sexta-feira, 25 de maio de 2012

Repensando conceitos teológicos:Deus além de Deus


Quando você ora (ou reza) e pensa em Deus, o que lhe vem à mente? Certamente essa é uma pergunta difícil. Mesmo assim, ousarei dissertar sobre ela sabendo que, não chegaremos a nenhuma conclusão: o falar sobre Deus sempre permanecerá inconcluso; jamais haverá um fim. A temática que apresento nesta postagem e em outras que se seguirão estão dentro do seguinte tópico: Repensando os conceitos teológicos. Esta será minha proposta: repensar conceitos antes sedimentados pela teologia tradicional, cristalizados no tempo e que hoje, não faz o menor sentido para o homem contemporâneo. A enxurrada de livros teológicos produzida hoje em dia, não passa de um "cemitério teórico", tautológico e desprovido da vida humana. Confesso que repensar um conceito tão forte em sua carga cultural requer coragem e ousadia. Alguns mentores me ajudaram nesta mudança conceitual: Paul Tillich, para mim este foi um dos maiores teólogos do séc XX (inclusive a ideia de "Deus além de Deus" é dele). Acho que a contribuição de Tillich é imprescindível à época em que vivemos; outro grande mestre que considero responsável pela minha mudança conceitual é Ludwig Wittgenstein, o chamado filósofo da linguagem. Wittgenstein não era religioso, mas sua contribuição à linguagem religiosa é inegável. Como ele mesmo disse: "Eu não sou um homem religioso, mas não posso evitar ver cada problema a partir de um ponto de vista religioso". Soma-se a esse dueto o brilhante Vigotsky. A maior contribuição vigotskyana foi no campo pedagógico, porém sua teoria é tão ampla que poderíamos utilizá-la também no campo teológico, principalmente na questão do simbólico e construção da linguagem humana. Acredito, e isso será combustível para temas posteriores, que Vigotsky pode e deve ser usado dentro do pensamento teológico.

Deus além de Deus*

Quando Tillich declara que Deus estava além de deus, God Above God, ele deixa espaço para uma definição indefinida de Deus. Para Tillich, Deus é um ser, apesar de ser "inalcançável e de ser impossível o estabelecimento de uma relação com Ele (sic)", no sentido estrito da expressão. Para ele, Deus não é indeterminado, mas carece de definições apropriadas. Não se pode querer definir o que Deus é, o que seria não apenas uma perda de tempo, mas também um insulto a Deus. Ele diz: "No limite é um insulto à santidade divina falar a respeito de Deus como falamos de objetos cuja existência ou não existência pode ser discutida".

Ao não definir Deus, Tillich prepara o terreno para a abordagem pós-moderna, a saber, a completa indeterminação e indecidibilidade de questões como o quê ou quem de Deus. Assim como Charles Hartshorne, Tillich foi um severo crítico dos teísmos. Em a coragem de Ser, Tillich põe em questão as diferentes noções de teísmos, normalmente aceitas pela teologia em geral. Ele manifesta a coragem de expressar dúvidas sobre a existência de Deus admitindo que esta dúvida não é algo alheio ao método teológico, mas antes a uma parte intrínseca daquilo que ele denomina "fé absoluta". Ele diz: "A fé absoluta e suas consequências - a coragem necessária para a dúvida radical, a dúvida sobre Deus - transcendem, em si mesmas, a ideia teísta de Deus." Ao desafiar o teísmo em suas várias expressões, Tillich prepara o terreno para que teologias pós-modernas operassem na fissura existente entre o teísmo e o ateísmo.


* Texto de Claudio Carvalhaes - Doutorando no Union Theological Seminary de Nova York e membro do grupo de pesquisa, "Religião e Pós-modernidade" do Programa de pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.


