segunda-feira, 30 de abril de 2012

X-MEN, Kierkgaard e a (in)tolerância

Os x-men são um grupo de mutantes com poderes especiais de vários tipos. Alguns tem habilidades telepáticas ou telecinéticas - por exemplo, o professor Charles Xavier tem ambas e a dra. Jean Grey tem a segunda. Os outros têm qualidades mais bizarras, como Tempestade, que pode controlar as condições climáticas, ou Ciclope, cujo olhar tem um poder destrutivo como laser. As diferenças entre os mutantes e as pessoas "normais" levaram muitos cidadãos a temer e até odiar os mutantes, que por isso mesmo são forçados a se esconder "no armário". Políticos poderosos, como o senador Robert Kelly, exploram esses medos e preconceitos e propõe regras que exigem que os mutantes sejam registrados, leis perturbadoras que lembram as medidas iniciais postas em práticas contra os judeus pela Alemanha nazista.

Como os mutantes poderiam reagir a essa situação? De um modo interessante, há uma desarmonia entre eles, simbolizada pelo confronto de dois velhos amigos, o professor Xavier e Erik Lensherr, que é conhecido como "Magneto" por causa de seu poder especial de controlar campos eletromagnéticos. Magneto convoca uma guerra contra os humanos, e reúne um grupo de mutantes para auxiliá-lo, enquanto Xavier acredita que é possível buscar, em paz, um mundo tolerante onde os indivíduos diferentes são aceitos. Com essa finalidade, Xavier começou uma escola interna para crianças mutantes e, da mansão que serve como campus da escola, ele dirige um grupo de mutantes conhecidos como x-men, que tentam frustrar os planos de Magneto, enquanto se empenham em ajudar e proteger os humanos comuns e esperam uma maior aceitação e compreensão de quem eles são.

Em muitos sentidos, os x-men associados a Xavier personificam o amor ao próximo que Kierkgaard vê como dever humano fundamental. Eles trabalham para o bem dos outros, lutando por um mundo no qual todos sejam aceitos e não apenas aqueles que são iguais, que fazem parte de uma rede de família e amigos ou que repagarão pelo bem de uma maneira ou de outra. Os x-men trabalham para o bem de todos, incluindo até aqueles que tentam persegui-los e prejudicá-los. O amor e o interesse deles pelos outros parece incondicional em qualidade e universal em extensão.

É claro, porém, que eles enfrentam vários tipos de conflito, e não apenas o de se protegerem contra Magneto e as autoridades policiais que tentam prejudicá-los. O mero fato de que a comunidade mutante contém tanto os seguidores de Xavier, que tentam alcançar a meta de uma paz inclusiva, quanto os seguidores de Magneto, que visam seus fins mais exclusivistas por meio da violência, mostra que a escolha do bem não é fácil nem automática para mutantes.

A história dos mutantes representa dois dos perigos que Kierkgaard descreve, e essas dificuldades são dramatizadas de maneira memorável no personagem de Logan, ou Wolverine. Wolverine, que sofreu muito como vítima de um perturbador experimento médico que apagou a maior parte de sua memória, parece a princípio que não se interessa em ajudar Xavier e seu grupo. Para el, só o que conta são seus interesses pessoais. Desde o início  do primeiro filme dos x-men, ele parece motivado mais por uma fúria interior do que por qualquer desejo de fazer o bem ou de ser bom. No entanto, quando ele se torna parte da comunidade de Xavier, parece cada vez mais gostar dos colegas e de sua causa. Embora parte desse gosto seja por um interesse romântico pela dra. Gray, parece de fato haver um despertar de uma consciência moral em wolverine assim que ele começa a fazer algumas ligações pessoais. Esse crescimento moral não é fácil para um indivíduo possuído por demônios interiores que parecem dirigir seus passos, e assim ilustra muito bem a primeira dificuldade discutida por Kierkgaard.

