sábado, 31 de agosto de 2013

Retratos da desgraça

Pai chorando o filho morto em um bombardeio na Síria
"Senhor Deus dos desgraçados" o que é isso? Que dor é essa que chega paralisar nosso coração nos tira o fôlego e nos lança num mar de lágrimas?
"Senhor Deus dos desgraçados" olhe para mim e se houver misericórdia, de mim tenha. Tiraram meu filho (único talvez). Porque? Ah se ele retornasse e de novo me chamasse de pai! Que impotência essa minha... Façamos um acordo Senhor Deus dos desgraçados: minha vida pela e meu filho. Façamos essa troca eu a aceito incondicionalmente...

Você já sentiu a dor do outro? Já chorou lágrimas que não eram para você? Já sentiu um aperto no coração e um nó na garganta ante a desgraça alheia? Se sua resposta for sim, então há empatia/simpatia em você. Sentir a dor do outro é sinal que ainda somos humanos. Quando choramos a dor alheia não é só a tristeza que está implícito, mas uma revolta a uma pergunta sem resposta, de uma banalidade infinita, de algo que transcende nossa mera existência... ou mesmo entendimento.

Por um momento foi assim que me senti ao ver a imagem acima. A primeira pergunta que me veio a mente foi "Que desgraça é essa?" Mergulhado em meu contexto histórico-cultural, lembrei-me que o poeta Castro Alves, em seu famoso e penoso poema O Navio Negreiro, se refere a Deus como "Deus dos desgraçados" e a Ele pergunta: "Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós Senhor Deus! Se é loucura... Se é verdade tanto horror perante os Céus..." Coincidentemente, também me perguntei: É loucura ou é verdade?

Se é loucura tudo bem. Tudo está bem justificado! Somos loucos irresponsáveis por nossos atos. Somos humanos loucos que habitam em um grande hospício chamado Terra. Se é loucura não é real. Ebaa!! É tudo fantasia (solipsismo). Mesmo a maldade é sintoma de nossa doença: A loucura.

Mas, e se for verdade?! E agora, Senhor Deus dos desgraçados? É verdade tanto horror perante os céus? Se é verdade então o peso dessa realidade me deixará, cedo ou tarde, louco. Quem me deu boas vindas a esse deserto do real? Deus, talvez o diabo? Que me importa saber? Sei sim, que é real tanto horror perante os céus e pior: tanto horror perante os céus foi feito por nós humanos. Nós que retratamos em cores vivas as desgraças alheias... Que nos resta agora? Lamentar.

Sobre a foto

Uma imagem fala mais que mil palavras. A comovente imagem acima foi uma das vencedoras do prêmio Pulitzer de jornalismo. De autoria do espanhol Manu Brabo, a foto foi feita em 3 de outubro de 2012 em Aleppo, segunda maior cidade da Síria, durante uma ação do Exército contra rebeldes que antes haviam explodido bombas. A foto mostra a monstruosa face da guerra civil na Síria.
Nos parece que imagens chocantes como essa estão se tornando comum na Síria. Recentemente a VEJA publicou uma foto  onde várias crianças sírias mortas se estendiam lado a lado. (Vide imagem abaixo)
Crianças mortas em ataque com gás










Para ver mais imagens vencedoras do prêmio Pulitzer vide https://www.pulitzer.org




sábado, 10 de agosto de 2013

Sobre felicidade

"Haverá o dia em que você não haverá de ser feliz..."  (Trecho da música FELICIDADE do Marcelo Geneci)

Assisti a uma palestra com o psicanalista Dr. Jorge Forbes. Em um primeiro momento me causou um impacto a seguinte frase: "felicidade não é bem que se mereça!" Depois tudo ficou mais claro e, até concordo plenamente com o psicanalista. Pesquisando mais sobre o assunto, encontrei o seguinte artigo escrito pelo próprio Jorge Forbes:

Ninguém merece ser feliz, ponto. Aí está uma frase provocativa. Acaba com as perspectivas daqueles
vendedores de métodos de como alcançar a maior felicidade, que perturbam a vida de todo mundo, tanto mais porque, para serem convincentes, ficam buscando lhe demonstrar como você está mal, semelhante a frentista de posto de gasolina, para quem seu carro está sempre faltando óleo. Mas não conclua rapidamente pensando que então a felicidade não existe. A frase não nega a felicidade, mas, sim, o seu merecimento, ou seja, a idéia de que felicidade seja algo que se encontra ao final de um esforço premeditado. O filósofo e jurista italiano Giorgio Agamben, em um pequeno livro chamado Profanações, se delicia com o tema afirmando: “O que podemos alcançar por nossos méritos e esforços não pode nos tornar realmente felizes. Só a magia pode fazê-lo”. É de levar Kant a se revirar em seu descanso, pois para esse pai do Iluminismo, citado pelo mesmo Agamben, a felicidade é algo destinada aos dignos de merecimento, assim: “O que em ti tende ardorosamente para a felicidade é a inclinação; o que depois submete tal inclinação à condição de que deves primeiro ser digno da felicidade é a tua razão”. De que lado ficaria a Psicanálise, em especial Freud e Lacan? Não duvidaria em responder que do lado de Agamben, mesmo contrariando os moralistas e parecendo coisa de Harry Potter essa ligação de felicidade com magia. Por que magia? Continuando nas Profanações, lemos: “Mas de uma felicidade de que podemos ser dignos, nós (ou a criança em nós) não sabemos o que fazer. É uma desgraça sermos amados por uma mulher porque o merecemos! E como é chata a felicidade que é prêmio ou recompensa por um trabalho bem feito!”. Como entender tamanho ataque ao bom senso, que questiona os princípios elementares da educação infantil? A resposta está no fato de que: “Quem é feliz não pode saber que o é; o sujeito da felicidade não é um sujeito, não tem a forma de uma consciência, mesmo que fosse a melhor”. Dois aspectos são aqui relevantes: primeiro é que felicidade não progride, nem se acumula, pois se assim fosse acabaríamos estourando em sua plenitude. Pensar então que hoje somos mais felizes que nossos antepassados é tão falso quanto o contrário, que ontem é que era bom, como insistem os saudosistas. Segundo, a felicidade se dá no acaso, no encontro, na surpresa, daí dizer que ela foge à consciência, que ela é uma magia. O curioso é que para ser feliz, para um momento feliz, pois são sempre momentos e não essências, há que se suportar a sensação de quebra de identidade que fatalmente ocorre. Razão que explica que para alcançar a felicidade é necessária uma boa dose de ousadia e coragem, e não se medir pela expectativa do que esperam de você. Felicidade é suportar o inesperado; tente.

Eu entendo que que todos estamos a espera da felicidade mas dela não podemos ser merecedores. Nas palavras do próprio Forbes "Só existe isso: felicidade do acaso." Em outras palavras ela simplesmente acontece, e se não acontecer não é uma questão de injustiça. Falando sobre amor, porém aplicável a felicidade, Forbes diz: "Não existe provas de que o amor [felicidade] seja justo." Duas frases que contribuem com essa linha de pensamento seria, a primeira do filósofo John Stuart Mill, "Pergunte-se a si próprio se você é feliz, e você deixa de sê-lo", a segunda do nosso poeta Fernando Pessoa, "Por que é que, para ser feliz, é preciso não sabê-lo?" Penso que estamos condenados ao acaso. Não existe um caminho traçado que nos conduza a felicidade. Não existe uma fórmula mágica que nos traga ou deixe feliz. É bem provável que quando você for/estiver feliz nem se dê conta e quando se der conta, deixará de sê-lo. Não faço aqui apologia a felicidade e sim ao acaso. Uma boa leitura sobre o tema é o livro Felicidade, do Eduardo Giannetti. O primeiro capítulo começa com uma pergunta que se desenrola por todo livro. "Quais as relações entre o processo civilizatório e a felicidade humana?" (pág. 19) A parti dai, quatro personagens (Leila, Otto, Alex e Melo) irão discorrer sobre o ser feliz no mundo civilizado.

Para não falar mais de algo tão complexo, cito a grande Clarice Lispector, e faço das sua palavras as minhas:

"A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas."

sábado, 29 de junho de 2013

Soneto da hora final




Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de treva aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do Segredo
Eu, calmo, te direi: - Não tenhas medo
E tu, tranquila, me dirás: - Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.

