A beleza salvará o mundo
Que venhas lá do céu ou do inferno, que importa,
Ó beleza! Monstro ingênuo gigantesco e horrendo!
Se teu olhar, teu riso, teus pés me abrem a porta
De um infinito que amo e que jamais desvendo?
De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se és tu quem fazes - fada de olhos suaves,
Ó rainha de luz, perfume e ritmo cheia! -
Mais humano o universo e as horas menos graves?
Temos aqui, o belo, alçado ao topo dos ideais humanos glorificado no
Hino à beleza de Baudelaire. Tzvetan Todorov, historiador búlgaro, cita
um texto encontrado numa revista chamada Canopée:
"A beleza salvará o mundo. A frase de Dostoievski nunca foi tão atual.
Pois é justamente quando tantas coisas vão mal em torno de nós que é necessário
falar da beleza do planeta e do humano que o habita."
Todorov, escreveu recentemente um livro: A
Beleza Salvará o Mundo; seu texto nos será útil para se ter um entendimento do
que significa “a beleza salvará o mundo”.
As opiniões de Dostoievski têm para nós um
interesse particular pelo fato de ser ele o autor da fórmula: “A beleza salvará
o mundo”; mais exatamente, essa frase aparece em duas oportunidades em seu
romance O Idiota (1868), sendo atribuida por dois personagens ao herói do
romance, o príncipe Míchkin; essa frase seria supostamente um condensado de sua
filosofia. Mas qual é exatamente seu sentido?
A beleza em que pensa o príncipe ao formular
sua máxima não é a beleza física, a de uma mulher, por exemplo, apesar de
Míchkin ser muito sensível a ela. É necessário, para saber o que quer dizer
essa palavra, lembrar aqui em que consiste o projeto ao qual Dostoievski se
empenhou ao empreender a escrita de O Idiota. Ele a expõe assim a seu amigo
Maikov: “Essa ideia é representar um homem inteiramente belo.” No dia seguinte,
ele repete a sua sobrinha Sofia: “O pensamento principal do romance é
representar um homem positivamente belo.” Dostoievski acrescenta essa
equivalência fundadora: O belo é o ideal; ora, o ideal, o nosso ou o da Europa
civilizada, está ainda longe de ser elaborado. Só existe no mundo um ser
absolutamente belo, Cristo, de maneira que a aparição desse ser imensamente,
infinitamente belo é certamente um infinito milagre.” (...)
Essa é, em profundidade, a moral cristã
professada por Dostoievski: ela se resume ao preceito: amar a seu próximo com
um amor não possessivo. “A compaixão é todo o cristianismo”, escreve nos
rascunhos de O Idiota. Nisso, ele se mantém fiel aos preceitos dos Apóstolos: a
Paulo, que faz do amor caridoso o fundamento da religião (“Toda lei é
preenchida por essa palavra: ama o teu próximo como a ti mesmo”); a João, para
quem amar a Deus não é senão amar os homens: “Deus é amor”, “Se amarmos uns aos
outros, Deus estará em nós.” Tal também é, portanto, o sentido da beleza que _-
talvez – salvará o mundo.
Diante do exposto, eu tiro algumas conclusões
superficiais (Digo superficial, pois quando se fala sobre amor/beleza, falamos
de valores subjetivos e, que por mais que nos esforcemos, jamais iremos esgotar
seu “oceano” de significados; Falar de amor/beleza, é estar diante de um
julgamento de valor, e isso tem um peso de significados existenciais sem
limites...) Maria Lúcia de Arruda Aranha nos lembra que: “ O ser humano não é
apenas razão, é também afetividade. Nenhuma formação puramente intelectual dará
conta da totalidade do humano; daí a importância da arte como instrumento não
só de produção e fruição estética – o que se destaca ao se pensar nos dois
polos de formação do artista e do apreciador da arte -, mas de humanização
propriamente dita, ou seja, a educação estética é instrumento da valorização
humana integral.”
1.
A
beleza que salvará o mundo (?) é a beleza de um amor não abstrato; não a um
amor no invisível. Um amor que se direciona/relaciona ao que existe. Podemos
dizer que, nesse sentido, ninguém ama a Deus realmente. Simplesmente porque é
impossível se relacionar com Ele diretamente. Se alguém diz que ama a Deus,
então faça isso amando as pessoas a sua volta; era isso que João entendia ao
dizer: “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade é de Deus (...)
Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade (...) Ninguém
jamais viu a Deus; se nós amamos uns aos outros, Deus está em nós é perfeita a
sua caridade.”
Um pequeno texto do Rubem Alves nos ajudará a
entender melhor o que quero dizer: (O que amo?) “Releio as Confissões de santo
Agostinho. Ele pergunta: ‘O que é que amo quando amo o meu Deus?’ Ele sabia que
a simples afirmação ‘Eu amo meu Deus’ não significa coisa alguma. O amor exige
um rosto. Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: ‘O que
é que amo quando amo você?’. Ela responderia perplexa: ‘Então, não é mim que
você ama? Você ama uma outra coisa que aparece em mim?’. Esse é um segredo que
nenhum amante sabe: ele não ama a pessoa amada. Ele ama algo misterioso que se
mostra no seu corpo.”
2. A beleza que salvará (?) o mundo é aquela
misericórdia humana que todos nós temos (acho que todos nós temos) e que se
revela portadora de significados existenciais. É aquela compaixão altruísta que
se revela pelo outro. Nesse sentido, Cristo é nosso maior exemplo, mas não só
ele, claro. Foi Jesus quem teve compaixão por uma viúva que seguia para
enterrar seu filho; de uma mulher apanhada em adultério, e até quando estava na
cruz teve misericórdia do ladrão ao seu lado.
A beleza da atitude de Cristo salvará esse
mundo do individualismo e da indiferença. Indiferença essa que mata. Como nos
lembra a Cecília Meireles:
Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, Morro, Senhor, de
indiferença.
Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa não tem eco,
na ausência imensa.
Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença para o que é
vencido e o que vença.
Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa onde o amor
equivale a ofensa.
De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu
de loucura suspensa.
Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor,
só de indiferença.
Erivan Silva
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