Os xmen como um todo parecem ilustrar a segunda dificuldade descrita por Kierkgaard. Embora eles sejam comprometidos com o bem, e coloquem esse compromisso em prática de um modo sério e custoso, são recompensados pelo interesse que têm pelo bem-estar dos outros com medo, perseguição e ódio. Claro que o exemplo que dão do segundo perigo de Kierkgaard não é tão perfeito como gostaríamos - os mutantes são odiados não apenas por causa de seu bem, mas por serem diferentes. Mas é indiscutível que suas boas ações não os fazem ser apreciados, respeitados ou estimados. E, na verdade, se você somar a bondade deles à grandeza de seus poderes, terá a base para um tipo distinto de ressentimento por parte de muitas pessoas comuns. De fato, é possível ver as próprias diferenças mutantes básicas como uma espécie  de símbolo dramático e metafísico dos modos como uma comunidade dos verdadeiros amantes do bem seria vista pela sociedade maior. E, seja como for, é interessante notar que o amor ou o sincero interesse dos x-men pelos outros não parece diminuir a perseguição geral que eles sofrem. Talvez, quando as pessoas que são desprezadas se mostram boas, é natural que seus adversários e até muitos observadores se ressintam e os desprezem ainda mais. Afinal, com seu comportamento, eles demonstraram como é irracional e perverso desprezá-los em primeiro lugar, e ninguém gosta de admitir que tem atitudes irracionais ou injustificadas. Infelizmente, embora seja natural, nós vociferamos contra aqueles que nos trazem um autoconhecimento desagradável.

Continua...

Fonte: Super-heróis e a filosofia - verdade, justiça e o caminho socrático
Editora Madras

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Deus como rival do homem



Deus como rival do homem

Que é, pois, que está no fundo da modernidade? Que experiência de fundo é a que promove o movimento do Iluminismo, conferindo-lhe tanta foeça que a revolucionar o mundo inteiro?

Comecemos pelo aspecto negativo. Se interrogamos o ateísmo moderno sobre o que ele nega na religão e sobre o motivo que o leva a sentir-se obrigado a rejeitar Deus, a resposta mais provável é que ele tem a impressão de que a religião e, dentro dela, Deus impede o desenvolvimento de uma plena e autêntica humanidade. Existe uma convicção difusa de que a afirmação de Deus induz à negação do homem. O homem se sente ameaçado por Deus no exercício de sua liberdade e da sua razão. Todos nós recordamos a famosa frase de Ludwig Feuerbach: "Para enriquecer a Deus, deve-se empobrecer o homem; para que Deus seja tudo, o homem deve ser nada".

Este fantasma - Deus como o grande vampiro da humanidade - constitui, sem dúvida alguma, a raiz mais forte e profunda do ateísmo. O homem moderno foi sentindo a religião como inimiga de seu progresso, de sua autonomia e, definitivamente, de sua felicidade. Mesmo a priori caberia esperar algo disto: se o homem nega a Deus, tem de haver uma razão, que, em última instância, consiste em crer que Deus o prejudicaria. Não se precisa de mais nada. Se uma pessoa é atéia, é porque no fundo lhe parece que vive mais feliz se Deus não existe.

Mas por que aconteceu isto? Se Deus se apresenta no cristianismo como salvação, por que o homem moderno acabou percebendo-o como rival opressor? Para buscar a resposta, prescindamos agora do que possa haver de desmedida adolescente, provocada pelo otimismo ingênuo de um mundo novo, e deixemos também de lado a tendência humana de auto-absolutização pelos complexos caminhos do narcisismo inconsciente ou pelo mais expeditos da vontade de poder. Concentremo-nos agora no que foi o choque central e a motivação expressa: fixemo-nos no que constitui nossa responsabilidade histórica como cristãos.

Parece, então, que a conduta das igrejas contribuiu decisivamente para criar essa falsa impressão, esse enorme e trágico equívoco. De modo imediato, por sua obstinada e fatal oposição  aos pregressos e descobertas que foram marcando os passos da modernidade: a ciência astronômica e a revolução biológica, a filosofia do sujeito e a história crítica, a revolução social e a psicologia se chocaram duramente coma ideologia eclesiástica. E, de modo mais profundo, a negativa de renunciar a fundo à compreensão da fé diante das exigências do novo paradigma apresentou a religião como indissoluvelmente vinculada a um marco passado e autoritário, impermeável ao novo talante crítico e oposta à busca  de uma nova liberdade, tanto individual quanto social, tanto científica quanto religiosa e política.



quarta-feira, 25 de abril de 2012

O que liberta é também prisão




Sobre liberdade

"E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará"

Evocar esse texto em nada prova que somos realmente livres. É comum o cristão dizer que é livre; basta faze-lhe a seguinte pergunta: você é livre de quê? Provavelmente a resposta será: "do pecado, eu sou livre do pecado." Faça então a segunda pergunta: "então você não peca mais?" Analise o tipo de resposta que terá. No fundo mesmo, ninguém é livre do pecado... (É importante que tenhamos uma definição mais clara do que realmente é pecado; o mesmo pode-se dizer sobre a doutrina do pecado original. Seria proveitoso e libertador que tal conceito fosse revisto e, consequentemente rejeitado como doutrina absoluta). Se os cristãos forem sinceros consigo mesmo reconheceriam que dizer "eu sou livre do pecado" não passa de uma simples confissão que em nada mudará a realidade em que vive.

