terça-feira, 27 de novembro de 2012

Deus está no controle?


Deus está no controle?
         
Imagine por um só instante que você é Deus e está olhando para a Terra que você criou; está olhando para a humanidade. O que exatamente você vê? Com certeza a visão não é das melhores. Você veria um mundo com fome. Dados da OMS indica que a cada 5 segundos uma criança de menos de dez anos morre de inanição; você veria pessoas no Haiti comendo bolachas de barro; você veria pessoas, aos milhares, com os olhos marejados em lágrimas com a marca do sofrimento. Sofrimento por não ter o que comer; sofrimento por ver seus filhos/pais/avôs morrerem de fome ou por consequência dela. Pessoas humilhadas, desprezadas pelo sistema. Você veria um mundo violento. Um mundo que sempre respirou a guerra, isso desde o começo da humanidade. Guerras civis, religiosas... Veria um mundo que nunca conheceu a paz. Um mundo que passou por duas guerras mundiais matando ao todo, mais de 80 milhões de pessoas. Altos índices de homicídios, mulheres sendo espancadas por seus companheiros; mulheres estupradas. Crianças sendo abusadas sexualmente, muitas vezes por seus próprios parentes. Não faz muito tempo, deu entrada no PS uma criança com apenas seis meses de idade que foi barbaramente violentada... Você também veria isso. Crianças espancadas, abandonadas, vendidas, excluídas; muitas criadas sem pai ou sem mãe ou sem ambos. Você veria um mundo predatório.  Neste caso os animais são as vítimas e meio ambiente sofre. Você daria uma olhada em um mundo doente, com seus hospitais lotados de pessoas morrendo a cada segundo de uma variedade infinita de doenças. No hospital do câncer centenas de pessoas gritando de dor esperando uma dose de morfina para aliviar. Veja o mundo como um todo Senhor Deus. Veja milhares com diabetes, aids, hipertensão, cólera... Milhares que nasceram com deficiências físicas ou genéticas: síndrome de down, membros atrofiados, pessoas esquizofrênicas, autistas... Você iria na AACC (Associação de Apoio a Criança com Câncer)? Lá, centenas de crianças desde o nascimento até a adolescência sofrendo com os mais variados tipos de câncer: na língua, nos olhos, na garganta, nos órgãos genitais, no estômago, tumor na cabeça... crianças que nem começaram a viver já estão desenganadas pela medicina; criança que não vão crescer, irão morrer antes, antes de serem pais, mães. Crianças que nem sequer podem brincar. A dor ou a deficiência não deixa... Se você olhasse com mais precisão veria ainda a lepra, os asilos cheios de velhos carcomidos usando fraudas geriátricas esperando sua vez de morrer pois a muito foram abandonados pelos filhos e parentes; veria os manicômios com centenas de loucos sujos de fezes, babando e gritando num pandemônio generalizado.

Em frente a este breve quadro eu lhe perguntaria: Você está no controle? Deus está no controle do mundo?

É preciso repensar esse suposto "Deus está no controle". Essa é uma frase piegas falada em ambientes religiosos como resposta simplista a um problema humanamente insolúvel. É uma frase pronunciada sem a mínima responsabilidade. Será mesmo que Deus está no controle? Pergunte isso a uma mulher que foi estuprada e agora está grávida. Diga a ela que isso foi parte do "plano de Deus".

O entendimento é simples: Deus criou o mundo. Isso é fato. Nos entregou o mundo criado em nossas mãos. A pergunta é: o que estamos fazendo com o mundo que Deus nos confiou? O descontrole do mundo não faz parte do plano de Deus. Deus nos deu a liberdade; o descontrole do mundo é produto da nossa escolha e, digamos, da nossa má gestação. Em última instância é o homem que promove guerra, mata, destrói o meio ambiente... A ação geralmente é absolutamente humana. Deus não tem nada a ver com isso.

O fato de acreditarmos que Deus irá triunfar no futuro não quer dizer que Ele tenha o controle de tudo agora. Se acreditarmos nisso - que Deus está no controle - então, em última instância, devemos acreditar que Deus é responsável por todo esse mau acima descrito; então somos obrigados a acreditar que tudo faz parte do plano de Deus: o avião que caiu, o moço que se matou, a recém nascida que foi violentada pelo pai... Ora isso é um absurdo! Eu posso com certeza afirmar que Deus está com o sofredor mas não é Ele quem produz o sofrimento. É um equívoco afirmar: "quem não vem pelo amor vem pela dor" Deus não quer pessoas que o sirvam só porque estão sofrendo. Isso gera a ideia de um deus sádico e masoquista. Deus me livre desse deus.
Certa vez fui na Oficina de ideias cujo tema do debate era: Pensamentos sobre Deus e sobre suas intervenções no mundo. Em um dado momento lemos um texto do teólogo católico José Comblin. Vale a pena reproduzi-lo aqui:

O ser humano participa da divindade no sentido que é feito livre como Deus é livre. Para que a pessoa seja livre, Deus renuncia ao seu poder. Entrega o poder ao ser humano - juntamente com toda a criação - para que ele construa a sua vida com toda liberdade. Deus se retira para não se impor. A sua presença no mundo manifesta-se na vida e na morte de jesus. Deus fez-se um crucificado para que o ser humano fosse inteiramente livre. Esta liberdade pode ser para o bem e para o mal. Não há liberdade se não houver possibilidade de escolha.