A abordagem que Claudio Carvalhaes faz do pensamento de Paul Tillich, me faz repensar aquela pergunda inicial de nosso texto: Qual ou o quê me vem a mente quando penso em Deus? Eu entendo que hoje não sou teísta. Não posso me rotular dessa forma, visto que o teísmo objetiva Deus, algo que é um absurdo quando nos referimos ao divino/infinito. "Como é possível falar sobre o infinito usando-se uma linguagem finita, com expressões finitas, por meios finitos?"

Entendo, também, que debates religiosos não são sobre fatos e sim sobre significados subjetivos e intrínsecos. Neste sentido, Deus só é mais um significado entre outros significados com valores culturais milenares. portanto, disputas religiosas não versam realmente sobre fatos ou, pelo menos, não sobre fatos que podem ser estabelecidos, em princípio, pela observação paciente e pela experimentação. Ela abarcam discernimentos de significados na vida que podem ou não ser vistos, dependendo de fatores pessoais dos quais podemos ou não estar conscientes.

Se não sou teísta serei obrigatoriamente ateísta? De forma nenhuma. O conceito do não-Deus não cabe na existência como um todo. Talvez  eu esteja no grupo dos Agnósticos ou em uma terceira via ainda não clara o suficiente para dissertar sobre a mesma. Essa terceira via pode ser o campo das experiências com o divino que não se enquadram em nenhuma concepção objetiva. Pois Deus (o Ser-em-si real), está além de Deus (o deus pertencente a uma religião; o deus da teologia sistemática; o deus que é pregado domingo após domingo).

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A religiosidade do capitalismo


O corpo textual está no livro: Desejo mercado e religião, do Jung Mo Sung. Boa leitura.

Quando falamos da religiosidade do capitalismo é preciso ter em mente que as sociedades modernas não romperam totalmente com a visão mítico-religiosa das sociedades medievais. Na Idade Média, o Paraíso, ou a utopia, era objeto de uma esperança escatológica. Ele se localizava após a morte e o fim da história, e era fruto da intervenção divina. Na modernidade esta utopia (paraíso) foi deslocada da transcendência pós-morte para o futuro, no interior da história humana. Agora a utopia não é mais vista como fruto da intervenção divina pós-morte, mas sim fruto do progresso tecnológico. É o chamado "mito do progresso" (vide Celso Furtado). Com esse mito, desaparece a noção do limite para ações humanas e surge a ideia de que querer é poder.

Com essa transformação da noção da utopia e da ação humana, a modernidade é portadora de uma boa nova que concorre com as boas-novas religiosas tradicionais. Serge Latouche chega a afirmar que a burguesia "fundou seu poder graças ao mito da erradicação da morte em suas três formas (violenta, miserável, natural)" A civilização ocidental e o seu sistema judiciário e policial acabaram com a morte violenta; o crescimento econômico capitalista, a morte pela fome; e o avanço das ciências, a morte natural.

é dentro desse horizonte de esperança utópica, de esperança mítico-religiosa, que Fukuyama afirma que "as boas-novas chegaram". Com a derrocada do bloco socialista, segundo Fukuyama, está definitivamente provado que o sistema de mercado capitalista é o ápice da evolução da história humana e estamos a um passo de adentrar na "Terra Prometida". Por isso ele diz que chegamos ao "fim da história". Não o fim dos acontecimentos históricos, mas sim o fim de sua evolução.
               Ele diz:
                          A conquista progressiva da natureza, possibilitada pelo desenvolvimento do método científico nos séculos XVI e XVII, processou-se de acordo com certas regras definidas, determinadas, não pelo homem, mas pela natureza e pelas leis da natureza (...) A tecnologia torna possível o acúmulo ilimitado de riqueza, e portanto, da satisfação de um conjunto sempre crescente de desejos humanos.

Segundo Fukuyama, o segredo do paraíso, a satisfação de todos os desejos humanos, está no progresso infinito que possibilita a acumulação infinita de riqueza. Ele só não explica como o ser humano, que é finito, trabalhando a natureza, que também é finita, pode chegar a acumulação infinita. Aqui está o segredo do mito. A passagem do "finito" para o "infinito" sem explicação racional ou razoável. O problema é que sem essa passagem indevida o mito do progresso não se sustenta, e nem se pode afirmar que estamos chegando à Terra Prometida. Por isso que é "mítico-religioso", porque pressupõe uma fé num ser supra-humano ou numa "lei da história" também supra-humana que faça essa passagem.

