Existe um pensamento dominante no meio
teológico evangélico (bem difundido em pregações, aulas de escola dominical,
filmes, séries, livros...) de que Deus estabeleceu um plano para a humanidade.
Um plano de redenção que foi dividido em sete dispensações sendo estas:
1)Inocência, 2) Consciência, 3) Governo Humano, 4) Patriarcal, 5) Lei, 6) Graça
e 7) o Milênio. Esse pensamento teológico dominante já está tão enraizado no
imaginário popular que muitos pensam tratar-se de uma doutrina absoluta. Há até
um mapa chamado de O Plano Divino Através dos Séculos que trata
cronologicamente dos acontecimentos vindouros.
Nosso objetivo aqui é mostrar que tal
pensamento além de não ser bíblico é produto de determinada cultura e tempo
específicos. Sendo assim, uma criação totalmente humana, i.é, produto da
imaginação de alguém. Veremos quem é esse alguém especificamente, e como se
iniciou essa ideia tão difundida hoje. Para isso, reproduzo abaixo, um texto de
cunho histórico relevante encontrado na íntegra no livro Em Nome de Deus, da inglesa Karen Armstrong. Diz Karen:
O gênero secular da guerra futura que
fascinava os europeus não seduzia os americanos mais religiosos. Ao contrário,
alguns se interessavam como nunca por escatologia, sonhando com um embate final
entre Deus e Satã que daria o merecido fim a uma sociedade má.
Aqui, Karen nos lembra, ou sugere, que esse
pensamento teleológico era inicialmente uma fuga e concomitantemente uma
resposta a uma sociedade que cada vez mais se apegava a ciência-tecnologia e
mais se afastavam de Deus. Lembrando que é justamente nesse período que a
ateologia ganha força como nunca antes na história humana.
Continua Karen:
A nova crença apocalípca que se arraigou nos
EStados Unidos ao terminar o século XIX recebeu o nome de Pré-milenarismo,
porque sustentava que Cristo voltaria à Terra antes de fundar seu reino de mil
anos. (O Pós-milenarismo do Iluminismo, mais antigo e mais otimista, ainda
cultivado por protestantes liberais, imaginava os homens inaugurando o Reino de
Deus por seus próprios esforços: Cristo só retornaria depois de estabelecer-se
o milênio.) Quem pregou o pré-milenarismo aos americanos foi o inglês John
Nelson Darby (1800-82), que encontrou poucos seguidores em sua terra, mas
realizou seis triunfantes excursões pelos Estados Unidos entre 1859 e 1877. A
seu ver o mundo moderno nada tinha de bom e caminhava velozmente para a
destruição. Ao invés de se tornar mais virtuosa, como esperavam os pensadores
do iluminismo, a humanidade se depravava de tal maneira que Deus logo seria
forçado a interferir, infringindo-lhe sofrimento indizíveis. Mas os cristãos
fiéis emergiriam triunfantes dessa provação e desfrutariam a vitória final de
Cristo e seu Reino glorioso.
Darby não procurou significado místico na
Bíblia, que em sua opinião era um documento contendo a verdade literal. Os
profetas e o autor do Livro do Apocalipse não se expressaram por meio de
símbolos, mas fizeram predições que logo se revelariam absolutamente exatas.
(...) Darby dividiu a história da salvação em sete épocas ou dispensações - uma
divisão baseada na leitura meticulosa das Escrituras. Cada dispensação chega ao
fim quando os seres humanos se tornam tão malvados que Deus tem de puni-los. As
dispensações anteriores terminaram com catástrofes como a Queda, o Dilúvio e a
Crucificação de Cristo. Agora os homens estavam na sexta, ou penúltima,
dispensação, que Deus encerraria em breve com um desastre pavoroso, sem
precedentes. O Anticristo, o falso redentor cuja vinda são Paulo predisse,
enganaria o mundo com seu falaz encanto, iludiria a todos e infligiria à
humanidade um período de tribulação. Durante sete anos guerrearia, massacraria
incontáveis criaturas e perseguiria todos os seus opositores. Então Jesus
desceria à terra, derrotaria o Anticristo, travaria a batalha decisiva com Satã e as força do mal na planície de Armagedon,
nos arredores de Jerusalém, e inauguraria a Sétima dispensação, reinando por
mil anos, até o juízo final concluir a história. Trata-se de uma versão
religiosa da fantasia europeia da guerra futura, segundo a qual o verdadeiro
progresso seria inseparável do conflito e da devastação quase total. Não
obstante seu sonho de redenção divina e bem aventurança milenar, essa é uma
visão niilista, exprimindo o desejo de morte do homem moderno. Os cristãos
imaginavam a extinção final da sociedade moderna com detalhes obsessivos e
ansiavam morbidamente por ela.
