terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Novos rumos teológicos e existenciais


Novos rumos teológicos e existenciais


O texto que segue foi escrito num período de transição intelectual no final de 2012. Foi um período onde eu estava abandonando gradativamente a religião e abraçando, em um primeiro momento o agnosticismo e, depois, o ateísmo. Hoje, mesmo sendo declaradamente ateu, não me fechei nem me fecharei as perspectivas religiosas. (Vide P.S.)


Estou seguindo em frente. Não sei se estou evoluindo (ou involuindo quem sabe). Sei que trilho novos caminhos teológicos e, me parece, que a cada passo que dou a estrada atrás de mim se desfaz: deixa de existir como possibilidade de retorno. Ela permanece apenas como memória viva... Cada ponte que cruzo é destruída logo após a minha passagem.

Deixei minha casa segura, confortável... Trilho só por caminhos ora estranhos ora familiares. Às vezes dá medo. Dá frio. As possibilidades de caminhos alternativos são infinitas. Porém eu me sinto livre: apesar da angústia. É importante não converter o medo da liberdade em medo de Deus, pois, como escreveu Torres Queiruga “[...] Tudo se transforma. A promessa converte-se em ameaça, o chamado em imposição, a existência em castigo, o Evangelho em lei.”

Durante o tempo em que me classificava como fundamentalista pentecostal, enxergava tudo muito claramente. Era tudo muito simples  "Me lembro de como tudo era simples eu via assim" (Oficina g3). Eu cresci, e, como Paulo, deixei as coisas de criança.

Toda transição é dolorosa e não é fácil. Toda mudança tem seu quinhão de dor e sentimento de desolação. Desfazer ou rever conceitos tão ardentemente defendidos outrora, é como deixar de ser você mesmo. É como amputar parte de seu corpo, e com isso, vez ou outra, vem a nostalgia. Nunca o retorno. Quando abrimos mão de um conceito para abraçarmos o novo ou nada, o retorno seria catastrófico. E a perda da identidade seria mais acentuada. O caminho da volta é simplesmente impossível. Não posso simplesmente me levantar e ir "ter com o meu pai", nem sei se Ele se encontra lá; não posso mais voltar à casa aconchegante do fundamentalismo, sendo que para mim ela há muito deixou de existir; não posso mais me classificar como pentecostal porque meu coração não é, e minha mente não crer... Não tenho mais fé para isso. Meus rumos teológicos agora são outros.

Sei que nessa caminhada estou mais só que acompanhado. A caminhada é dura e árdua e eu nem sei se vale ou valerá a pena. Eu rompi com os meus próprios limites de pensamento, e agora pago o preço por isso. Pago o preço por viver em minha própria época. Pago o preço por existir e nessa existência segui um certo realismo que, nas palavras de Lin Yutang: "Significa, se assim podemos dizer, segurar a vida pelo pescoço, por medo a que as asas da imaginação a arrebatem para um mundo imaginário e possivelmente belo, mas irreal." Acho que consegui segurar a "vida pelo pescoço" e a fiz permanecer na realidade. Talvez feia, mas real. Isso fez com que eu me classificasse por um lado como existencialista, embora eu não seja só isso, pois me considere acima de rótulos.

É importante ressaltar que ainda não cheguei a lugar algum. Ainda estou no processo de transição, e este processo é extremamente lento; pode durar a vida inteira; não acontece da noite para o dia.

Uma pergunta se faz gritante a este ponto: quais são pois os rumos tomados? Ainda não estão claros, porém a teologia liberal de viés alemão é um ótimo indicativo. Leia Tillich, Barth, Bultmann e imagine que seus livros tenham sido escritos por mim. Eles (mas não só eles. A teologia latinoamericana tem ganhado minha atenção) são um indicativo dos novos rumos que estou trilhando.

Pratico um cristianismo sem religião. Assim como Vahanian, vejo a religiosidade como o real inimigo da fé cristã. Citando Bultmann: "O cristianismo degenerou em religiosidade e, dessa forma, condenou-se à ruína, porque não captou o problema de estabelecer a correlação entre a verdade da fé cristã e as verdades empíricas, em meio às quais transcorre a vida humana. Foi esquecida a polaridade que existe entre a responsabilidade do ser humano diante de Deus e seu envolvimento no mundo". Sigo sem influências divinas ou satânicas. Abraço a vida humana, com seus problemas humanos e soluções igualmente humanas. Não volto minhas costas para o mundo pois o mundo faz parte de mim. Bultmann nos diz ainda o seguinte: " (...) a relação do ser humano com Deus não é uma relação especificamente religiosa, na qual o ser humano volte as costas para o mundo." E, prossegue: "Não há fuga do mundo para um além, mas Deus vem ao nosso encontro no aquém. O que importa é entender esse paradoxo, o que, em última análise, não acontece na reflexão teológica, mas na vida real, na existência". Lembremos pois que Nietzsche, também, combatia essa metafísica. Toda questão em torno do cristianismo e de Cristo gira em torno de se apostar em um outro mundo, em uma outra vida, em detrimento desta vida, deste mundo. Seu grande objetivo é a um só tempo, uma denúncia contra tipos cristãos e uma incessante pugna contra a metafísica que faz do platonismo um cristianismo para o povo, evocando, para isso, o além. Eu penso em uma teologia que parte do humano/mundo para o divino e não ao contrário. Teologia não é revelação divina. Teologia é aspiração humana, nascida num contexto humano, portanto, no mundo. Tudo que nós pensamos/criamos é a partir daqui (mundo) nunca dali (Céu, ou outra existência). Isso inclui tudo o que pensamos sobre Deus – teologia – é gerada no mundo. Todo nosso pensamento sobre Deus parte de nós para Ele. Então, meus novos rumos teológicos partem de experiências humanas. Entendo que as doutrinas foram elaboradas pelos anseios humanos, e que Deus se parece mais conosco do que nós com Ele. Algumas doutrinas, se não todas, devem ser repensadas e é justamente isso que tenho feito e escrito ultimamente.