Vinicius de Moraes


sexta-feira, 21 de junho de 2013

O toque da morte

Quando ela me tocar, não me trará prazer. Nem sei que sensação me causará!
Não sentirei o calor do seu toque, senão o gelo de sue lençol.
Ela nunca me tocou; quando me tocar será só por uma vez. Por uma única vez. Não permitirei mais que isso! A natureza não permitirá.
Antes de me tocar, pode me contemplar.
Me contempla no quarto
Me deixa apavorado por tua presença.
Sua doente! Sua louca!
Olho para a porta olho para ti
Confundo entrada com saída 
Jamais saberei se estou entrando ou se estou saindo ao cruzar aquela porta.
Que importa?
Já me deixastes fascinado além de curioso
Abre, abre logo essa porta
Abre, abre, abre que eu quero passar!
Não me venhas com dó de última hora.
Tua misericórdia? Não quero...
Vem toma a minha mão
Deixa então que eu te toque e vamos sair daqui.
Morte desgraçada!
Morte vagabunda! Morre tu de dor ou de prazer, só me deixa em paz!
Não me toque! Não me toque!
Desculpe, eu estou de cabeça quente...
Falei demais...
Vamos ser amigos?
Vou pegar meu violão. Eu toco e tu canta com o vento!
vamos fazer uma música final
Uma música cuja introdução seja estribilho e conclusão.
Só usaremos acordes menores... Bem tristes!
Aliás, deixa que eu cante e morra cantando.
Tu, tu apenas tocas
Toca
toca-me
E faz de mim uma melodia
Faz da minha vida uma música
Toca
Toca em mim
Pela última vez! Antes de me levar à eternidade!

ERIVAN SILVA

O ano em que sonhamos perigosamente



Já faz algum tempo que li o livro O ANO EM QUE SONHAMOS PERIGOSAMENTE do filósofo esloveno Slavoj Ziziek. Me surpreendi ao encontrar semelhança entre seu texto e os acontecimentos repercutidos em todo território nacional. Somente para citar alguns trechos do capítulo "Inverno, primavera, verão e outono árabes":

"Quando um regime autoritário se aproxima da crise final, sua dissolução, via de regra, segue dois passos. Antes do colapso real, acontece uma misteriosa ruptura: de repente, as pessoas percebem que o jogo acabou e simplesmente deixam de sentir medo. Além de o regime perder sua legitimidade, o próprio exercício do poder é visto como uma impotente reação de pânico." (pág.71)

 E ainda:

 "O que complica mais as circunstâncias é a situação econômica, que piora rapidamente - mais cedo ou mais tarde, isso levará às ruas milhões de pobres, amplamente ausentes nos eventos da primavera, que foram dominados pela jovem classe média instruída. A nova explosão repetirá a explosão da primavera, levando-a à sua própria verdade, impondo aos sujeitos políticos a escolha cruel: quem conseguirá se tornar a força que comandará a fúria dos pobres, transformando-a em programa político?" (pág.79) 

A pergunta talvez não seja essa visto que os caroneiros políticos foram lançados do trem do movimento espontâneo social. Não há espaço para políticos ou a grande mídia; Não há um líder em especial. Acho que a melhor pergunta seria: O que acontecerá amanhã? Como essa explosão emancipadora será traduzida em uma nova ordem social?

terça-feira, 23 de abril de 2013

A beleza salvará o mundo


Que venhas lá do céu ou do inferno, que importa,
Ó beleza! Monstro ingênuo gigantesco e horrendo!
Se teu olhar, teu riso, teus pés me abrem a porta
De um infinito que amo e que jamais desvendo?

De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se és tu quem fazes - fada de olhos suaves,
Ó rainha de luz, perfume e ritmo cheia! -
Mais humano o universo e as horas menos graves?



Temos aqui, o belo, alçado ao topo dos ideais humanos glorificado no Hino à beleza de Baudelaire. Tzvetan Todorov, historiador búlgaro, cita um texto encontrado numa revista chamada Canopée: "A beleza salvará o mundo. A frase de Dostoievski nunca foi tão atual. Pois é justamente quando tantas coisas vão mal em torno de nós que é necessário falar da beleza do planeta e do humano que o habita."