Há porém, uma diferença importante. Na
fantasia europeia a provação da próxima grande guerra afetaria a todos; na
versão de Darby os eleitos se salvariam. Com base numa passagem de são Paulo,
na qual os cristãos vivos por ocasião da Segunda vinda de Cristo seriam “arrebatados
sobre as nuvens [...] para encontrar com o Senhor nos ares”, Darby assegurou
que, pouco antes de iniciar-se a Tribulação, haveria um arrebatamento dos cristãos
renascidos, que seriam levados para o céu e, assim, escapariam dos terríveis
sofrimentos dos Últimos Dias. Os pré-milenaristas imaginam o arrebatamento em
detalhes concretos e prosaicos. Estão convencidos de que aviões, carros e trens
se espatifarão de repente e pilotos, motoristas e maquinistas renascerão e
serão carregados pelos ares. Bolças de valores e governos cairão. Os que ficarem
compreenderão que estão condenados e que os verdadeiros crentes sempre
estiveram certos. Esses infelizes não só terão de suportar a Tribulação, como
saberão que estão destinados a danação eterna. O pré-milenarismo é uma fantasia
de revanche, com os eleitos assistindo aos sofrimentos dos que zombaram de suas
crenças, ignoraram, ridicularizaram e marginalizaram sua fé e agora, tarde
demais, reconhecem o próprio erro. Uma gravura popular, encontrada na casa de
muitos fundamentalistas protestantes, mostra um homem cortando a grama e vendo
sua esposa renascida ser arrebatada de uma janela do primeiro andar. Como
muitas imagens concretas de eventos míticos, a cena parece meio absurda, mas
sua suposta realidade é cruel, divisória e trágica.
Ironicamente o pré-milenarismo tinha mais
pontos em comum com as filosofias seculares que desprezava do que com a verdadeira mitologia religiosa. Hegel, Marx
e Darwin acreditavam que a evolução resultava do conflito. Marx também dividiu
a história em diferentes eras, culminando numa utopia. Os geólogos descobriram
as sucessivas épocas do desenvolvimento da Terra nos estratos da fauna e flora
fossilizadas em rochas e penhascos e alguns achavam que cada época terminaria
em catástrofe. Por bizarro que pareça, o programa pré-milenarista estava em
sintonia com o pensamento científico do século XIX. Também era moderno em seu
literalismo e em sua democracia. Não continha significados ocultos ou
simbolismos acessíveis apenas a uma elite de místicos. Todos os cristãos, por
mais rudimentar que fosse sua instrução, podia descobrir a verdade, revelada
claramente na Bíblia. Sob esse prisma as Escrituras querem dizer exatamente o
que dizem: um milênio compreende dez séculos; 485 anos são 485 anos; ao falar
de Israel, os profetas não se referem à Igreja, mas aos judeus; se o autor do
Apocalipse prevê uma batalha entre Jesus e Satã na planície de Armagedon, nos
arredores de Jerusalém, é exatamente isso que vai acontecer. A leitura
pré-milenarista da Bíblia se torna ainda
mais fácil para o cristão médio após a publicação de The Scofield Reference Bible
(1909), um best-seler imediato. C.I. Scofield explica a divisão da história da
salvação feita por Darby em notas detalhadas que acompanham o texto bíblico e
que para muitos fundamentalistas têm quase tanta autoridade quanto o próprio
texto.
O texto da Karen dispensa qualquer comentário
a respeito de como esse pensamento escatológico e teleológico foi produto da
construção do seu tempo. Vimos com Darby corporificou sua doutrina e esta
encontrou guarida na Bíblia de estudo Scofield. José de Oliveira, autor do
livro Breve História do Movimento Pentecostal (CPAD), diz: “Nesse contexto,
Darby foi radicalmente diferente. Segundo seu entendimento, a história bíblica
foi dividida em sete dispensações (...) As doutrinas escatológicas, como o “Arrebatamento
da Igreja”, hoje aceitas pelo Movimento Pentecostal, foram definidas por Darby.
(Pág. 36). Alguns teólogos norte americanos foram responsáveis pela introdução
de todo esse pensamento imaginário na América Latina, entre eles destacamos: Tim
Lahaye, autor da série Deixados Para Trás; Dave Hunt, autor de vários livros
publicados no Brasil, entre eles o best-seler Quanto Tempo nos Resta?; Lawrence
Olson, escreveu o livro O Plano Divino Através dos Séculos, publicado pela CPAD
acompanha um mapa detalhado sobre todos os acontecimentos finais; Stanley
Horton, este, além de ter escrito vários livros voltados para o tema
escatológico, é um dos autores da Bíblia de Estudo Pentecostal. Poderíamos
citar vários outros autores norte americanos mas acredito que estes nos são
suficientes como exemplo. Também há muitos autores brasileiros cuja influência
da teologia norte americana é bastante evidente. Citando somente os dois
principais: Severino Pedro, profícuo autor da temática escatológica tem vários
livros publicados pela CPAD, entre eles Apocalipse Versículo por Versículo,
Daniel Versículo por Versículo entre outros; Antônio Gilberto, também têm
várias publicações pela CPAD.
Com isso não quero dizer que essas predições
não irão acontecer (embora, eu pense que seja diferente de tudo que é imaginado
e escrito pelos estudiosos. Tudo, não passa de especulação humana que nada têm
de revelação divina).
Me posiciono contra o dispensaciolismo pela
sua arrogância em afirmar que tal fato acontecerá absolutamente com certeza. Me
posiciono contra, pela seu “espírito” de vingança que nutre contra todos que
lhe são contrário e pensam diferente e, principalmente por sua fantasia. Descolada
de um estudo sério mais parece um drama da mais pura ficção humana.