O desejo de muitos é que Deus nos retire a liberdade e governe o mundo ele próprio com seu poder divino. Somente assim haveria paz e justiça na terra. Não haveria mais malfeitores nem gurras e destruições. No entanto, Deus escolhe outro caminho. Quando orações são feitas pedindo que Deus venha estabelecer a paz e a justiça. Mas essas orações permanecem sem resposta, uma vez que a resposta já foi dada. A paz e a justiça são nossa responsabilidade. Somos uma humanidade livre chamada a se fazer por si mesma. [...]

Na liberdade há aspectos trágicos. Ao lado dos que constroem, há os que destroem. Ao lado das pessoas que procuram a vida, há as que procuram a morte. Deus fez uma aposta: acreditou na capacidade de liberdade que há no ser humano e envia seu Espírito aos que aceitam ser livres. "Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados" (Gl 5.13). " É para sermos verdadeiramente livres que Cristo nos libertou" (5.1). "Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2Co 3.17). "Se é o Filho que vos liberta, sereis verdadeiramente livres" (Jo 8.36).

Diante do que já foi exposto até aqui eu posso afirmar que, juntamente com Deus nós podemos construir um mundo melhor ou pior e isso depende da gente, não é obrigatoriamente produto de uma intervenção divina. Pois, como foi dito, Deus abriu mão do controle para nos dar a liberdade. Leia-se: liberdade com responsabilidade.

Entenda que para problemas humanos as respostas serão igualmente humanas. Não se resolve a questão da fome com oração. Fome se acaba com alimento. Tal problema é de cunho social e não espiritual. "Dai-lhe vos mesmos de comer" disse Jesus certa feita.

O mesmo pode ser dito para qualquer outro problema. Violência, saúde e alhures são todos problemas sociais, que orando não se resolve. Nestes casos, faz-se necessário uma intervenção humana e não divina, por que Deus abriu mão de controlar o mundo e nos deu esse controle nas mãos... O que estamos fazendo com o mundo que nos foi confiado?

No evangelho segundo Mateus 25.34-40:

Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde benditos de me Pai, possui por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;

porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.

Então os justos lhe responderão: Senhor quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E, quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos?

E, quando  te vimos enfermo ou na prisão e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

Erivan Silva

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Quem sou eu?



Eu não sou o que sou


É isso que eu sou: um condenado a existência. Lançado num mundo  contingente e incontrolável...

 Vou vivendo. Escravo do tempo e dos momentos contados. Os movimentos da terra ditam minha vida. 

A contagem dos anos só me angustiaram e, de angústia em angústia a vida acontece. Como não se angustiar se a ampulheta já cumpriu sua função? E eu? Quem sou eu? E Deus? Quem é Deus? Eu pensei que  o conhecia. Alguém o pintou no meu quadro. ¨Criamos deus à nossa imagem conforme a nossa semelhança¨ e a bíblia religiosa prossegue. Criaram... Venderam-me um deus vingativo. Um deus que só vive irado. Não sabe o que é o perdão pois o castigo lhe pertence... É um deus egoísta assim como somos. Que deus é esse? Esse deus me escravizou. Criou em mim uma paranoia. Depois que o conheci jamais tive paz comigo mesmo. Esse deus me angustiou... Fez me odiar a vida e amar a morte. Fez de mim um santo perfeito aos meus olhos... Fez me enxergar detalhadamente os erros alheios e a julgar com meus juízos de valores... Me fez menos humano do que eu era... Me fez prisioneiro de si próprio. É isso que eu sou: um condenado a existência. Um prisioneiro à adoração idolátrica. Não somos adoradores por natureza; somos idólatras por natureza. Adoramos nossa própria imagem refletida no rosto do nosso deus criado. ¨O meu deus tem as minhas características. É tão belo quanto eu. Oh, como o adoro.¨ dizem os religiosos. Não os chamo de tolos. Tolo sou eu, condenado a existência. Prisioneiro do tempo e do momento de tempo que eu mesmo criei. Criei meus demônios na alma, meus receios na cabeça, meu medo do inferno solitário; criei meus anjos no espírito, minha própria sabedoria, minhas virtudes e o meu Céu perfeito. Tolo sou eu criador de mundos inexistentes (ou existentes). Tolo sou eu que não aceita um inferno literal nem um Céu perfeito. Sou um mero existente sem escolha. Não pedi minha vida. Tolo sou eu criador de mim... Mascarado por natureza. Habitado por uma legião de pessoas. Quebro correntes, mas não me liberto. Firo-me com minhas próprias mãos. Não consigo suportar o que já fui; o que já fui é o que é. Ainda sou parte de meu passado. O tempo é o carcereiro que não concerta nada. Ele fica na porta da cela gritando nos meus ouvidos:  ¨já estou indo embora, aguarde mais um tempo que logo o libertarei¨. Que mentiroso. Se me libertar dele me liberto de mim mesmo. Se me libertar de mim mesmo, não terei vida. Vida é dependência. Vida é sempre ser preso a algo. Confesso que estou cansado; confesso que estou triste. Uma tristeza que parte da alma. Vivo em graus variados de tristeza. Tristeza pelos momentos felizes que tive e, que escorregaram de minhas mãos. Foi como tentar segurar água...

Erivan