 Fukuyama, como tantos outros pensadores liberais e neoliberais, credita à tecnologia essa capacidade mágica. Mas não qualquer tecnologia, e sim aquela que foi desenvolvida "de acordo com certas regras definidas, determinadas, não pelo homem, mas pela natureza e pelas leis da natureza". E qual é essa natureza que é capaz de gerar uma ciência tão poderosa?

É a mesma natureza que, segundo Fukuyama, dirigiu a evolução da história em direção ao sistema de mercado. Nesse mesmo sentido, Paul A. Samuelson, prêmio Nobel em economia, também diz que o sistema de mercado capitalista "simplesmente evoluiu e, como a natureza, está sofrendo modificações".

O sistema de mercado, o sistema de concorrência de todos contra todos, é apresentado como aquele que possibilita o progresso técnico infinito e nos possibilitará a acumulação infinita que vai satisfazer todos os nossos desejos atuais e os ainda por vir. O capitalismo é apresentado como realizador das promessas que o cristianismo fazia para após a morte. A mudança não é só no tempo, de pós-morte para o futuro intra-histórico, mas também no sujeito realizador das promessas: de Deus para o sistema capitalista.

 Diante dos problemas sociais e econômicos que persistem apesar de todos os programas de ajustes econômicos e de liberalização da economia, os defensores do atual processo de globalização da economia na perspectiva neoliberal concordam que os problemas não são oriundos do sistema de mercado, mas sim da falta de sua implementação completa. Eles têm uma fé tão forte no mercado que, diante de problemas sociais criados pelo mercado, eles propõe mais mercado para solucionar. Quando o mercado for "tudo em todos", eles acreditam que os problemas acabarão.

domingo, 6 de maio de 2012

A epistemologia do autoconhecimento introspectivo

"Não somente o vento dos acontecimentos me agita conforme o rumo de onde vem, como eu mesmo me agito e perturbo em consequência da instabilidade da posição em que esteja. Quem se examina de perto raramente se vê duas vezes no mesmo estado. Dou à minha alma ora um aspecto, ora outro, segundo o lado para o qual me volto. Se falo de mim de diversas maneiras é porque me olho de diferentes modos. Todas as contradições em mim se deparam, no fundo como na forma. Envergonhado, insolente, casto, libidinoso, tagarela, taciturno, trabalhador, requintado, engenhoso, tolo, aborrecido, complacente, mentiroso, sincero, sábio, ignorante, liberal, avarento, pródigo, assim me vejo de acordo com cada mudança que se opera em mim. E quem quer que se estude atentamente reconhecerá igualmente em si, e até em seu julgamento, essa mesma volubilidade, essa mesma discordância. Não posso aplicar a mim mesmo um juízo completo, simples, sólido, sem confusão nem mistura, nem o exprimir com uma só palavra. "

Montaigne



X-men, Kierkgaard e a (in)tolerância II

Os X-men reais


Como vimos na primeira parte dessa reflexão, os x-men representam simbolicamente uma comunidade de excluídos da sociedade, e esta por sua vez é intolerante com aqueles que são diferentes. Notamos também que os x-men lutam por um mundo mais tolerante apesar do mal e perseguição a que são submetidos.
  Poderíamos comparar os x-men com qualquer grupo que sofre repressão por sua diferença genética, escolha pessoal ou condição determinante, ou seja, são forçados a ocupar certo lugar - geralmente desfavorável - na hierarquia social. Podemos citar como exemplo:
Os negros;
Os deficientes físicos e/ou mentais;
As mulheres ( o machismo ainda é muito forte);
Os homossexuais;
Os pobres.
 Esses talvez sejam os x-men atuais.