1. Meus novos rumos exigem uma nova imagem de Deus. Um Deus de cultura judaica jamais poderá ser entendido, sequer aceito no mundo pluricultural de hoje. Parafraseando Queiruga: a imagem que nos chega de Deus vem de um molde cultural que pertence a um passado que em grande parte já se tornou caduco. Quem hoje em dia estaria disposto a sacrificar (matar) seu próprio filho a mando de Deus como fez Abraão? O Deus com face judaica exigia sacrifícios de animais para perdoar pecados, ou seja, exigia sangue pois, constantemente vivia irado. Pergunta: qual cristão sincero sacrificaria um bode  a Deus? Fica claro que esse Deus tribal outrora aceito não faz o mínimo sentido hoje. “Libertar” Deus das amarras judaicas já é um bom começo, uma boa proposta. Penso que Deus não é um iconoclasta cultural. Deus é aceito ou rejeitado na cultura de cada povo sem haver obrigatoriamente a destruição desta.

2. Meus novos rumos tomados exigem uma nova imagem do cristianismo. Isso implica em libertar a sociedade de um certo cristianismo convencional, doente e que pouco, para não dizer nada, contribui para a humanidade (amor, tolerância...) C.S. Lewis escreveu um livro cujo título é Cristianismo puro e simples, ele que me perdoe mas a imagem do cristianismo atual é muito impura e complicada. Nada tem de puro ou simples. Quando falamos em cristianismo subentendemos a figura de Cristo; essa figura, muito ou pouco, tem sido manipulada pela teologia particular de cada época bem como pela crença individual transformada em pregação; pregação esta, que alimenta milhares de fiéis todos os domingos. Assim como Bultmann, acredito que não se pode resgatar o Jesus histórico. Bultmann jamais duvidou que podemos obter uma imagem suficientemente clara do ensino e, portanto, das intenções e da obra de Jesus. O que contesta é que nós possamos reconstruir a vida de Jesus e uma imagem de sua personalidade, nos moldes tentados pela teologia liberal. Porque nem o próprio Jesus nem os seus primeiros adeptos pensaram que a salvação reside nas personalidades; por essa razão, a tradição cristã não se interessou pela personalidade “Jesus”. Seu interesse estava voltado para a obra, de Jesus, que atuava por meio de sua palavra, e esse é justamente o interesse que orienta o próprio Bultmann. Seguindo no mesmo pensamento bultniano, entendo que evangelho não é a pregação do próprio Jesus, mas a posterior pregação de Jesus como crucificado e ressurreto. A pessoa de Jesus Cristo é conteúdo do querigma somente como proclamado, não como proclamador. Esse “Jesus” que é pregado (querigma) domingo pós domingo tem mais haver com a personalidade do pregador do que com o Jesus real. Não reprovo isso, sendo que só podemos conhecer o Jesus pregado/proclamado e nunca o Jesus histórico. Na experiência humana encontramos uma linguagem forte o suficiente para entendermos Deus e seu Cristo de forma mais clara. É bem provável que isso seja um pecado hermenêutico na leitura bíblica, porém não vejo outro meio de se fazê-lo; toda pregação é um pecado hermenêutico; todo escrito sobre o Cristo, idem. A projeção de nossos sentimentos, expressões devocionais e mesmo nossa carga cultural, será o indicativo de nossa interpretação e aplicação da Palavra de Deus. Para haver uma nova imagem do cristianismo partamos inicialmente da nossa cristologia; esta cristologia determina qual imagem temos do nosso cristianismo. É importante separar o Jesus da fé do Jesus da história. Este, só é entendido em seu próprio contexto histórico e é absolutamente irresgatável, pois o abismo histórico é intransponível (ninguém poderá voltar ao passado). O que temos são versões sobre Jesus. Uma imagem pintada por cada historiador que, na realidade, reflete sua própria personalidade; aquele (Jesus da fé) continua bem vivo no coração dos crentes. Está no campo das experiências. É nessa experiência que recebemos o “Cristo total”. Nessa genuína experiência cristã, “o cristão não se encontra submetido a uma espécie de exigência tirânica, obrigado a cumprir, no limite de suas forças, alguns mandamentos alheios a seu ser (Heteronomia) O que lhe é pedido consiste, justamente, no que previamente é oferecido a ele: intimamente transformado e elevado a um nível mais alto de existência, o imperativo constitui na realidade, para o cristão, o chamado a ser o que é: a ser livre e pessoalmente o que real e onticamente já é pela graça” (QUEIRUGA). Os dados exigem o fim do cristianismo convencional, e como promessa: um cristianismo mais livre, pessoal e que afirme a humanidade e dignidade de todo ser humano, tomando como modelo a pessoa e obra de Cristo (o Jesus da fé). É através do Jesus querigmático (fé/proclamado) que encarnamos seu amor, suas obras, sua vida... “Aquele que está em mim dá muito fruto”, isso é trilhado pelo caminho da fé “que vem pelo ouvir” e não pelo academicismo teológico. Se houvesse a possibilidade de resgatar o Jesus histórico, provavelmente o Jesus da fé não existiria. I. é, não faria sentido. O Jesus da fé é aquele que não é “capturado” pelas lentes conceituais seja filosófica (ontologia), seja teológica (cristologia). O Jesus da fé está na simbologia ritual da ceia onde o pão é o seu corpo e o vinho seu sangue; é em seu nome que oram, pois entendem que seu corpo místico está onde “estiver dois ou três”. Todo o cristianismo deve ser retratado a partir dessa imagem de Jesus.

