segunda-feira, 30 de maio de 2016

Retratos da alma: Novos rumos teológicos e existenciais

Retratos da alma: Novos rumos teológicos e existenciais: Novos rumos teológicos e existenciais O texto que segue foi escrito num período de transição intelectual no final de 2012. Foi um pe...

A cerimônia do adeus*



"O mundo corre sobre as cordas do coração sofredor, compondo a música da tristeza"
Tagore


"É o que afoga nosso coração em lágrimas, e faz com que a perda da vida daqueles que morrem se torne a morte daqueles que ficam vivos."
Santo Agostinho


Eu sou daqueles que se permite à tristeza. Respeito meu momento de luto. Me preocupa, é verdade, o fato de quase sempre eu ficar assim melancólico, depressivo, a pensar na morte - minha e dos outros -.  É que aqueles que conheço estão sendo tirados da minha vida muito cedo. E de forma trágica. Não cabe detalhes aqui, apenas tristeza cristalizada. O que eu faço com a melancolia? A transformo em força intelectual; penso, reflito sobre ela, escrevo sobre ela. Assim fazem os poetas. É uma forma de atenuar a saudade. Atenuar, não matar. 

A [essa] evocação mortífera da saudade - "morri de saudade" - responde a tentativa de acabar com ela - "vou matar a saudade" - , a primeira diz da falta, enquanto a segunda pretende suspender a sua presença. Mas ninguém morre de saudade (...) A saudade não mata, ela mantém vivo quem sofre dela, ela instala no sujeito em seu tempo de origem e destino, ela assegura tanto os limites quanto os sonhos e a imaginação. E também ninguém mata a saudade, mas toda tentativa de acabar com ela a renova, instaura-a de novo. Afinal, "morrer de saudade" é dizer desse doce sofrimento que ela inflige, e "matar a saudade" é tentar se livrar dela para a ela melhor se entregar.   [1]

Nem se mata a saudade nem se morre de saudade, mas que se sofre disso não tenha dúvidas. Não há conformidade na ausência.


Não me resigno quando depositam corações amorosos na terra dura.
É assim, assim será para sempre:
entram na escuridão os sábios e os encantadores.
Coroados de lírios e louros, lá se vão:
mas eu não me conformo.

Na treva da tumba lá se vão, com seu olhar sincero, o riso, o amor;
vão docemente os belos, os ternos, os bondosos;
vão-se tranquilamente os inteligentes, os engraçados, os bravos.

Eu sei.
Mas não aprovo.
E não me conformo.

Edna St. Vincent Millay.



Ontem faleceu (mais) um camarada vítima de tiros. Hoje recebi a notícia. Só lamento pela família. A morte é necessária não apenas um acontecimento possível; para o homem a morte tem gravidade absoluta; a morte pode ocorrer em qualquer momento sem aviso prévio. 

Neste blog há algumas singelas homenagens aos amigos e familiares que partiram. Cada vez que alguém muito próximo se vai é impossível não se perguntar: serei eu o próximo?

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... Um acidente de carro.
O coração que se recusa abater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...
Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...
Raul Seixas - Canto para minha morte
Enquanto ela não vem me resta sofrer de saudade, me entregar - não por inteiro - à melancolia, ler alguns livros, escrever um poema talvez...
olhar pela janela.
Veja, está chovendo.
Um dia muito triste para um velório.
Maldita seja a cerimônia do adeus o momento da despedida final.

Descanse em paz amigo.

Rafael Gilio Santana















*Eu tomei este título do livro com o mesmo nome que a Simone de Beauvoir escreveu sobre a morte de Jean-Paul Sartre.

[1] JESUS, Samuel de. SAUDADE, da poesia medieval à fotografia contemporânea. Autêntica, 2015

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Não me ofereço a ti

"Você me tem fácil demais e não parece capaz de cuidar do que possui. (...) Não faça assim, não faça nada por mim, não vá pensando que eu sou seu"

Não estou em sua mãos, amada.
Amor não é possessivo. Nem pode ser. 
A vida precisa ser vivida com ou sem você. E será.

Eu sei que quando menos esperamos o amor acontece. E nós ficamos assim, desse jeito, sem jeito, qualquer jeito...
É um crime viver assim.

Abro mão
Não me ofereço a ti como teu brinquedo pessoal. Eu não sou.
Posso ser um presente sempre ausente em tua vida. E serei.
Posso deixá-la morar no meu coração. Habita.
Posso levá-la para sempre em meus pensamentos. E levo.
Posso dizer que te amo. E amo.

Mas não me ofereço a ti
Não me ofereço a ninguém.

Amor, não te disseram que o amor não é possessivo?

Erivan Silva

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Estes olhos que choram?





E estes olhos que choram?
E estes olhos que choram?
Se despedem de alguém?

O que há no coração que ficará guardado após a partida? Não saberei dizer.

Ficarei aqui neste canto olhando as prateleiras de vozes silenciosas até que a luz acabe.
No silêncio quero ouvir minha respiração e o pulsar de um coração cansado.

Quero estar lá quando a alma for arrancada do corpo.
Quero escolher com carinho que lembranças devo levar para o além.

Arregalei os olhos na esperança de que alguém os visse, e dissesse: olhem, isso não é tristeza; é uma despedida. É um olhar de adeus.

Ou será só tristeza mesmo?

E estes olhos que choram?


Erivan Silva