terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Pura Hipocrisia

José Comblin
"Nunca se falou tanto de solidariedade com tamanha hipocrisia. O discurso político atual é pura hipocrisia, muito mais do que antes, porque se trata de uma hipocrisia sistemática, montada com todos os meios técnicos da comunicação. Estamos na época da hipocrisia tecnológica e científica, onde se vive uma mentira cientificamente elaborada. Não há mais nada de ingenuidade. Todo discurso é fabricado."

José Comblin


domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Invenção do Dispensacionalismo



Existe um pensamento dominante no meio teológico evangélico (bem difundido em pregações, aulas de escola dominical, filmes, séries, livros...) de que Deus estabeleceu um plano para a humanidade. Um plano de redenção que foi dividido em sete dispensações sendo estas: 1)Inocência, 2) Consciência, 3) Governo Humano, 4) Patriarcal, 5) Lei, 6) Graça e 7) o Milênio. Esse pensamento teológico dominante já está tão enraizado no imaginário popular que muitos pensam tratar-se de uma doutrina absoluta. Há até um mapa chamado de O Plano Divino Através dos Séculos que trata cronologicamente dos acontecimentos vindouros.

Nosso objetivo aqui é mostrar que tal pensamento além de não ser bíblico é produto de determinada cultura e tempo específicos. Sendo assim, uma criação totalmente humana, i.é, produto da imaginação de alguém. Veremos quem é esse alguém especificamente, e como se iniciou essa ideia tão difundida hoje. Para isso, reproduzo abaixo, um texto de cunho histórico relevante encontrado na íntegra no livro Em Nome de Deus,  da inglesa Karen Armstrong. Diz Karen:

O gênero secular da guerra futura que fascinava os europeus não seduzia os americanos mais religiosos. Ao contrário, alguns se interessavam como nunca por escatologia, sonhando com um embate final entre Deus e Satã que daria o merecido fim a uma sociedade má.

Aqui, Karen nos lembra, ou sugere, que esse pensamento teleológico era inicialmente uma fuga e concomitantemente uma resposta a uma sociedade que cada vez mais se apegava a ciência-tecnologia e mais se afastavam de Deus. Lembrando que é justamente nesse período que a ateologia ganha força como nunca antes na história humana.

Continua Karen:

A nova crença apocalípca que se arraigou nos EStados Unidos ao terminar o século XIX recebeu o nome de Pré-milenarismo, porque sustentava que Cristo voltaria à Terra antes de fundar seu reino de mil anos. (O Pós-milenarismo do Iluminismo, mais antigo e mais otimista, ainda cultivado por protestantes liberais, imaginava os homens inaugurando o Reino de Deus por seus próprios esforços: Cristo só retornaria depois de estabelecer-se o milênio.) Quem pregou o pré-milenarismo aos americanos foi o inglês John Nelson Darby (1800-82), que encontrou poucos seguidores em sua terra, mas realizou seis triunfantes excursões pelos Estados Unidos entre 1859 e 1877. A seu ver o mundo moderno nada tinha de bom e caminhava velozmente para a destruição. Ao invés de se tornar mais virtuosa, como esperavam os pensadores do iluminismo, a humanidade se depravava de tal maneira que Deus logo seria forçado a interferir, infringindo-lhe sofrimento indizíveis. Mas os cristãos fiéis emergiriam triunfantes dessa provação e desfrutariam a vitória final de Cristo e seu Reino glorioso.

Darby não procurou significado místico na Bíblia, que em sua opinião era um documento contendo a verdade literal. Os profetas e o autor do Livro do Apocalipse não se expressaram por meio de símbolos, mas fizeram predições que logo se revelariam absolutamente exatas. (...) Darby dividiu a história da salvação em sete épocas ou dispensações - uma divisão baseada na leitura meticulosa das Escrituras. Cada dispensação chega ao fim quando os seres humanos se tornam tão malvados que Deus tem de puni-los. As dispensações anteriores terminaram com catástrofes como a Queda, o Dilúvio e a Crucificação de Cristo. Agora os homens estavam na sexta, ou penúltima, dispensação, que Deus encerraria em breve com um desastre pavoroso, sem precedentes. O Anticristo, o falso redentor cuja vinda são Paulo predisse, enganaria o mundo com seu falaz encanto, iludiria a todos e infligiria à humanidade um período de tribulação. Durante sete anos guerrearia, massacraria incontáveis criaturas e perseguiria todos os seus opositores. Então Jesus desceria à terra, derrotaria o Anticristo, travaria a batalha decisiva com Satã  e as força do mal na planície de Armagedon, nos arredores de Jerusalém, e inauguraria a Sétima dispensação, reinando por mil anos, até o juízo final concluir a história. Trata-se de uma versão religiosa da fantasia europeia da guerra futura, segundo a qual o verdadeiro progresso seria inseparável do conflito e da devastação quase total. Não obstante seu sonho de redenção divina e bem aventurança milenar, essa é uma visão niilista, exprimindo o desejo de morte do homem moderno. Os cristãos imaginavam a extinção final da sociedade moderna com detalhes obsessivos e ansiavam morbidamente por ela.