3. Adotar novos rumos exige toda uma reforma teológica. É fato que a metodologia teológica atual é saturada de informações indigeríveis. Informa mas não forma. Penso que a teologia atual – leia-se a teologia sistemática – perdeu todo o seu propósito e nada de real tem a dizer aos anseios humanos. Quando certa pessoa encara a empreitada de escrever uma teologia sistemática, qual a sua intenção? Qual a contribuição para o pensamento cristão? Em que um novo compêndio teológico é melhor ou pior que outro? Tudo que a teologia sistemática produz no leitor atual, é enfado e canseira, ou mesmo perca de tempo. Quem estaria disposto a ler a Teologia Sistemática do Charles Hodge? Quando falo de uma reforma teológica não quero dizer que se deva escrever mais livros de teologia, mas, menos. De teologia estamos cheios. O que inicialmente podemos propor é uma releitura dos conceitos doutrinais. Eis alguns que exigem mais pressa de serem revistos: Pecado Original; Inferno; Deus; Escatologia. Nos próximos escritos, tentarei abordar alguns deles (re)conceituando quando possível e, como ensaio propor o diálogo.

Nesses novos rumos tomados não quero seguidores (optei por não ser pastor nem rebanho). Só quero expor o que entendo ser “novos rumos teológicos e existenciais”.

Erivan Silva




P. S.
24/03/2016

Desde que escrevi o texto acima muita coisa se passou. E, obviamente não sou a mesma pessoa. Pelo menos não com os mesmos pensamentos. Hoje, mesmo me declarando ateu não me fechei totalmente à teologia. Sigo um conselho do Jürgen Habermas que diz que é razoável manter uma certa distância da religião, sem se fechar totalmente às suas perspectivas. Me divorciei da teologia mas vez ou outra ainda passo na sua casa, mesmo namorando seriamente com a filosofia. Alguém pode se perguntar: Como alguém que se declara ateu ainda flerta com a religião? A resposta é bem simples: primeiro, não é possível se fechar na redoma filosófica sem levar em consideração os sistemas das crenças. Lembro-me do Reale que diz que pode filosofar a favor da religião, com a religião ou contra a religião, nunca como se ela jamais houvesse existido. Por esse motivo prefiro deixar a porta da teologia aberta, polo menos aberta ao diálogo. Segundo, se fechar contra a religião seria uma extrema ignorância. Por mais ateu que seja seria insustentável a seguinte afirmação: "eu sei que Deus não existe". De igual modo seria insustentável "eu sei que Deus existe". Se aceitamos que o saber é empírico, logo afirmações desse tipo não faz o mínimo sentido. Acredito piamente que não há nada do outro lado, mas não sei. Se o crente soubesse e provasse que Deus existe não haveria o ateísmo; de igual modo se os cientistas soubessem que não há Deus algum simplesmente provariam empiricamente. Deus e suas manifestações religiosas não foram superadas, e ainda é objeto das mais diversas reflexões seja filosófica, sociológica, antropológica etc. Por isso não abro mão do diálogo inter-religioso, multi-religioso e trans-religioso. A reflexão não pode se prender a um campo específico. Não pode se fechar. Caso contrário não haverá diálogo algum e logo, não haverá conhecimento.

Erivan silva




terça-feira, 27 de novembro de 2012

Deus está no controle?


Deus está no controle?
         
Imagine por um só instante que você é Deus e está olhando para a Terra que você criou; está olhando para a humanidade. O que exatamente você vê? Com certeza a visão não é das melhores. Você veria um mundo com fome. Dados da OMS indica que a cada 5 segundos uma criança de menos de dez anos morre de inanição; você veria pessoas no Haiti comendo bolachas de barro; você veria pessoas, aos milhares, com os olhos marejados em lágrimas com a marca do sofrimento. Sofrimento por não ter o que comer; sofrimento por ver seus filhos/pais/avôs morrerem de fome ou por consequência dela. Pessoas humilhadas, desprezadas pelo sistema. Você veria um mundo violento. Um mundo que sempre respirou a guerra, isso desde o começo da humanidade. Guerras civis, religiosas... Veria um mundo que nunca conheceu a paz. Um mundo que passou por duas guerras mundiais matando ao todo, mais de 80 milhões de pessoas. Altos índices de homicídios, mulheres sendo espancadas por seus companheiros; mulheres estupradas. Crianças sendo abusadas sexualmente, muitas vezes por seus próprios parentes. Não faz muito tempo, deu entrada no PS uma criança com apenas seis meses de idade que foi barbaramente violentada... Você também veria isso. Crianças espancadas, abandonadas, vendidas, excluídas; muitas criadas sem pai ou sem mãe ou sem ambos. Você veria um mundo predatório.  Neste caso os animais são as vítimas e meio ambiente sofre. Você daria uma olhada em um mundo doente, com seus hospitais lotados de pessoas morrendo a cada segundo de uma variedade infinita de doenças. No hospital do câncer centenas de pessoas gritando de dor esperando uma dose de morfina para aliviar. Veja o mundo como um todo Senhor Deus. Veja milhares com diabetes, aids, hipertensão, cólera... Milhares que nasceram com deficiências físicas ou genéticas: síndrome de down, membros atrofiados, pessoas esquizofrênicas, autistas... Você iria na AACC (Associação de Apoio a Criança com Câncer)? Lá, centenas de crianças desde o nascimento até a adolescência sofrendo com os mais variados tipos de câncer: na língua, nos olhos, na garganta, nos órgãos genitais, no estômago, tumor na cabeça... crianças que nem começaram a viver já estão desenganadas pela medicina; criança que não vão crescer, irão morrer antes, antes de serem pais, mães. Crianças que nem sequer podem brincar. A dor ou a deficiência não deixa... Se você olhasse com mais precisão veria ainda a lepra, os asilos cheios de velhos carcomidos usando fraudas geriátricas esperando sua vez de morrer pois a muito foram abandonados pelos filhos e parentes; veria os manicômios com centenas de loucos sujos de fezes, babando e gritando num pandemônio generalizado.

