ÍCONES DA DECEPÇÃO


"Se loucura... Se é verdade...?"

Castro Alves


Um ícone em liguagem teológica significa um símbolo que aponta para algo além dele mesmo. O ícone, portanto, é um símbolo idealizado (fenômeno) mas não a coisa em si (numenos). Guardadas as devidas proporções, ao menos dois intelectuais se posicionavam em meu horizonte teórico, como ícones perfeitos. O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos e o filósofo brasileiro e até então ministro da pasta de Direitos Humanos Silvio Almeida.

Ambos foram para mim ícones da intelectualidade e até motivo de orgulho. Boaventura chegou a escrever um livro em parceria com a ilustre Marilena Chauí; Silvio Almeida ficou mais conhecido com a elaboração do conceito já desgastado de "racismo estrutural". Negro, diretor e presidente do Instituto Luiz Gama, Almeida era o símbolo da resistência negra; a passagem da invisibilidade para a visibilidade. Era o nosso Franz Fanon.

O horizonte foi borrado. Ícone era na verdade ídolo, ou seja um fim em si mesmo, ou, tomando ainda a liguagem metafórica religiosa: "Santo do pau ôco", termo que remete a contrabandistas para driblar o pagamento de impostos.. A duas figuras intelectuais não passavam disso "santos ôcos".

Boaventura de Sousa Santos foi denunciado por assédio sexual. À época, em 2023, houve pixações na parede da Universidade de Coimbra com os dizeres "Fora Boaventura". Um ano depois foi a vez de Silvio Almeida, igualmente acusado de assédio contra uma das ministras com quem trabalha foi demitido deixando o governo em situação vexatória para dizer o mínimo.

A palavra que me vêm à mente é decepção. Obviamente dentro de um estado democrático de direito que ambos fazem parte e inclusive defenderam em seus escritos, há a possibilidade de um julgamento justo e ampla defesa. Isso é direito inviolável deles. Porém, sendo ou não inocentes (duvido muito dada a robustez das denúncias), o desencanto já veio. Não sinto vontade de ler suas obras. É como se essa mácula contaminasse até o que escreveram. É como voltar a assistir o filme adaptado do livro Morte e vida Severina interpretado pelo ator fantástico José Dumont, e não vê ali um criminoso por manter imagens de crianças com teor sexual.

Numa tentativa de não jogar o bebê, banheira e água suja, tomarei a Navalha de Ockham como ferramenta heurística. Assim foi possível admirar a obra de Heidegger deixando de lado sua biografia nazista; me encantar com os contos de Jorge L. Borges cortando o fato de que ele defendeu a ditadura militar argentina. É preciso separa a obra do autor da obra.

O que dizer então? Que talvez estejamos diante de "Assédio estrutural"?

Apenas que a vítima sempre tem razão e que independente do colosso iconográfico, a denúncia é a pedra que derruba o gigante de pés de barro.

Caso alguma vítima esteja lendo este texto encerro com esse encorajamento: Denuncie.

Se você precisa de ajuda, ligue 0800 020 2806 e converse com alguém da equipe Me too. Você também pode entrar em contato pelo site metoobrasil.org.br





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