terça-feira, 23 de abril de 2013

A beleza salvará o mundo


Que venhas lá do céu ou do inferno, que importa,
Ó beleza! Monstro ingênuo gigantesco e horrendo!
Se teu olhar, teu riso, teus pés me abrem a porta
De um infinito que amo e que jamais desvendo?

De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se és tu quem fazes - fada de olhos suaves,
Ó rainha de luz, perfume e ritmo cheia! -
Mais humano o universo e as horas menos graves?



Temos aqui, o belo, alçado ao topo dos ideais humanos glorificado no Hino à beleza de Baudelaire. Tzvetan Todorov, historiador búlgaro, cita um texto encontrado numa revista chamada Canopée: "A beleza salvará o mundo. A frase de Dostoievski nunca foi tão atual. Pois é justamente quando tantas coisas vão mal em torno de nós que é necessário falar da beleza do planeta e do humano que o habita."

Todorov, escreveu recentemente um livro: A Beleza Salvará o Mundo; seu texto nos será útil para se ter um entendimento do que significa “a beleza salvará o mundo”.

As opiniões de Dostoievski têm para nós um interesse particular pelo fato de ser ele o autor da fórmula: “A beleza salvará o mundo”; mais exatamente, essa frase aparece em duas oportunidades em seu romance O Idiota (1868), sendo atribuida por dois personagens ao herói do romance, o príncipe Míchkin; essa frase seria supostamente um condensado de sua filosofia. Mas qual é exatamente seu sentido?

A beleza em que pensa o príncipe ao formular sua máxima não é a beleza física, a de uma mulher, por exemplo, apesar de Míchkin ser muito sensível a ela. É necessário, para saber o que quer dizer essa palavra, lembrar aqui em que consiste o projeto ao qual Dostoievski se empenhou ao empreender a escrita de O Idiota. Ele a expõe assim a seu amigo Maikov: “Essa ideia é representar um homem inteiramente belo.” No dia seguinte, ele repete a sua sobrinha Sofia: “O pensamento principal do romance é representar um homem positivamente belo.” Dostoievski acrescenta essa equivalência fundadora: O belo é o ideal; ora, o ideal, o nosso ou o da Europa civilizada, está ainda longe de ser elaborado. Só existe no mundo um ser absolutamente belo, Cristo, de maneira que a aparição desse ser imensamente, infinitamente belo é certamente um infinito milagre.” (...)

Essa é, em profundidade, a moral cristã professada por Dostoievski: ela se resume ao preceito: amar a seu próximo com um amor não possessivo. “A compaixão é todo o cristianismo”, escreve nos rascunhos de O Idiota. Nisso, ele se mantém fiel aos preceitos dos Apóstolos: a Paulo, que faz do amor caridoso o fundamento da religião (“Toda lei é preenchida por essa palavra: ama o teu próximo como a ti mesmo”); a João, para quem amar a Deus não é senão amar os homens: “Deus é amor”, “Se amarmos uns aos outros, Deus estará em nós.” Tal também é, portanto, o sentido da beleza que _- talvez – salvará o mundo.

Diante do exposto, eu tiro algumas conclusões superficiais (Digo superficial, pois quando se fala sobre amor/beleza, falamos de valores subjetivos e, que por mais que nos esforcemos, jamais iremos esgotar seu “oceano” de significados; Falar de amor/beleza, é estar diante de um julgamento de valor, e isso tem um peso de significados existenciais sem limites...) Maria Lúcia de Arruda Aranha nos lembra que: “ O ser humano não é apenas razão, é também afetividade. Nenhuma formação puramente intelectual dará conta da totalidade do humano; daí a importância da arte como instrumento não só de produção e fruição estética – o que se destaca ao se pensar nos dois polos de formação do artista e do apreciador da arte -, mas de humanização propriamente dita, ou seja, a educação estética é instrumento da valorização humana integral.”

1.   A beleza que salvará o mundo (?) é a beleza de um amor não abstrato; não a um amor no invisível. Um amor que se direciona/relaciona ao que existe. Podemos dizer que, nesse sentido, ninguém ama a Deus realmente. Simplesmente porque é impossível se relacionar com Ele diretamente. Se alguém diz que ama a Deus, então faça isso amando as pessoas a sua volta; era isso que João entendia ao dizer: “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade é de Deus (...) Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade (...) Ninguém jamais viu a Deus; se nós amamos uns aos outros, Deus está em nós é perfeita a sua caridade.”

Um pequeno texto do Rubem Alves nos ajudará a entender melhor o que quero dizer: (O que amo?) “Releio as Confissões de santo Agostinho. Ele pergunta: ‘O que é que amo quando amo o meu Deus?’ Ele sabia que a simples afirmação ‘Eu amo meu Deus’ não significa coisa alguma. O amor exige um rosto. Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: ‘O que é que amo quando amo você?’. Ela responderia perplexa: ‘Então, não é mim que você ama? Você ama uma outra coisa que aparece em mim?’. Esse é um segredo que nenhum amante sabe: ele não ama a pessoa amada. Ele ama algo misterioso que se mostra no seu corpo.”

2. A beleza que salvará (?) o mundo é aquela misericórdia humana que todos nós temos (acho que todos nós temos) e que se revela portadora de significados existenciais. É aquela compaixão altruísta que se revela pelo outro. Nesse sentido, Cristo é nosso maior exemplo, mas não só ele, claro. Foi Jesus quem teve compaixão por uma viúva que seguia para enterrar seu filho; de uma mulher apanhada em adultério, e até quando estava na cruz teve misericórdia do ladrão ao seu lado.
  