Em frente a este breve quadro eu lhe perguntaria: Você está no controle? Deus está no controle do mundo?

É preciso repensar esse suposto "Deus está no controle". Essa é uma frase piegas falada em ambientes religiosos como resposta simplista a um problema humanamente insolúvel. É uma frase pronunciada sem a mínima responsabilidade. Será mesmo que Deus está no controle? Pergunte isso a uma mulher que foi estuprada e agora está grávida. Diga a ela que isso foi parte do "plano de Deus".

O entendimento é simples: Deus criou o mundo. Isso é fato. Nos entregou o mundo criado em nossas mãos. A pergunta é: o que estamos fazendo com o mundo que Deus nos confiou? O descontrole do mundo não faz parte do plano de Deus. Deus nos deu a liberdade; o descontrole do mundo é produto da nossa escolha e, digamos, da nossa má gestação. Em última instância é o homem que promove guerra, mata, destrói o meio ambiente... A ação geralmente é absolutamente humana. Deus não tem nada a ver com isso.

O fato de acreditarmos que Deus irá triunfar no futuro não quer dizer que Ele tenha o controle de tudo agora. Se acreditarmos nisso - que Deus está no controle - então, em última instância, devemos acreditar que Deus é responsável por todo esse mau acima descrito; então somos obrigados a acreditar que tudo faz parte do plano de Deus: o avião que caiu, o moço que se matou, a recém nascida que foi violentada pelo pai... Ora isso é um absurdo! Eu posso com certeza afirmar que Deus está com o sofredor mas não é Ele quem produz o sofrimento. É um equívoco afirmar: "quem não vem pelo amor vem pela dor" Deus não quer pessoas que o sirvam só porque estão sofrendo. Isso gera a ideia de um deus sádico e masoquista. Deus me livre desse deus.
Certa vez fui na Oficina de ideias cujo tema do debate era: Pensamentos sobre Deus e sobre suas intervenções no mundo. Em um dado momento lemos um texto do teólogo católico José Comblin. Vale a pena reproduzi-lo aqui:

O ser humano participa da divindade no sentido que é feito livre como Deus é livre. Para que a pessoa seja livre, Deus renuncia ao seu poder. Entrega o poder ao ser humano - juntamente com toda a criação - para que ele construa a sua vida com toda liberdade. Deus se retira para não se impor. A sua presença no mundo manifesta-se na vida e na morte de jesus. Deus fez-se um crucificado para que o ser humano fosse inteiramente livre. Esta liberdade pode ser para o bem e para o mal. Não há liberdade se não houver possibilidade de escolha.

O desejo de muitos é que Deus nos retire a liberdade e governe o mundo ele próprio com seu poder divino. Somente assim haveria paz e justiça na terra. Não haveria mais malfeitores nem gurras e destruições. No entanto, Deus escolhe outro caminho. Quando orações são feitas pedindo que Deus venha estabelecer a paz e a justiça. Mas essas orações permanecem sem resposta, uma vez que a resposta já foi dada. A paz e a justiça são nossa responsabilidade. Somos uma humanidade livre chamada a se fazer por si mesma. [...]

Na liberdade há aspectos trágicos. Ao lado dos que constroem, há os que destroem. Ao lado das pessoas que procuram a vida, há as que procuram a morte. Deus fez uma aposta: acreditou na capacidade de liberdade que há no ser humano e envia seu Espírito aos que aceitam ser livres. "Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados" (Gl 5.13). " É para sermos verdadeiramente livres que Cristo nos libertou" (5.1). "Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2Co 3.17). "Se é o Filho que vos liberta, sereis verdadeiramente livres" (Jo 8.36).

Diante do que já foi exposto até aqui eu posso afirmar que, juntamente com Deus nós podemos construir um mundo melhor ou pior e isso depende da gente, não é obrigatoriamente produto de uma intervenção divina. Pois, como foi dito, Deus abriu mão do controle para nos dar a liberdade. Leia-se: liberdade com responsabilidade.

Entenda que para problemas humanos as respostas serão igualmente humanas. Não se resolve a questão da fome com oração. Fome se acaba com alimento. Tal problema é de cunho social e não espiritual. "Dai-lhe vos mesmos de comer" disse Jesus certa feita.

O mesmo pode ser dito para qualquer outro problema. Violência, saúde e alhures são todos problemas sociais, que orando não se resolve. Nestes casos, faz-se necessário uma intervenção humana e não divina, por que Deus abriu mão de controlar o mundo e nos deu esse controle nas mãos... O que estamos fazendo com o mundo que nos foi confiado?

No evangelho segundo Mateus 25.34-40:

Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde benditos de me Pai, possui por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;

porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.

Então os justos lhe responderão: Senhor quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E, quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos?

E, quando  te vimos enfermo ou na prisão e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

Erivan Silva

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Quem sou eu?



Eu não sou o que sou


É isso que eu sou: um condenado a existência. Lançado num mundo  contingente e incontrolável...

 Vou vivendo. Escravo do tempo e dos momentos contados. Os movimentos da terra ditam minha vida. 