Todorov, escreveu recentemente um livro: A Beleza Salvará o Mundo; seu texto nos será útil para se ter um entendimento do que significa “a beleza salvará o mundo”.

As opiniões de Dostoievski têm para nós um interesse particular pelo fato de ser ele o autor da fórmula: “A beleza salvará o mundo”; mais exatamente, essa frase aparece em duas oportunidades em seu romance O Idiota (1868), sendo atribuida por dois personagens ao herói do romance, o príncipe Míchkin; essa frase seria supostamente um condensado de sua filosofia. Mas qual é exatamente seu sentido?

A beleza em que pensa o príncipe ao formular sua máxima não é a beleza física, a de uma mulher, por exemplo, apesar de Míchkin ser muito sensível a ela. É necessário, para saber o que quer dizer essa palavra, lembrar aqui em que consiste o projeto ao qual Dostoievski se empenhou ao empreender a escrita de O Idiota. Ele a expõe assim a seu amigo Maikov: “Essa ideia é representar um homem inteiramente belo.” No dia seguinte, ele repete a sua sobrinha Sofia: “O pensamento principal do romance é representar um homem positivamente belo.” Dostoievski acrescenta essa equivalência fundadora: O belo é o ideal; ora, o ideal, o nosso ou o da Europa civilizada, está ainda longe de ser elaborado. Só existe no mundo um ser absolutamente belo, Cristo, de maneira que a aparição desse ser imensamente, infinitamente belo é certamente um infinito milagre.” (...)

Essa é, em profundidade, a moral cristã professada por Dostoievski: ela se resume ao preceito: amar a seu próximo com um amor não possessivo. “A compaixão é todo o cristianismo”, escreve nos rascunhos de O Idiota. Nisso, ele se mantém fiel aos preceitos dos Apóstolos: a Paulo, que faz do amor caridoso o fundamento da religião (“Toda lei é preenchida por essa palavra: ama o teu próximo como a ti mesmo”); a João, para quem amar a Deus não é senão amar os homens: “Deus é amor”, “Se amarmos uns aos outros, Deus estará em nós.” Tal também é, portanto, o sentido da beleza que _- talvez – salvará o mundo.

Diante do exposto, eu tiro algumas conclusões superficiais (Digo superficial, pois quando se fala sobre amor/beleza, falamos de valores subjetivos e, que por mais que nos esforcemos, jamais iremos esgotar seu “oceano” de significados; Falar de amor/beleza, é estar diante de um julgamento de valor, e isso tem um peso de significados existenciais sem limites...) Maria Lúcia de Arruda Aranha nos lembra que: “ O ser humano não é apenas razão, é também afetividade. Nenhuma formação puramente intelectual dará conta da totalidade do humano; daí a importância da arte como instrumento não só de produção e fruição estética – o que se destaca ao se pensar nos dois polos de formação do artista e do apreciador da arte -, mas de humanização propriamente dita, ou seja, a educação estética é instrumento da valorização humana integral.”

1.   A beleza que salvará o mundo (?) é a beleza de um amor não abstrato; não a um amor no invisível. Um amor que se direciona/relaciona ao que existe. Podemos dizer que, nesse sentido, ninguém ama a Deus realmente. Simplesmente porque é impossível se relacionar com Ele diretamente. Se alguém diz que ama a Deus, então faça isso amando as pessoas a sua volta; era isso que João entendia ao dizer: “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade é de Deus (...) Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade (...) Ninguém jamais viu a Deus; se nós amamos uns aos outros, Deus está em nós é perfeita a sua caridade.”

Um pequeno texto do Rubem Alves nos ajudará a entender melhor o que quero dizer: (O que amo?) “Releio as Confissões de santo Agostinho. Ele pergunta: ‘O que é que amo quando amo o meu Deus?’ Ele sabia que a simples afirmação ‘Eu amo meu Deus’ não significa coisa alguma. O amor exige um rosto. Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: ‘O que é que amo quando amo você?’. Ela responderia perplexa: ‘Então, não é mim que você ama? Você ama uma outra coisa que aparece em mim?’. Esse é um segredo que nenhum amante sabe: ele não ama a pessoa amada. Ele ama algo misterioso que se mostra no seu corpo.”

