sábado, 8 de setembro de 2012

A teologia e o galo


Muitos pensam que o que dizem sobre Deus tem consequências cósmicas (mais próximos da verdade estariam se se contentassem  com as consequências cômicas)... O que me faz lembrar a estória de um galo que acordava bem cedo, todas as manhãs, ainda escuro, e anunciava solene aos seus companheiros, bichos de galinheiro:

"- Vou cantar para fazer o Sol nascer..."

E se empoleirava no alto de telhado, olhava para o horizonte, e ordenava categórico:

"- Co-co-ri-co-có..."

Dali a pouco a bola vermelha mostrava o seu primeiro pedaço e o galo comentava, confiante:

"- Eu não disse?..."

E os bichos ficavam boquiabertos e respeitosos ante poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar para fazer o Sol nascer. E nem havia sombra alguma de dúvida, porque tinha sido sempre assim, com o galo-pai, com o galo-avô...

Aconteceu, entretanto, que o galo certo dia perdeu a hora, e quando ele acordou o Sol já estava lá, brilhando no meio do céu...

Há teólogos que se parecem com o galo.

Acham que se não cantarem direito, o Sol não nasce: como se Deus fosse afetado por suas palavras. E até estabelecem inquisições para perseguir galos de canto diferente e condenam outros a fechar o bico, sob pena de excomunhões. Claro que fazem isto por se levarem muito a sério e por pensarem que Deus muda de ideia ou muda de ser ao sabor das coisas que nós pensamos e dizemos. O que é, para mim, a manifestação máxima e loucura, delírio maníaco levado ao extremo, atribuir onipotência às palavras que dizemos.

O Sol nasce sempre, do mesmo jeito; com galo ou sem galo.


Trecho do livro: Por uma Teologia da Libertação - Rubem Alves