A contagem dos anos só me angustiaram e, de angústia em angústia a vida acontece. Como não se angustiar se a ampulheta já cumpriu sua função? E eu? Quem sou eu? E Deus? Quem é Deus? Eu pensei que  o conhecia. Alguém o pintou no meu quadro. ¨Criamos deus à nossa imagem conforme a nossa semelhança¨ e a bíblia religiosa prossegue. Criaram... Venderam-me um deus vingativo. Um deus que só vive irado. Não sabe o que é o perdão pois o castigo lhe pertence... É um deus egoísta assim como somos. Que deus é esse? Esse deus me escravizou. Criou em mim uma paranoia. Depois que o conheci jamais tive paz comigo mesmo. Esse deus me angustiou... Fez me odiar a vida e amar a morte. Fez de mim um santo perfeito aos meus olhos... Fez me enxergar detalhadamente os erros alheios e a julgar com meus juízos de valores... Me fez menos humano do que eu era... Me fez prisioneiro de si próprio. É isso que eu sou: um condenado a existência. Um prisioneiro à adoração idolátrica. Não somos adoradores por natureza; somos idólatras por natureza. Adoramos nossa própria imagem refletida no rosto do nosso deus criado. ¨O meu deus tem as minhas características. É tão belo quanto eu. Oh, como o adoro.¨ dizem os religiosos. Não os chamo de tolos. Tolo sou eu, condenado a existência. Prisioneiro do tempo e do momento de tempo que eu mesmo criei. Criei meus demônios na alma, meus receios na cabeça, meu medo do inferno solitário; criei meus anjos no espírito, minha própria sabedoria, minhas virtudes e o meu Céu perfeito. Tolo sou eu criador de mundos inexistentes (ou existentes). Tolo sou eu que não aceita um inferno literal nem um Céu perfeito. Sou um mero existente sem escolha. Não pedi minha vida. Tolo sou eu criador de mim... Mascarado por natureza. Habitado por uma legião de pessoas. Quebro correntes, mas não me liberto. Firo-me com minhas próprias mãos. Não consigo suportar o que já fui; o que já fui é o que é. Ainda sou parte de meu passado. O tempo é o carcereiro que não concerta nada. Ele fica na porta da cela gritando nos meus ouvidos:  ¨já estou indo embora, aguarde mais um tempo que logo o libertarei¨. Que mentiroso. Se me libertar dele me liberto de mim mesmo. Se me libertar de mim mesmo, não terei vida. Vida é dependência. Vida é sempre ser preso a algo. Confesso que estou cansado; confesso que estou triste. Uma tristeza que parte da alma. Vivo em graus variados de tristeza. Tristeza pelos momentos felizes que tive e, que escorregaram de minhas mãos. Foi como tentar segurar água...

Erivan


sábado, 8 de setembro de 2012

A teologia e o galo


Muitos pensam que o que dizem sobre Deus tem consequências cósmicas (mais próximos da verdade estariam se se contentassem  com as consequências cômicas)... O que me faz lembrar a estória de um galo que acordava bem cedo, todas as manhãs, ainda escuro, e anunciava solene aos seus companheiros, bichos de galinheiro:

"- Vou cantar para fazer o Sol nascer..."

E se empoleirava no alto de telhado, olhava para o horizonte, e ordenava categórico:

"- Co-co-ri-co-có..."

Dali a pouco a bola vermelha mostrava o seu primeiro pedaço e o galo comentava, confiante:

"- Eu não disse?..."

E os bichos ficavam boquiabertos e respeitosos ante poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar para fazer o Sol nascer. E nem havia sombra alguma de dúvida, porque tinha sido sempre assim, com o galo-pai, com o galo-avô...

Aconteceu, entretanto, que o galo certo dia perdeu a hora, e quando ele acordou o Sol já estava lá, brilhando no meio do céu...

Há teólogos que se parecem com o galo.

Acham que se não cantarem direito, o Sol não nasce: como se Deus fosse afetado por suas palavras. E até estabelecem inquisições para perseguir galos de canto diferente e condenam outros a fechar o bico, sob pena de excomunhões. Claro que fazem isto por se levarem muito a sério e por pensarem que Deus muda de ideia ou muda de ser ao sabor das coisas que nós pensamos e dizemos. O que é, para mim, a manifestação máxima e loucura, delírio maníaco levado ao extremo, atribuir onipotência às palavras que dizemos.

O Sol nasce sempre, do mesmo jeito; com galo ou sem galo.


Trecho do livro: Por uma Teologia da Libertação - Rubem Alves


domingo, 26 de agosto de 2012

Os Sofrimentos do jovem Werther


Já faz algum tempo que li o livro Os sofrimentos do jovem Werther do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Ontem, folheando o livro, deparei-me com algumas frases e textos inteiros que eu havia grifado (riscar, e sublinhar textos de livros é uma característica da minha forma de leitura).

Entre os textos que havia grifado encontrei alguns como esse:

Nossa imaginação, que por natureza tende a se elevar, alimentadas pelas fantásticas imagens da poesia, cria uma porção de seres, dos quais somos os mais insignificantes, e tudo que está fora de nós parece magnífico, a passamos a considerar qualquer outra pessoa mais perfeita. Isso é absolutamente natural: sentimos frequentemente que nos falta muitas coisas e temos a impressão de encontrar precisamente o que nos falta nos outros indivíduos, aos quais, aliás, atribuímos o que possuímos e, até mesmo, certa graça idealizada. Assim é que o homem feliz, no final das contas, é uma invenção nossa. (pág 81,82)

E frases como essas:

Portanto, aqui não se trata de saber se um homem é forte ou fraco, mas se é capaz de suportar a medida de seu sofrimento... (pág 63)

As crianças não sabem o motivos de seus desejos, apenas querem as coisas... (pág 20)

As coisas belas da vida são como flores feitas de ilusão. (pág 71)

O jovem Werther, apaixonado pela jovem - que era noiva de outro - acordava com o seguinte pensamento:
(...) vou vê-la; e, então, contemplo o Sol resplandecente. Vou vê-la! E durante todo dia já não tenho outros desejos. Tudo, tudo se absorve neste pensamento: vou vê-la! (pág 53)

