segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Três crucificados

Três Crucificados


Chovia bastante e fazia frio. Hoje, definitivamente, ele não sairia de casa. "Um bom lugar pra ler um livro". Lembrou-se do Djavan. Um lugar ele têm: sua casa. Tempo ocioso não lhe falta e na estante, a quantidade de livros é absurda. "Conversa entre mortos" totengespräche. Afinal, dos seus autores favoritos o certo é que a maioria já morreu. Não de overdose. Lembrou-se do Cazuza. Mas suas obras aí estavam. Ideias que se concretizaram; tornaram-se em tinta, em letras, em palavras, em livros, em carne. Sua carne, seu sangue. Lembrou-se do evangelho de João. Hoje, ele pode se alimentar das ideias alheias, de pessoas que ele nunca conheceu. À sua esquerda, afixado na parede, estava uma replica do quadro do Salvador Dali. O Cristo de São João da Cruz 1951. Na imagem o Salvador ali, na cruz, visto de cima para baixo. É realmente uma imagem surrealista. Magnífica de se ver. O Cristo só. Não se vêem os outros dois que foram crucificados com ele. Nem sequer o monte Gólgota. A cruz está no céu tendo as nuvéns de fundo. Aos pés da cruz não há mulheres chorando; apenas um rio, talvez aquele conhecido como Mar da Galileia ou o rio Jordão. Montes ao fundo e dois pescadores: um próximo ao barco e um outro mexendo na rede; um talvez seja João e o outro, Pedro. Até hoje ele se perguntava o porque de nos túmulos, pelo menos nos ocidentais, o símbolo da cruz se faz tão presente, tão forte. A cruz, um símbolo tão simples mas carregado de tanta experiência. Apertou o crucifixo que trazia em seu pescoço com a imagem de Cristo crucificado. "Pai nosso que estais no céu..." começou a rezar baixinho de olhos fechados. Era católico praticante. Se orgulhava disso. Adorava ler os livros escritos pelo ex Papa Bento XVI, mas adorava de igual modo o pensamento iconoclasta do Papa Francisco. Lembrou-se de Celestino V, outro Papa que em 1294 também abdicou do papado. Só Deus sabe o motivo real que levaram esses dois Papas a abdicarem do trono de Pedro. Seria ele mesmo Papa algum dia? Tal pensamento lhe fez rir. Ainda de joelhos abriu a Bíblia (de Jerusalém) que estava à sua frente. Não a abriu aleatoriamente. Escolheu o terceiro evangelho, Lucas, mais precisamente no capítulo 23 e versículo 33 em diante: Chegando ao lugar chamado Caveira, lá o crucificaram, bem como aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: "Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem". Tendo lido o texto, mais uma vez rezou o Pai Nosso e fez por três vezes o sinal da cruz: na testa, nos lábios e no peito.

Erivan Silva
02112015