quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Queria acreditar e ser Niilista

Se morrer fosse a inexistência absoluta, o nada eterno, o Niilismo real...Então era isso que eu queria: o Nada, a inexistência.
Minha mente cristã não me deixa crer no pressuposto acima.
Mas, eu queria acreditar e ser niilista...
Sem esperança. "Invejo aqueles que não têm esperanças" (Nietzsche).
Sem Inferno como instrumento de medo e castigo; sem Céu como possibilidade de recompensa... Apenas o nada, como Nada era antes de eu nascer...

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Depois do enterro...*

Depois do enterro é preciso reorganizar a casa. Há o momento da volta do sepultamento, quando as liturgias da morte se fizeram silenciosas, e se encontra com o espaço vazio que ficou, e agora o que existe ali é a presença de uma ausência. Antes havia alguém que, de um jeito ou de outro, era um centro em torno do qual aconteciam gestos e sentimentos. Agora, que gestos fazer? Objetos, roupas, retratos, a cama, o lugar à mesa, as rotinas... Continuam lá, recusam-se a ser enterrados. Vivos silenciosamente nos perguntam: "E agora? que é que você vai fazer?" Começa então um outro sepultamento. Abrem as janelas do quarto para arejar - é o que dizem. Penso que talvez seja mais para exorcizar os últimos odores da morte. Depois, as roupas que não mais serão usadas pelo dono e que deverão ser dadas. Sua presença nos armários causa incômodo por estarem cheias de um corpo que não voltará mais. Por vezes é o contrário. Meu amigo deixou o quarto do filhinho morto do mesmo jeito, cama arrumada, brinquedos sobre as estantes, como se ele estivesse prestes a voltar. "Saudade é o revés do parto. É arrumar o quarto para o filho que já morreu..." Passados muitos meses, recebi dele um poema sem explicações. Escrevera para o filho, dizendo de como a vida continuara, de como ele estivera presente em tudo, e em especial naquele quarto que ali ficara como continuação sua, uma recusa de aceitar o "nunca mais". Mas, no final ele dizia: "Acontece que o dia está bonito, o céu está azul, o ar está quente e o mar continua convidando como sempre. Quer saber de uma coisa? Vou é colocar um shorts e tomar um banho de mar..." Aos poucos retoma o seu ritmo e os espaços se reorganizam.

  Mas há que reorganizar as memórias, pois é lá que continua o diálogo silencioso com quem já morreu. A Cecília Meireles perguntava à sua avó morta, ante o espanto de sua nova forma "imóvel, definitiva, modelada pela noite, pelas estrelas, por suas mãos": "Onde ficou teu outro corpo? Na parede? Nos móveis? No teto? Inclinei-me sobre teu rosto, absoluta como um espelho. E tristemente te procurava..."

 Que memória guardar? Aquela do corpo morto? Não, queremos um outro corpo, aquele com quem continuaremos a conversar. É como se a morte de repente, nos dissesse que a verdade se encontra num outro lugar, o corpo verdadeiro da pessoa que morreu é um outro, que precisa ser reencontrado para ser guardado. Roland Bharthes foi para os álbuns de fotografias antigas. Queria descobrir alguma foto onde pudesse receber a aura que sempre cercava o corpo de sua mãe e que continuava viva nele (lugar de sua saudade). Até que a encontrou, de sua mãe menina.

 Depois da morte viramos artistas: a saudade se encarrega de reconstruir uma imagem...

 Quando chega a hora da morte, chega a hora de contar estórias. É assim que a imagem amada continua viva dentro de nós. E, quer saibamos disso ou não, o fato é que somos que moram dentro de nós. Somos as estórias que contamos. A hora da saudade é quando nos impomos silêncio  e aí, talvez possamos ouvir aquilo que nunca ouvimos, enquanto os mortos estavam vivos. A morte não deixa de ser a hora da verdade. E, com isso, nos tornamos um pouco mais verdadeiros e pensamos nos mundos que moram dentro de nós, e que só se tornarão visíveis depois que partimos. Então os vivos ouvirão melhor o nosso silêncio.

* Trecho do livro: Tempus fugit. Rubem Alves


Mas quando a esperança se vai a morte se aproxima.
O sofrimento perde o sentido.
Não mais dores de parto, mas funeral de um futuro que se amava...

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sobre Opressor e Oprimido


De uma forma simplificada podemos dizer que o "american way of life", o modo americano de vida (e também da Europa Ocidental) se tornou o referente universal na dinâmica da emulação social em nível global. O desejo de se tornar um ser humano respeitado pela sociedade os leva a imitar o desejo de consumo dos ricos consumidores dos países ricos. Um efeito colateral desse obsessão pelo consumo é a ameaça ao nosso meio ambiente.

