Filosofia, o terror e o remédio

Robert Louis Stevenson (1850-1894) é um dos meus escritores favoritos. E, da sua vasta literatura, a que mais me identifico é O Clube do Suicídio. o livro conta as aventuras vividas pelo Príncipe Florizel, também conhecido como Príncipe da Boêmia, e por seu confidente e estribeiro-mor, o Coronel Geraldine. A dupla adorava se disfarçar e se infiltrar nas diversas camadas da sociedade londrina atrás de diversão. Um dia, eles encontram um estranho homem que distribuía tortinhas e que lhes conta a triste história de sua paixão e da falta de dinheiro que o fez abandonar a amada e buscar a morte. É por meio dele que o Príncipe e o Coronel acabam conhecendo o Clube dos Suicidas, o sinistro lugar onde, mediante o pagamento de uma taxa, cavalheiros desiludidos com a vida encontrariam o fim desejado pelas mãos de outro membro do grupo. O papel de assassino e de assassinado era definido pelo presidente, que usava um simples baralho para determinar o destino dos participantes.
 O clube do Suicídio é apresentado àqueles que estão fartos da vida e não tem coragem de pôr fim a sua existência. Com essas palavras o estranho rapaz apresenta à seus recém-conhecidos o clube:
Sou incapaz de encostar uma pistola na cabeça e puxar o gatilho, porque algo mais forte do que eu me impede o gesto. E embora eu abomine a vida não tenho força suficiente em meu corpo para me entregar à morte e dar a vida por encerrada. Para aqueles como eu, e para todos os que anseiam dar adeus a este turbilhão sem um escândalo póstumo, foi criado o Clube do Suicídio.
O Clube é para os "covardes" e cansados de viver. O príncipe, em uma jogada, acaba tirando a carta fatal. "Quando o príncipe Florizel viu seu destino sobre a mesa, diante dele, seu coração parou. Era um homem corajoso, mas o suor minava de seu rosto". Sim, ele fora o perdedor do jogo, e esta perda, lhe custaria a vida. O príncipe estava apavorado. O terror lhe dominara a alma.
O estar diante da morte é o terror da vida. Se considerarmos este terror como uma doença haverá um remédio para tal? Vamos chamar esse terror de Devir. Devir é aqui entendido como o sair do nada e o aí voltar, por parte das coisas do mundo. (E. Severino 1968:13) Também chamarei esse devir de acidente, pois, a existência implica contingência.  O homem que nasceu poderia não ter nascido. Do nada veio e ao nada retorna. "Não há quem tenha vindo ao mundo por vontade sua. A vida é uma força anônima que demora até achar um nome. Por mais que tenha florido num encontro de desejos", nos dirá o filósofo brasileiro José Trindade Santos. Toda religião se apresenta como promessa salvadora; como soteriologia. Com certeza, dentre todas as religiões, a mais significativa é o cristianismo que apresenta como remédio ao terror do devir um salvador pessoal, i. é, Jesus o Cristo, sendo apresentado como um remédio ultramundano, ou seja, a espera de um novo céu e de uma nova terra e ainda, com um novo corpo (pois prega a ressurreição). Não este céu, não esta terra. Para Nietzsche, o remédio apresentado pelo cristianismo se torna veneno visto que nega a única vida que dispomos: esta vida. Portanto, na linguagem nietzschiana, cristianismo é niilismo. O remédio cristão destrói a vida. Na concepção de Nietzsche se Deus existe, o homem não pode viver. Há quem defenda que a filosofia enquanto espistéme seja um remédio ao terror da vida. "Se a fonte de todo o terror e de toda a angústia está na imprevisibilidade dos acontecimentos, o temor face ao seu surgimento, e se o remédio contra o terror é o conhecimento das suas causas, isto é,  a previsão que as antecipa, que as situa, antes ainda de terem acontecido no seio da sua Origem e da sua Causa, tornando-as assim, justamente, previsíveis, daí advém que o remédio contra o terror e a dor é sólido e seguro apenas se não consistir no conhecimento mítico, mas, no conhecimento verdadeiro, epistêmico, da Origem e do Sentido do mundo". (E. Severino 1968:14) Para este paradigma o cristianismo e/ou qualquer outra religião é um grande retorno ao mito. Para ser salvo é preciso exercer fé em um Outro. Porém, no entendimento filosófico, este Outro está além da epistéme, portanto mitológico.

(continua)

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