quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Educação e cultura: a crítica de Nietzsche

Friedrich Nietzsche (1844-1900) usou em seus escritos o recurso dos aforismos, cuja força está no conteúdo questionador e provocativo. Aliás, é assim, de forma contundente e crítica, que Nietzsche examina a cultura de seu tempo e lamenta o estilo de educação: em toda a sua obra condena a erudição vazia, a educação intelectualizada, separada da vida.

 Vejamos a primeira parte de Assim falou Zaratustra (Das três transmutações), em que ele cita as mudanças possíveis do espírito humano, que de um camelo pode se fazer leão, e de leão se transformar em criança.


 Descrevendo o espírito como camelo, Nietzsche diz: "O que é pesado? assim pergunta o espírito de carga, assim ele se ajoelha, igual ao camelo e quer ser bem carregado. (...)Todo esse pesadíssimo o espírito de carga toma sobre si: igual ao camelo, que carregado corre para o deserto, assim ele corre para o seu deserto. / Mas no mais solitário deserto ocorre a segunda transmutação: em leão se torna aqui o espírito, liberdade quer ele conquistar, e ser senhor de seu próprio deserto".


 Adiante, diz: "Meus irmãos, para que é preciso o leão no espírito? Em que não basta o animal de carga, que renuncia e é respeitoso? / Criar novos valores - disso nem mesmo o leão ainda é capaz: mas criar liberdade para a nova criação - disso é capaz a potência do leão. / Criar liberdade em um sagrado Não, mesmo diante do dever: para isso, meus irmãos, é preciso ser o leão".


 Finalmente, completa: "Mas dizei, meus irmãos, de que ainda é capaz a criança, de que nem mesmo o leão foi capaz? Em que o leão rapinante tem ainda de se tornar em criança? / Inocência é a criança, o esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o perdido do mundo".


  De que fala Nietzsche? Que a educação tem nos transformado em camelos cheios de conhecimentos desligados da vida - para ele, "o erudito é um eunuco do saber" - e obedientes, prontos para negar nossos impulsos vitais. Agimos de acordo com o "você deve" e não com o "eu quero". A posição reativa do leão é intermediária porque ousada, mas negativa: o leão apenas conquista a liberdade de criação, continuando ressentido e niilista. Quem pode criar, no entanto, é a criança.


 Assumindo o tom profético de Zaratustra, Nietzsche quer destruir a antiga ordem que aprisiona o espírito, mas não sem apresentar a esperança da criação de novos valores que sejam "afirmativos da vida": a criança simboliza o começo, a possibilidade de recuperação das energias viais que foram abafadas pela longa trajetória da educação greco-judaica-cristã.


  Ao criticar os "homens cultos" da Alemanha, Nietzsche os vê imbuídos de uma cultura livresca - que não passa de um "verniz", de um adorno -, os quais acumulam conhecimentos alheios e imitam modelos de modo artificial. Condena também a escola utilitária e profissionalizante, bem como os riscos de um ensino submetido à ideologia do Estado. Mas ainda, acusa de "filisteus da cultura" aqueles que a tornam venal, ou seja, que transformam toda produção cultural em mercadoria, objeto de venda, de consumo.


Fonte:
História da educação e da pedagogia
geral e Brasil - Ed Moderna
Maria Lúcia de Arruda Aranha

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