2. A beleza que salvará (?) o mundo é aquela misericórdia humana que todos nós temos (acho que todos nós temos) e que se revela portadora de significados existenciais. É aquela compaixão altruísta que se revela pelo outro. Nesse sentido, Cristo é nosso maior exemplo, mas não só ele, claro. Foi Jesus quem teve compaixão por uma viúva que seguia para enterrar seu filho; de uma mulher apanhada em adultério, e até quando estava na cruz teve misericórdia do ladrão ao seu lado.
  
A beleza da atitude de Cristo salvará esse mundo do individualismo e da indiferença. Indiferença essa que mata. Como nos lembra a Cecília Meireles:

Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, Morro, Senhor, de indiferença.
Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa não tem eco, na ausência imensa.
Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença para o que é vencido e o que vença.
Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa onde o amor equivale a ofensa.
De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu de loucura suspensa.
Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença. 

Erivan Silva


                                                 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Amor, morte e Bauman

"Põe-me como um selo sobre teu coração, como selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte..."
Cânticos dos cânticos 8.6


Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês. Seus escritos formam uma vasta contribuição para o pensamento moderno, ou, pós-moderno, como o sociólogo descreve a época atual. Penso, que Bauman contribui também para o entendimento das relações afetivas. Qual um psicanalista, assim é seu livro AMOR LÍQUIDO. Dada a importância do trabalho, transcrevi e parafraseei parte de um texto:

Citando Ivan Klima, Bauman diz que "poucas coisas parecem tanto com a morte quanto o amor realizado". (...) Cada um deles nasce, ou renasce, no próprio momento em que surge, sempre a partir do nada, da escuridão do não ser sem passado nem futuro; começa sempre do começo, desnudando o caráter supérfluo das tramas passadas e a futilidade dos enredos futuros.

Tal como o rio de Heráclito, amor ou/e morte não podem ser penetrados duas vezes.

Amor e morte. Parentesco, afinidade, elos causais são traços da individualidade e/ou do convívio humanos. O amor e a morte não têm história própria. São eventos que ocorrem no tempo humano, eventos distintos, não conectados com eventos "similares", a não ser na visão de instituições ávidas por identificar (inventar) retrospectivamente essas conexões e compreender o incompreensível.

Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. E não se pode aprender a arte ilusória (inexistente, embora ardentemente desejada) de evitar suas garras e ficar fora de sue caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão - mas não se tem a mínima ideia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido. (Sempre estaremos desprevenidos à morte/amor). Em nossas preocupações diárias, o amor e a morte aparecerão ab nihilo - a partir do nada. Evidentemente, todos nós tendemos a nos esforçar muito para extrair alguma experiência desse fato; tentamos estabelecer seus antecedentes, apresentar o princípio infalível de um post hoc como se fosse um propter hoc, construir uma linhagem que "faça sentido", e na maioria das vezes obtemos sucesso. Precisamos desse sucesso pelo conforto espiritual que ele nops trás: faz ressurgir, ainda que de forma circular, a fé na regularidade do mundo e na previsibilidade dos eventos, indispensáveis para a nossa saúde mental.

No caso da morte, o aprendizado se restringe de fato à experiência de outras pessoas, e portanto constitui uma ilusão in extremis. A experiência alheia não pode ser verdadeiramente aprendida como tal; não é possível distinguir, no produto final da descoberta do objeto, entre o Erlebnis original e a contribuição criativa trazida pela capacidade da imaginação do sujeito. A experiência dos outros só pode ser conhecida como história manipulada e interpretada daquilo que eles passaram. No mundo real, tal como nos desenhos de Tom & Jerry, talvez alguns gatos tenham sete vidas ou até mais, e talvez alguns convertidos possam acreditar na ressurreição - mas permanece o fato de que a morte, assim como o nascimento, só ocorre uma vez. Não há como aprender a "fazer certo na próxima oportunidade" com um evento que jamais voltaremos a vivenciar.