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)

Porém, o texto que mais me chamou atenção nesse meu folhear esporádico, é este que segue:

É como se o palco da vida infinita se descortinasse diante de minha alma, e eu ali avistasse apenas um túmulo abismal eternamente aberto. Você pode dizer: "É isso mesmo!" E quando tudo passa? Quando tudo se precipita com a rapidez do raio, quando a força de seu ser se aniquila, e você se vê, ah!, arrebatado, arrastado pela torrente, esmagado contra os rochedos? Não há momento que não os destrua, a você e aos seus; não há momento que não produza, em você próprio, um destruidor. O mais inocente passeio custa a vida de milhares de pobres insetos; um só de seus passos arruína o paciente labor das formigas e enterra um mundo inteiro em um túmulo indigno. Ah! O que me comove não são as grandes e raras catástrofes do mundo, essas inundações, esses tremores de terra que devoram as cidades; o que me dilacera o coração é a força destruidora que está oculta no ventre da natureza, e nada produz que não destrua o próximo e não se destrua a si mesma. E, assim, prossigo claudicante minha angustiosa caminhada, rodeado pelo céu, pela terra e por suas forças ativas: avisto apenas um monstro que devora e rumina eternamente. (pág 68-69)

Sobre o romance

O romance causou profunda impressão na sua época, e seu lançamento foi seguido por uma verdadeira "Weethermania" : aspirantes de Werther trajavam seu paletó azul e seu colete amarelo característicos. Surgiu até uma água-de-colônia Werther e porcelanas retratando cenas do romance. Conta-se também que suicídios inspirados na obra alarmaram Goethe, pois sua descrição de Werther foi mais crítica do que laudatória. O romance foi amplamente revisado em 1787 para uma segunda edição, que se tronou a base da maioria das edições modernas.

Werther revela o abismo entre o desejo de uma vida intensa e livre e o mundo exterior, marcado pelas regras sociais que sufocam seus sonhos. Fazendo uso da forma epistolar, Goethe pode passar por diversos temas que o atraíam: a relação entre arte e natureza, o afastamento da burguesia em relação às pessoas comuns, visto, inclusive, de maneira ambígua, reflexões sobre o suicídio, a paixão pela poesia, os preconceitos de classe, a força do amor intenso e aniquilador, etc. São esses alguns dos elementos que fizeram de Werther o herói de toda uma geração.

Tenho a impressão que devo reler essa magnifica obra... Se você ainda não leu, sinta-se devedor de si mesmo. Boa leitura!


Erivan


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Eu vou Estar

Eu vou estar aí
Na tua imensa solidão.
Eu ai estarei no vazio do teu coração murcho...
Na tua lágrima angustiada, no teu grito silencioso, no choro engolido e vomitado...
Nesse momento, eu estarei aí.

Eu vou estar aí
Na tua presença festejante...
Enchendo teu coração de viva vida.
No teu sorriso gratuito,
Na tua alegria escandalosa.

Vou unir minha respiração a tua...
Minh'Alma não mais te deixará!

Lembra!!
Tua lembrança me ressuscita; tua imaginação é meu universo... Posso morar em teus sonhos (Mas não contigo) Estar em você não é estar com você!

Mas vive!
Vive e me deixa viver em ti

Verás (sentirás) que eu estarei com você!



Erivan

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Consideração Básica sobre a existência de Deus

Paul Tillich
As palavras a seguir não são minhas. Pertencem ao teólogo alemão Paul Tillich. Porém faço das palavras desse ilustre pensador as minhas, pois acredito que sintetizam bem meus pensamentos acerca do divino.
 Tillich criou o conceito de " Deus acima de Deus". Sobre isso, Jorge Pinheiro - cientista da religião e, grande especialista do pensamento tillichiano - afirma:
"...'Deus acima de Deus'. Essa formulação não se refere a existência de um super-Deus, mas que mesmo que houvesse o desaparecimento do Deus pessoal, Ele continuaria presente na fé."

Afirma Tillich:

  Tanto os teólogos como os cientistas críticos, contrários a  crença de que a religião seja um dos aspectos do espírito humano, definem a religião como relação humano com seres divinos, cuja existência é afirmada pelos teólogos e negada pelos cientistas. Mas é justamente essa ideia que trona impossível a compreensão da religião. Se começamos argumentando em favor ou contra a existência de Deus, jamais iremos encontrá-lo. Quando afirmamos sua existência mais difícil será alcançá-lo do que se a negássemos. Qualquer Deus que venha a ser objeto de nossas argumentações a respeito de sua existência ou negação dela, seria apenas uma coisa entre outras no Universo. Há bons argumentos tanto a favor como contra sua existência. É lamentável que os cientistas pensem ter refutado a religião depois de ter demonstrado, com razão, que não há qualquer evidência para se afirmar a existência de Deus. Na verdade, não apenas refutaram a religião, mas lhes prestaram inestimável serviço. Forçaram-na a reconsiderar e a reformular o significado dessa tremenda palavra: Deus. Infelizmente, inúmeros teólogos caíram no mesmo erro. Começam suas mensagens afirmando a existência de um ser superior chamado "Deus", cuja revelação teriam recebido. Tais teólogos dão os primeiros passos no caminho inevitável do ateísmo. Os teólogos que descrevem Deus como o mais alto dos seres e se arvoram a fornecer informações sobre ele, provocam irresistivelmente, a resistência dos que são chamados a se submeter à autoridade de tal informação.

Teologia da Cultura - Ed Fonte Editorial pág 41-42.




domingo, 19 de agosto de 2012

Esse est percipi


Esta frase titular é latim. Seu significado é "ser é ser percebido", do filósofo irlandês George Berkeley (1685-1753). Alguns acham que uma melhor tradução seria esse est aut perciperi aut percipi ("ser é perceber ou ser percebido").

