tua sorte?
Tu não eras o orgulho do teu pai?
O Senhor Deus dos desgraçados não passou o olhar sobre ti?
Com o quê te comparam amigo meu?
Com um cão sarnento...
Tua presença incomoda.
Tu me incomodaste
Teu olhar me incomodou.
Teu olhar me disse:
“Estás me vendo! Não vais fazer nada?”
A partir daí tornei-me cúmplice do teu sofrimento.
Antes não tivesse visto.
O que os olhos não vêem, o coração não sente.
Meu coração sentiu.
Meu coração partiu, despedaçou-se.
Uma gorjeta aliviou tua fome.
Mas teu olhar não me aliviou.
Amigo, não sei teu nome, mas de uma forma ou de outra sou responsável por aquilo que vejo.
Dou-te um conselho: Não peças esmolas. Apenas olhe nos olhos daqueles que te olham, fixe o olhar nos olhos deles e não desvie. Olhe esperando, mas não peça (Atos 3.5)
Pode ter certeza amigo.
O coração daqueles que te olharem nos olhos vão sentir por toda a eternidade.

 

*A inspiração dessa carta inflamou-me após eu me deparar com um mendigo negro no bairro da Cidade Dutra.


    Nunca mais esquecerei os olhos dele me pedindo socorro.

    (José Erivan da Silva)

Doses de angústias

Ainda não exorcizei meus demônios...
Ainda não passei pela ¨Era da crise máxima¨.
Tive doses (conta-gotas) de angústias; mas não fui abraçado por ela realmente...
Sei que ela está a caminho
Tento preparar-me para seu encontro

Nunca estarei preparado...

Tento advinhar quando será seu dia... Quando será meu dia.

Nunca saberei...

Sei que não posso ficar só, se assim for, a legião domina e não há porcos por perto:

Pra onde iria mandá-los?