Antes do suicídio, já estou morto

Tem gente que vai me perdendo, me deixando escapar. Aí eu vou percebendo que nunca fiz tanta diferença e que a importância que eu pensava ter, na verdade, nunca existiu! Eu vou percebendo que sua mão não mais me sustentava... Não tinha mais sentido tuas palavras; não nos meus ouvidos. Fui percebendo que não tinha mais calor e que teus olhos não mais brilhavam quando me viam... Eu te contemplava com ternura enquanto  dormias. Ficava horas ao teu lado. Acordado, pensava: com o que estás a sonhar? 
Realmente eu nunca soube responder:
Era eu que te perdia ou a perda seria tua? Quem matou quem dentro de quem?
Não sei!
Só sei que antes de morrer, eu já estava morto!!

Erivan


terça-feira, 16 de abril de 2013

Nada, ou um pouco menos?

Desde o começo do mês iniciei a leitura do livro Menos que nada (Ed. Boitempo) do filósofo esloveno Slavoj Zizek. Hoje, me encontrei rindo sozinho sobre uma anedota que  Zizek relata logo na introdução do livro:

"Lembremo-nos da velha piada judaica, tão cara a Derrida, sobre um grupo de judeus que admite publicamente, em uma sinagoga, sua nulidade aos olhos de Deus. Primeiro, um rabino se levanta e diz: 'Ó Deus, sei que sou inútil, não sou nada!'. Quando o rabino termina, um rico comerciante se levanta e, batendo no peito, diz: 'Ó Deus, também sou inútil, obcecado pela riqueza material, não sou nada!'. Depois desse espetáculo, um pobre judeu do povo também também se levanta e proclama: 'Ó Deus, não sou nada...'. O rico comerciante cutuca o rabino e sussurra no ouvido dele, com desdém: 'Que insolência! Quem é esse sujeito que ousa afirmar que também não é nada?!'. De fato, é preciso ser alguma coisa para alcançar o puro nada..."

Lendo isso eu pensei cá comigo: Ó Deus, eu não sou nada... Ou um pouco menos!


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Pura Hipocrisia

José Comblin
"Nunca se falou tanto de solidariedade com tamanha hipocrisia. O discurso político atual é pura hipocrisia, muito mais do que antes, porque se trata de uma hipocrisia sistemática, montada com todos os meios técnicos da comunicação. Estamos na época da hipocrisia tecnológica e científica, onde se vive uma mentira cientificamente elaborada. Não há mais nada de ingenuidade. Todo discurso é fabricado."

José Comblin


domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Invenção do Dispensacionalismo



Existe um pensamento dominante no meio teológico evangélico (bem difundido em pregações, aulas de escola dominical, filmes, séries, livros...) de que Deus estabeleceu um plano para a humanidade. Um plano de redenção que foi dividido em sete dispensações sendo estas: 1)Inocência, 2) Consciência, 3) Governo Humano, 4) Patriarcal, 5) Lei, 6) Graça e 7) o Milênio. Esse pensamento teológico dominante já está tão enraizado no imaginário popular que muitos pensam tratar-se de uma doutrina absoluta. Há até um mapa chamado de O Plano Divino Através dos Séculos que trata cronologicamente dos acontecimentos vindouros.

Nosso objetivo aqui é mostrar que tal pensamento além de não ser bíblico é produto de determinada cultura e tempo específicos. Sendo assim, uma criação totalmente humana, i.é, produto da imaginação de alguém. Veremos quem é esse alguém especificamente, e como se iniciou essa ideia tão difundida hoje. Para isso, reproduzo abaixo, um texto de cunho histórico relevante encontrado na íntegra no livro Em Nome de Deus,  da inglesa Karen Armstrong. Diz Karen:

O gênero secular da guerra futura que fascinava os europeus não seduzia os americanos mais religiosos. Ao contrário, alguns se interessavam como nunca por escatologia, sonhando com um embate final entre Deus e Satã que daria o merecido fim a uma sociedade má.

Aqui, Karen nos lembra, ou sugere, que esse pensamento teleológico era inicialmente uma fuga e concomitantemente uma resposta a uma sociedade que cada vez mais se apegava a ciência-tecnologia e mais se afastavam de Deus. Lembrando que é justamente nesse período que a ateologia ganha força como nunca antes na história humana.