Inicialmente conheci as ideias de Berkeley no livro O mundo de Sofia, do Jostein Gaarder. Em um dos capítulos, Alberto explica a Sofia: "Berkeley dizia que as coisas do mundo são, de fato, da forma como nós as percebemos, mas que não são 'coisas'".(pág 303).

Em outro trecho, Alberto diz:
"'Ser ou não ser' não seria, portanto, a questão central. Importante seria perguntar também o 'quê' somos. Será que somos pessoas de verdade, feitas de carne e osso? Será que nosso mundo consiste em coisas reais, ou será que tudo o que nos cerca não passa de consciência?"(pág 305).

Embora eu não concorde totalmente com Berkeley, confesso que suas ideias são sedutoras e, influenciaram de certo modo, parte de minhas conceituações teológicas acerca de Deus e da realidade.
Vejamos algumas desses reflexões.

Desde quando Deus existe?

Deus "passou a existir" a partir do momento/dia em que Ele decidiu criar o homem.
Podemos dizer que, Deus não "existia" até que eu mesmo existisse, ou tivesse percepção dessa existência. Neste sentido: Deus precisou criar para ele mesmo Ser, pois até então Ele não era ( "Eu sou o que sou" disse Ele a Moisés certa vez). Nisso, minha teoria se aproxima das ideias de Berkeley. Ou seja, sem percepção não existe o ser/coisas.
 Penso que nossa percepção de Deus não o "Cria", mas cria uma linguagem humana para definir o "deus" que percebemos; a isso dar-se o nome de religião.

Rubem Alves certa vez escreveu:
A linguagem é um instrumento de mediação entre o homem e seu mundo. Não contemplamos a realidade face a face. Desde que nascemos, as coisas não vêm a nós em sua nudez, mas sempre vestidas pelos nomes que uma comunidade lhes deu, comunidade que já definiu como é o mundo e que, portanto, sabe o que ele é. Esse conhecimento do mundo está cristalizado na linguagem.
 E citando Lecky, R. Alves prossegue: "O indivíduo vê o mundo do seu próprio ponto de vista, tendo a si mesmo como o centro. O núcleo do sistema, em torno do qual o sistema gira, é como o indivíduo interpreta."
 E ainda, citando Jerpersen: "Os homens cantaram seus sentimentos muito antes de serem capazes de falar os seus pensamentos"

O que quero dizer com essas construções teóricas é que não basta ter a percepção, mas, também, uma linguagem que retrate essa percepção. Sendo que, essa linguagem, como Rubem Alves nos lembra, são ferramentas interpretativas, nunca o real em si. Creio que não dispomos de outros meios - por enquanto - para retratar hermeneuticamente nossa percepção desse real, que na realidade, não sabemos qual é.

Teologicamente falando, Deus existe por meio da nossa percepção (leia-se também experiência) e, essa percepção divina é interpretada por meio da linguagem que dispomos.



sexta-feira, 25 de maio de 2012

Repensando conceitos teológicos:Deus além de Deus


Quando você ora (ou reza) e pensa em Deus, o que lhe vem à mente? Certamente essa é uma pergunta difícil. Mesmo assim, ousarei dissertar sobre ela sabendo que, não chegaremos a nenhuma conclusão: o falar sobre Deus sempre permanecerá inconcluso; jamais haverá um fim. A temática que apresento nesta postagem e em outras que se seguirão estão dentro do seguinte tópico: Repensando os conceitos teológicos. Esta será minha proposta: repensar conceitos antes sedimentados pela teologia tradicional, cristalizados no tempo e que hoje, não faz o menor sentido para o homem contemporâneo. A enxurrada de livros teológicos produzida hoje em dia, não passa de um "cemitério teórico", tautológico e desprovido da vida humana. Confesso que repensar um conceito tão forte em sua carga cultural requer coragem e ousadia. Alguns mentores me ajudaram nesta mudança conceitual: Paul Tillich, para mim este foi um dos maiores teólogos do séc XX (inclusive a ideia de "Deus além de Deus" é dele). Acho que a contribuição de Tillich é imprescindível à época em que vivemos; outro grande mestre que considero responsável pela minha mudança conceitual é Ludwig Wittgenstein, o chamado filósofo da linguagem. Wittgenstein não era religioso, mas sua contribuição à linguagem religiosa é inegável. Como ele mesmo disse: "Eu não sou um homem religioso, mas não posso evitar ver cada problema a partir de um ponto de vista religioso". Soma-se a esse dueto o brilhante Vigotsky. A maior contribuição vigotskyana foi no campo pedagógico, porém sua teoria é tão ampla que poderíamos utilizá-la também no campo teológico, principalmente na questão do simbólico e construção da linguagem humana. Acredito, e isso será combustível para temas posteriores, que Vigotsky pode e deve ser usado dentro do pensamento teológico.

Deus além de Deus*

Quando Tillich declara que Deus estava além de deus, God Above God, ele deixa espaço para uma definição indefinida de Deus. Para Tillich, Deus é um ser, apesar de ser "inalcançável e de ser impossível o estabelecimento de uma relação com Ele (sic)", no sentido estrito da expressão. Para ele, Deus não é indeterminado, mas carece de definições apropriadas. Não se pode querer definir o que Deus é, o que seria não apenas uma perda de tempo, mas também um insulto a Deus. Ele diz: "No limite é um insulto à santidade divina falar a respeito de Deus como falamos de objetos cuja existência ou não existência pode ser discutida".