A internalização do "modo americano de vida" ou o assumir a imagem do "consumidor-perfeito" como modelo de ser humano a ser imitado traz sérios problemas e contradições para a luta por uma sociedade mais humana e justa. Paulo Freire, em seu clássico livro A pedagogia dos oprimidos, já assinalava isso dizendo que um grande problema na luta pela libertação dos oprimidos está no fato de que eles "hospedam" dentro de si o opressor. A estrutura do pensar do oprimido "se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se 'formam'. O seu ideal é, realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estivera e cuja a superação não lhes está clara, é ser opressores. Este são o seu testemunho de humanidade."

Freire percebe que o processo pelo qual o oprimido hospeda o seu opressor não se dá primeiramente pelo discurso ideológico, no âmbito da consciência, mas sim através do desejo de ser como o opressor, que é visto como modelo de ser humano. Os oprimidos se sentem atraídos pelo opressor, desejam participar da vida deles, ser como eles. Nas palavras de Freire: "Há [...] em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos oprimidos de 'classe média', cujo anseio é serem iguais ao 'homem ilustrado' da chamada classe 'superior'.

Fonte:
Sung, Jung Mo. Desejo, Mercado e Religião. p.13-14.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Na beira do abismo


No meio de um escuro alucinante, ali só, eu...
quem sabe de onde vim; não foi da Nau dos loucos?
Quem diria que o abismo me contempla assim como eu diante dele?
Quem deu vida à escuridão? Quem fez o silêncio ensurdecedor?
Quem deu mãos ao vento? Quem tomou de mim a minha mente? Quem enterrou meus sonhos eme tirou toda a esperança? Estarei eu entrando no inferno?
Sei-lá!
Deixa eu ir dormir ( Mas o dia não vai nascer feliz);
Deixa eu viver (Sem uma ideologia, por gentileza);
Deixa eu ser "eu" e "eu" às vezes sou vários que nem me conheço...


Quem nunca esteve na beira do abismo?


Erivan

Educação e cultura: a crítica de Nietzsche

Friedrich Nietzsche (1844-1900) usou em seus escritos o recurso dos aforismos, cuja força está no conteúdo questionador e provocativo. Aliás, é assim, de forma contundente e crítica, que Nietzsche examina a cultura de seu tempo e lamenta o estilo de educação: em toda a sua obra condena a erudição vazia, a educação intelectualizada, separada da vida.

 Vejamos a primeira parte de Assim falou Zaratustra (Das três transmutações), em que ele cita as mudanças possíveis do espírito humano, que de um camelo pode se fazer leão, e de leão se transformar em criança.


 Descrevendo o espírito como camelo, Nietzsche diz: "O que é pesado? assim pergunta o espírito de carga, assim ele se ajoelha, igual ao camelo e quer ser bem carregado. (...)Todo esse pesadíssimo o espírito de carga toma sobre si: igual ao camelo, que carregado corre para o deserto, assim ele corre para o seu deserto. / Mas no mais solitário deserto ocorre a segunda transmutação: em leão se torna aqui o espírito, liberdade quer ele conquistar, e ser senhor de seu próprio deserto".


 Adiante, diz: "Meus irmãos, para que é preciso o leão no espírito? Em que não basta o animal de carga, que renuncia e é respeitoso? / Criar novos valores - disso nem mesmo o leão ainda é capaz: mas criar liberdade para a nova criação - disso é capaz a potência do leão. / Criar liberdade em um sagrado Não, mesmo diante do dever: para isso, meus irmãos, é preciso ser o leão".


 Finalmente, completa: "Mas dizei, meus irmãos, de que ainda é capaz a criança, de que nem mesmo o leão foi capaz? Em que o leão rapinante tem ainda de se tornar em criança? / Inocência é a criança, o esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o perdido do mundo".


  De que fala Nietzsche? Que a educação tem nos transformado em camelos cheios de conhecimentos desligados da vida - para ele, "o erudito é um eunuco do saber" - e obedientes, prontos para negar nossos impulsos vitais. Agimos de acordo com o "você deve" e não com o "eu quero". A posição reativa do leão é intermediária porque ousada, mas negativa: o leão apenas conquista a liberdade de criação, continuando ressentido e niilista. Quem pode criar, no entanto, é a criança.


 Assumindo o tom profético de Zaratustra, Nietzsche quer destruir a antiga ordem que aprisiona o espírito, mas não sem apresentar a esperança da criação de novos valores que sejam "afirmativos da vida": a criança simboliza o começo, a possibilidade de recuperação das energias viais que foram abafadas pela longa trajetória da educação greco-judaica-cristã.


  Ao criticar os "homens cultos" da Alemanha, Nietzsche os vê imbuídos de uma cultura livresca - que não passa de um "verniz", de um adorno -, os quais acumulam conhecimentos alheios e imitam modelos de modo artificial. Condena também a escola utilitária e profissionalizante, bem como os riscos de um ensino submetido à ideologia do Estado. Mas ainda, acusa de "filisteus da cultura" aqueles que a tornam venal, ou seja, que transformam toda produção cultural em mercadoria, objeto de venda, de consumo.


Fonte:
História da educação e da pedagogia
geral e Brasil - Ed Moderna
Maria Lúcia de Arruda Aranha