Continua Karen:

A nova crença apocalípca que se arraigou nos EStados Unidos ao terminar o século XIX recebeu o nome de Pré-milenarismo, porque sustentava que Cristo voltaria à Terra antes de fundar seu reino de mil anos. (O Pós-milenarismo do Iluminismo, mais antigo e mais otimista, ainda cultivado por protestantes liberais, imaginava os homens inaugurando o Reino de Deus por seus próprios esforços: Cristo só retornaria depois de estabelecer-se o milênio.) Quem pregou o pré-milenarismo aos americanos foi o inglês John Nelson Darby (1800-82), que encontrou poucos seguidores em sua terra, mas realizou seis triunfantes excursões pelos Estados Unidos entre 1859 e 1877. A seu ver o mundo moderno nada tinha de bom e caminhava velozmente para a destruição. Ao invés de se tornar mais virtuosa, como esperavam os pensadores do iluminismo, a humanidade se depravava de tal maneira que Deus logo seria forçado a interferir, infringindo-lhe sofrimento indizíveis. Mas os cristãos fiéis emergiriam triunfantes dessa provação e desfrutariam a vitória final de Cristo e seu Reino glorioso.

Darby não procurou significado místico na Bíblia, que em sua opinião era um documento contendo a verdade literal. Os profetas e o autor do Livro do Apocalipse não se expressaram por meio de símbolos, mas fizeram predições que logo se revelariam absolutamente exatas. (...) Darby dividiu a história da salvação em sete épocas ou dispensações - uma divisão baseada na leitura meticulosa das Escrituras. Cada dispensação chega ao fim quando os seres humanos se tornam tão malvados que Deus tem de puni-los. As dispensações anteriores terminaram com catástrofes como a Queda, o Dilúvio e a Crucificação de Cristo. Agora os homens estavam na sexta, ou penúltima, dispensação, que Deus encerraria em breve com um desastre pavoroso, sem precedentes. O Anticristo, o falso redentor cuja vinda são Paulo predisse, enganaria o mundo com seu falaz encanto, iludiria a todos e infligiria à humanidade um período de tribulação. Durante sete anos guerrearia, massacraria incontáveis criaturas e perseguiria todos os seus opositores. Então Jesus desceria à terra, derrotaria o Anticristo, travaria a batalha decisiva com Satã  e as força do mal na planície de Armagedon, nos arredores de Jerusalém, e inauguraria a Sétima dispensação, reinando por mil anos, até o juízo final concluir a história. Trata-se de uma versão religiosa da fantasia europeia da guerra futura, segundo a qual o verdadeiro progresso seria inseparável do conflito e da devastação quase total. Não obstante seu sonho de redenção divina e bem aventurança milenar, essa é uma visão niilista, exprimindo o desejo de morte do homem moderno. Os cristãos imaginavam a extinção final da sociedade moderna com detalhes obsessivos e ansiavam morbidamente por ela.

Há porém, uma diferença importante. Na fantasia europeia a provação da próxima grande guerra afetaria a todos; na versão de Darby os eleitos se salvariam. Com base numa passagem de são Paulo, na qual os cristãos vivos por ocasião da Segunda vinda de Cristo seriam “arrebatados sobre as nuvens [...] para encontrar com o Senhor nos ares”, Darby assegurou que, pouco antes de iniciar-se a Tribulação, haveria um arrebatamento dos cristãos renascidos, que seriam levados para o céu e, assim, escapariam dos terríveis sofrimentos dos Últimos Dias. Os pré-milenaristas imaginam o arrebatamento em detalhes concretos e prosaicos. Estão convencidos de que aviões, carros e trens se espatifarão de repente e pilotos, motoristas e maquinistas renascerão e serão carregados pelos ares. Bolças de valores e governos cairão. Os que ficarem compreenderão que estão condenados e que os verdadeiros crentes sempre estiveram certos. Esses infelizes não só terão de suportar a Tribulação, como saberão que estão destinados a danação eterna. O pré-milenarismo é uma fantasia de revanche, com os eleitos assistindo aos sofrimentos dos que zombaram de suas crenças, ignoraram, ridicularizaram e marginalizaram sua fé e agora, tarde demais, reconhecem o próprio erro. Uma gravura popular, encontrada na casa de muitos fundamentalistas protestantes, mostra um homem cortando a grama e vendo sua esposa renascida ser arrebatada de uma janela do primeiro andar. Como muitas imagens concretas de eventos míticos, a cena parece meio absurda, mas sua suposta realidade é cruel, divisória e trágica.