A beleza da atitude de Cristo salvará esse mundo do individualismo e da indiferença. Indiferença essa que mata. Como nos lembra a Cecília Meireles:

Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, Morro, Senhor, de indiferença.
Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa não tem eco, na ausência imensa.
Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença para o que é vencido e o que vença.
Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa onde o amor equivale a ofensa.
De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu de loucura suspensa.
Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença. 

Erivan Silva


                                                 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Amor, morte e Bauman

"Põe-me como um selo sobre teu coração, como selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte..."
Cânticos dos cânticos 8.6


Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês. Seus escritos formam uma vasta contribuição para o pensamento moderno, ou, pós-moderno, como o sociólogo descreve a época atual. Penso, que Bauman contribui também para o entendimento das relações afetivas. Qual um psicanalista, assim é seu livro AMOR LÍQUIDO. Dada a importância do trabalho, transcrevi e parafraseei parte de um texto:

Citando Ivan Klima, Bauman diz que "poucas coisas parecem tanto com a morte quanto o amor realizado". (...) Cada um deles nasce, ou renasce, no próprio momento em que surge, sempre a partir do nada, da escuridão do não ser sem passado nem futuro; começa sempre do começo, desnudando o caráter supérfluo das tramas passadas e a futilidade dos enredos futuros.

Tal como o rio de Heráclito, amor ou/e morte não podem ser penetrados duas vezes.

Amor e morte. Parentesco, afinidade, elos causais são traços da individualidade e/ou do convívio humanos. O amor e a morte não têm história própria. São eventos que ocorrem no tempo humano, eventos distintos, não conectados com eventos "similares", a não ser na visão de instituições ávidas por identificar (inventar) retrospectivamente essas conexões e compreender o incompreensível.

Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. E não se pode aprender a arte ilusória (inexistente, embora ardentemente desejada) de evitar suas garras e ficar fora de sue caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão - mas não se tem a mínima ideia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido. (Sempre estaremos desprevenidos à morte/amor). Em nossas preocupações diárias, o amor e a morte aparecerão ab nihilo - a partir do nada. Evidentemente, todos nós tendemos a nos esforçar muito para extrair alguma experiência desse fato; tentamos estabelecer seus antecedentes, apresentar o princípio infalível de um post hoc como se fosse um propter hoc, construir uma linhagem que "faça sentido", e na maioria das vezes obtemos sucesso. Precisamos desse sucesso pelo conforto espiritual que ele nops trás: faz ressurgir, ainda que de forma circular, a fé na regularidade do mundo e na previsibilidade dos eventos, indispensáveis para a nossa saúde mental.

No caso da morte, o aprendizado se restringe de fato à experiência de outras pessoas, e portanto constitui uma ilusão in extremis. A experiência alheia não pode ser verdadeiramente aprendida como tal; não é possível distinguir, no produto final da descoberta do objeto, entre o Erlebnis original e a contribuição criativa trazida pela capacidade da imaginação do sujeito. A experiência dos outros só pode ser conhecida como história manipulada e interpretada daquilo que eles passaram. No mundo real, tal como nos desenhos de Tom & Jerry, talvez alguns gatos tenham sete vidas ou até mais, e talvez alguns convertidos possam acreditar na ressurreição - mas permanece o fato de que a morte, assim como o nascimento, só ocorre uma vez. Não há como aprender a "fazer certo na próxima oportunidade" com um evento que jamais voltaremos a vivenciar.


Antes do suicídio, já estou morto

Tem gente que vai me perdendo, me deixando escapar. Aí eu vou percebendo que nunca fiz tanta diferença e que a importância que eu pensava ter, na verdade, nunca existiu! Eu vou percebendo que sua mão não mais me sustentava... Não tinha mais sentido tuas palavras; não nos meus ouvidos. Fui percebendo que não tinha mais calor e que teus olhos não mais brilhavam quando me viam... Eu te contemplava com ternura enquanto  dormias. Ficava horas ao teu lado. Acordado, pensava: com o que estás a sonhar? 
Realmente eu nunca soube responder:
Era eu que te perdia ou a perda seria tua? Quem matou quem dentro de quem?
Não sei!
Só sei que antes de morrer, eu já estava morto!!

Erivan


terça-feira, 16 de abril de 2013

Nada, ou um pouco menos?

Desde o começo do mês iniciei a leitura do livro Menos que nada (Ed. Boitempo) do filósofo esloveno Slavoj Zizek. Hoje, me encontrei rindo sozinho sobre uma anedota que  Zizek relata logo na introdução do livro:

"Lembremo-nos da velha piada judaica, tão cara a Derrida, sobre um grupo de judeus que admite publicamente, em uma sinagoga, sua nulidade aos olhos de Deus. Primeiro, um rabino se levanta e diz: 'Ó Deus, sei que sou inútil, não sou nada!'. Quando o rabino termina, um rico comerciante se levanta e, batendo no peito, diz: 'Ó Deus, também sou inútil, obcecado pela riqueza material, não sou nada!'. Depois desse espetáculo, um pobre judeu do povo também também se levanta e proclama: 'Ó Deus, não sou nada...'. O rico comerciante cutuca o rabino e sussurra no ouvido dele, com desdém: 'Que insolência! Quem é esse sujeito que ousa afirmar que também não é nada?!'. De fato, é preciso ser alguma coisa para alcançar o puro nada..."

Lendo isso eu pensei cá comigo: Ó Deus, eu não sou nada... Ou um pouco menos!