Há porém, uma diferença importante. Na fantasia europeia a provação da próxima grande guerra afetaria a todos; na versão de Darby os eleitos se salvariam. Com base numa passagem de são Paulo, na qual os cristãos vivos por ocasião da Segunda vinda de Cristo seriam “arrebatados sobre as nuvens [...] para encontrar com o Senhor nos ares”, Darby assegurou que, pouco antes de iniciar-se a Tribulação, haveria um arrebatamento dos cristãos renascidos, que seriam levados para o céu e, assim, escapariam dos terríveis sofrimentos dos Últimos Dias. Os pré-milenaristas imaginam o arrebatamento em detalhes concretos e prosaicos. Estão convencidos de que aviões, carros e trens se espatifarão de repente e pilotos, motoristas e maquinistas renascerão e serão carregados pelos ares. Bolças de valores e governos cairão. Os que ficarem compreenderão que estão condenados e que os verdadeiros crentes sempre estiveram certos. Esses infelizes não só terão de suportar a Tribulação, como saberão que estão destinados a danação eterna. O pré-milenarismo é uma fantasia de revanche, com os eleitos assistindo aos sofrimentos dos que zombaram de suas crenças, ignoraram, ridicularizaram e marginalizaram sua fé e agora, tarde demais, reconhecem o próprio erro. Uma gravura popular, encontrada na casa de muitos fundamentalistas protestantes, mostra um homem cortando a grama e vendo sua esposa renascida ser arrebatada de uma janela do primeiro andar. Como muitas imagens concretas de eventos míticos, a cena parece meio absurda, mas sua suposta realidade é cruel, divisória e trágica.

Ironicamente o pré-milenarismo tinha mais pontos em comum com as filosofias seculares que desprezava do que com  a verdadeira mitologia religiosa. Hegel, Marx e Darwin acreditavam que a evolução resultava do conflito. Marx também dividiu a história em diferentes eras, culminando numa utopia. Os geólogos descobriram as sucessivas épocas do desenvolvimento da Terra nos estratos da fauna e flora fossilizadas em rochas e penhascos e alguns achavam que cada época terminaria em catástrofe. Por bizarro que pareça, o programa pré-milenarista estava em sintonia com o pensamento científico do século XIX. Também era moderno em seu literalismo e em sua democracia. Não continha significados ocultos ou simbolismos acessíveis apenas a uma elite de místicos. Todos os cristãos, por mais rudimentar que fosse sua instrução, podia descobrir a verdade, revelada claramente na Bíblia. Sob esse prisma as Escrituras querem dizer exatamente o que dizem: um milênio compreende dez séculos; 485 anos são 485 anos; ao falar de Israel, os profetas não se referem à Igreja, mas aos judeus; se o autor do Apocalipse prevê uma batalha entre Jesus e Satã na planície de Armagedon, nos arredores de Jerusalém, é exatamente isso que vai acontecer. A leitura pré-milenarista da Bíblia  se torna ainda mais fácil para o cristão médio após a publicação de The Scofield Reference Bible (1909), um best-seler imediato. C.I. Scofield explica a divisão da história da salvação feita por Darby em notas detalhadas que acompanham o texto bíblico e que para muitos fundamentalistas têm quase tanta autoridade quanto o próprio texto.

O texto da Karen dispensa qualquer comentário a respeito de como esse pensamento escatológico e teleológico foi produto da construção do seu tempo. Vimos com Darby corporificou sua doutrina e esta encontrou guarida na Bíblia de estudo Scofield. José de Oliveira, autor do livro Breve História do Movimento Pentecostal (CPAD), diz: “Nesse contexto, Darby foi radicalmente diferente. Segundo seu entendimento, a história bíblica foi dividida em sete dispensações (...) As doutrinas escatológicas, como o “Arrebatamento da Igreja”, hoje aceitas pelo Movimento Pentecostal, foram definidas por Darby. (Pág. 36). Alguns teólogos norte americanos foram responsáveis pela introdução de todo esse pensamento imaginário na América Latina, entre eles destacamos: Tim Lahaye, autor da série Deixados Para Trás; Dave Hunt, autor de vários livros publicados no Brasil, entre eles o best-seler Quanto Tempo nos Resta?; Lawrence Olson, escreveu o livro O Plano Divino Através dos Séculos, publicado pela CPAD acompanha um mapa detalhado sobre todos os acontecimentos finais; Stanley Horton, este, além de ter escrito vários livros voltados para o tema escatológico, é um dos autores da Bíblia de Estudo Pentecostal. Poderíamos citar vários outros autores norte americanos mas acredito que estes nos são suficientes como exemplo. Também há muitos autores brasileiros cuja influência da teologia norte americana é bastante evidente. Citando somente os dois principais: Severino Pedro, profícuo autor da temática escatológica tem vários livros publicados pela CPAD, entre eles Apocalipse Versículo por Versículo, Daniel Versículo por Versículo entre outros; Antônio Gilberto, também têm várias publicações pela CPAD.

Com isso não quero dizer que essas predições não irão acontecer (embora, eu pense que seja diferente de tudo que é imaginado e escrito pelos estudiosos. Tudo, não passa de especulação humana que nada têm de revelação divina).

Me posiciono contra o dispensaciolismo pela sua arrogância em afirmar que tal fato acontecerá absolutamente com certeza. Me posiciono contra, pela seu “espírito” de vingança que nutre contra todos que lhe são contrário e pensam diferente e, principalmente por sua fantasia. Descolada de um estudo sério mais parece um drama da mais pura ficção humana.