Ironicamente o pré-milenarismo tinha mais pontos em comum com as filosofias seculares que desprezava do que com  a verdadeira mitologia religiosa. Hegel, Marx e Darwin acreditavam que a evolução resultava do conflito. Marx também dividiu a história em diferentes eras, culminando numa utopia. Os geólogos descobriram as sucessivas épocas do desenvolvimento da Terra nos estratos da fauna e flora fossilizadas em rochas e penhascos e alguns achavam que cada época terminaria em catástrofe. Por bizarro que pareça, o programa pré-milenarista estava em sintonia com o pensamento científico do século XIX. Também era moderno em seu literalismo e em sua democracia. Não continha significados ocultos ou simbolismos acessíveis apenas a uma elite de místicos. Todos os cristãos, por mais rudimentar que fosse sua instrução, podia descobrir a verdade, revelada claramente na Bíblia. Sob esse prisma as Escrituras querem dizer exatamente o que dizem: um milênio compreende dez séculos; 485 anos são 485 anos; ao falar de Israel, os profetas não se referem à Igreja, mas aos judeus; se o autor do Apocalipse prevê uma batalha entre Jesus e Satã na planície de Armagedon, nos arredores de Jerusalém, é exatamente isso que vai acontecer. A leitura pré-milenarista da Bíblia  se torna ainda mais fácil para o cristão médio após a publicação de The Scofield Reference Bible (1909), um best-seler imediato. C.I. Scofield explica a divisão da história da salvação feita por Darby em notas detalhadas que acompanham o texto bíblico e que para muitos fundamentalistas têm quase tanta autoridade quanto o próprio texto.

O texto da Karen dispensa qualquer comentário a respeito de como esse pensamento escatológico e teleológico foi produto da construção do seu tempo. Vimos com Darby corporificou sua doutrina e esta encontrou guarida na Bíblia de estudo Scofield. José de Oliveira, autor do livro Breve História do Movimento Pentecostal (CPAD), diz: “Nesse contexto, Darby foi radicalmente diferente. Segundo seu entendimento, a história bíblica foi dividida em sete dispensações (...) As doutrinas escatológicas, como o “Arrebatamento da Igreja”, hoje aceitas pelo Movimento Pentecostal, foram definidas por Darby. (Pág. 36). Alguns teólogos norte americanos foram responsáveis pela introdução de todo esse pensamento imaginário na América Latina, entre eles destacamos: Tim Lahaye, autor da série Deixados Para Trás; Dave Hunt, autor de vários livros publicados no Brasil, entre eles o best-seler Quanto Tempo nos Resta?; Lawrence Olson, escreveu o livro O Plano Divino Através dos Séculos, publicado pela CPAD acompanha um mapa detalhado sobre todos os acontecimentos finais; Stanley Horton, este, além de ter escrito vários livros voltados para o tema escatológico, é um dos autores da Bíblia de Estudo Pentecostal. Poderíamos citar vários outros autores norte americanos mas acredito que estes nos são suficientes como exemplo. Também há muitos autores brasileiros cuja influência da teologia norte americana é bastante evidente. Citando somente os dois principais: Severino Pedro, profícuo autor da temática escatológica tem vários livros publicados pela CPAD, entre eles Apocalipse Versículo por Versículo, Daniel Versículo por Versículo entre outros; Antônio Gilberto, também têm várias publicações pela CPAD.

Com isso não quero dizer que essas predições não irão acontecer (embora, eu pense que seja diferente de tudo que é imaginado e escrito pelos estudiosos. Tudo, não passa de especulação humana que nada têm de revelação divina).

Me posiciono contra o dispensaciolismo pela sua arrogância em afirmar que tal fato acontecerá absolutamente com certeza. Me posiciono contra, pela seu “espírito” de vingança que nutre contra todos que lhe são contrário e pensam diferente e, principalmente por sua fantasia. Descolada de um estudo sério mais parece um drama da mais pura ficção humana.