 A religião mais aprisiona que liberta. Lembro-me de uma letra da música do Zeca Baleiro, diz assim: "o que liberta é também prisão". Religiosos são presos à tradições e conceitos. Boa parte dos cristãos atuais vivem presos em uma moda do século XIX, e ainda pregam uma doutrina da Idade Média... Ser cristão hoje, é ser prisioneiro eclesiástico da igreja em que se congrega. Eu particularmente rejeito essa liberdade aprisionante, e por mais que preguem liberdade em sua face está a marca de prisioneiros cumprindo pena. Nesse momento estou lendo Andrés Torres Queiruga, leia comigo um trecho do livro Creio em Deus Pai:

Nós, cristãos, nem sempre temos sabido refletir em nossos próprios rostos a alegria de Deus: desde o escrúpulo até a angústia, desde a estreiteza de espírito até a inimizade contra o corpo, desde um asceticismo não integrado até um legalismo sem calor... damos demasiadas vezes a impressão de que somos pessoas mais presas do que libertas por seu Deus. (pág 191)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Ator

"(...) nós passamos nosso tempo perseguindo a forma, lutamos com outros homens para ter um estilo e um gênero de vida.
"(...) O homem é um eterno ator, mas um ator natural, pois seu artifício é congênito; ser homem quer dizer ser ator, ser homem é simular o homem (...) atrás dessa máscara não existe rosto - aquilo que lhe podemos pedir é para tomar consciência do artifício de seu estado e confessá-lo."


Gombrowicz





O que penso da teologia

Toda teologia elaborada por homens finitos que tratam do infinito, não passa disso: uma tentativa de entender e explicar o divino. Esta tentativa jé é em si confortante, pois gera certa segurança, certeza de que entendeu o divino e, agora, de posse desse conhecimento, pode passar a frente a fórmula mágica, ou seja, a teologia sistemática pode ser aprendida nas faculdades. Pela primeira vez Deus pode ser estudado assim como outras disciplinas. Toda essa tentativa é apenas o passar a mão na superfície de um espelho manchado pelo vapor do chuveiro. Toda teologia, elaborada até agora, ainda é uma pequena fresta que vislumbra parcialmente algo do divino. Lembrando que esse algo não passa de uma sombra.

Lidar com o enigma mais profundo da existência humana não é uma questão lógica/objetiva. Estamos trilhando sobre areia - e diga-se de passagem: areia movediça. Penso que é melhor trilhar sobre terreno inseguro (este nos dará dinamismo e atualizações), do que sobre terreno sólido (este nos fará sedentários e seguros em convicções imutáveis). Lembra daquela frase: "tudo que é sólido se desmancha no ar"? pois é, gosto dela, principalmente quando lhe dou roupagem teológica. Parafraseando-a "todo conceito que é sólido se desmancha no espírito".

Confesso que meu contato com teólogos liberais em nada diminuiu minha fé, pelo contrário: me vejo agora com uma fé mais madura e diferente daquela que antes nutria. Uma fé muito mais forte no Deus de toda Graça em sua manifestação em carne: Jesus Cristo.

O que penso da teologia? uma mera tentativa, e, acho que em questões teológicas, ainda estamos na caverna vislumbrando sombras e dizendo: "isto sim é o real".

Erivan

Amor como Virtude



Amor como  Lei; a Lei do amor, como se fosse uma exigência é um oxímoro. Uma ideia contradizente formulada e cristalizada pela tradição cristã. Amor não pode ser Lei ou mandamento como ordenança. Ninguém pode exigir que eu ame ou seja amado, não há lei para isso e, se houver, eu sou um fora da lei, pois não amo por obrigação mas por virtude de meu ser. Portanto, não existe algo mais contraditório que exigir que alguém ame outro alguém sem que este o faça por livre vontade.
 O mesmo pode ser dito sobre o perdão que por sua vez é uma expressão natural do amor. Pode-se exigir que se perdoe?
 Isso não consigo entender! 

Mensagem percebida

A revelação não é algo pronto que desce do Céu até nós.
Revelação é uma mensagem percebida dentro do nosso contexto sócio-cultural... Dentro dos limites tempo-espaço fora de um monopólio bíblico. A "voz" de Deus não está presa a somente uma forma de comunicação (hebreus 1.1). As vozes de Deus não estão dentro da Igreja ou na Bíblia, há vozes proféticas fora da Igreja e é preciso dar-lhe ouvidos com um discernimento apurado.

Erivan