Ao não definir Deus, Tillich prepara o terreno para a abordagem pós-moderna, a saber, a completa indeterminação e indecidibilidade de questões como o quê ou quem de Deus. Assim como Charles Hartshorne, Tillich foi um severo crítico dos teísmos. Em a coragem de Ser, Tillich põe em questão as diferentes noções de teísmos, normalmente aceitas pela teologia em geral. Ele manifesta a coragem de expressar dúvidas sobre a existência de Deus admitindo que esta dúvida não é algo alheio ao método teológico, mas antes a uma parte intrínseca daquilo que ele denomina "fé absoluta". Ele diz: "A fé absoluta e suas consequências - a coragem necessária para a dúvida radical, a dúvida sobre Deus - transcendem, em si mesmas, a ideia teísta de Deus." Ao desafiar o teísmo em suas várias expressões, Tillich prepara o terreno para que teologias pós-modernas operassem na fissura existente entre o teísmo e o ateísmo.


* Texto de Claudio Carvalhaes - Doutorando no Union Theological Seminary de Nova York e membro do grupo de pesquisa, "Religião e Pós-modernidade" do Programa de pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.


A abordagem que Claudio Carvalhaes faz do pensamento de Paul Tillich, me faz repensar aquela pergunda inicial de nosso texto: Qual ou o quê me vem a mente quando penso em Deus? Eu entendo que hoje não sou teísta. Não posso me rotular dessa forma, visto que o teísmo objetiva Deus, algo que é um absurdo quando nos referimos ao divino/infinito. "Como é possível falar sobre o infinito usando-se uma linguagem finita, com expressões finitas, por meios finitos?"

Entendo, também, que debates religiosos não são sobre fatos e sim sobre significados subjetivos e intrínsecos. Neste sentido, Deus só é mais um significado entre outros significados com valores culturais milenares. portanto, disputas religiosas não versam realmente sobre fatos ou, pelo menos, não sobre fatos que podem ser estabelecidos, em princípio, pela observação paciente e pela experimentação. Ela abarcam discernimentos de significados na vida que podem ou não ser vistos, dependendo de fatores pessoais dos quais podemos ou não estar conscientes.

Se não sou teísta serei obrigatoriamente ateísta? De forma nenhuma. O conceito do não-Deus não cabe na existência como um todo. Talvez  eu esteja no grupo dos Agnósticos ou em uma terceira via ainda não clara o suficiente para dissertar sobre a mesma. Essa terceira via pode ser o campo das experiências com o divino que não se enquadram em nenhuma concepção objetiva. Pois Deus (o Ser-em-si real), está além de Deus (o deus pertencente a uma religião; o deus da teologia sistemática; o deus que é pregado domingo após domingo).

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A religiosidade do capitalismo


O corpo textual está no livro: Desejo mercado e religião, do Jung Mo Sung. Boa leitura.

Quando falamos da religiosidade do capitalismo é preciso ter em mente que as sociedades modernas não romperam totalmente com a visão mítico-religiosa das sociedades medievais. Na Idade Média, o Paraíso, ou a utopia, era objeto de uma esperança escatológica. Ele se localizava após a morte e o fim da história, e era fruto da intervenção divina. Na modernidade esta utopia (paraíso) foi deslocada da transcendência pós-morte para o futuro, no interior da história humana. Agora a utopia não é mais vista como fruto da intervenção divina pós-morte, mas sim fruto do progresso tecnológico. É o chamado "mito do progresso" (vide Celso Furtado). Com esse mito, desaparece a noção do limite para ações humanas e surge a ideia de que querer é poder.

Com essa transformação da noção da utopia e da ação humana, a modernidade é portadora de uma boa nova que concorre com as boas-novas religiosas tradicionais. Serge Latouche chega a afirmar que a burguesia "fundou seu poder graças ao mito da erradicação da morte em suas três formas (violenta, miserável, natural)" A civilização ocidental e o seu sistema judiciário e policial acabaram com a morte violenta; o crescimento econômico capitalista, a morte pela fome; e o avanço das ciências, a morte natural.

é dentro desse horizonte de esperança utópica, de esperança mítico-religiosa, que Fukuyama afirma que "as boas-novas chegaram". Com a derrocada do bloco socialista, segundo Fukuyama, está definitivamente provado que o sistema de mercado capitalista é o ápice da evolução da história humana e estamos a um passo de adentrar na "Terra Prometida". Por isso ele diz que chegamos ao "fim da história". Não o fim dos acontecimentos históricos, mas sim o fim de sua evolução.
               Ele diz:
                          A conquista progressiva da natureza, possibilitada pelo desenvolvimento do método científico nos séculos XVI e XVII, processou-se de acordo com certas regras definidas, determinadas, não pelo homem, mas pela natureza e pelas leis da natureza (...) A tecnologia torna possível o acúmulo ilimitado de riqueza, e portanto, da satisfação de um conjunto sempre crescente de desejos humanos.

Segundo Fukuyama, o segredo do paraíso, a satisfação de todos os desejos humanos, está no progresso infinito que possibilita a acumulação infinita de riqueza. Ele só não explica como o ser humano, que é finito, trabalhando a natureza, que também é finita, pode chegar a acumulação infinita. Aqui está o segredo do mito. A passagem do "finito" para o "infinito" sem explicação racional ou razoável. O problema é que sem essa passagem indevida o mito do progresso não se sustenta, e nem se pode afirmar que estamos chegando à Terra Prometida. Por isso que é "mítico-religioso", porque pressupõe uma fé num ser supra-humano ou numa "lei da história" também supra-humana que faça essa passagem.

 Fukuyama, como tantos outros pensadores liberais e neoliberais, credita à tecnologia essa capacidade mágica. Mas não qualquer tecnologia, e sim aquela que foi desenvolvida "de acordo com certas regras definidas, determinadas, não pelo homem, mas pela natureza e pelas leis da natureza". E qual é essa natureza que é capaz de gerar uma ciência tão poderosa?

É a mesma natureza que, segundo Fukuyama, dirigiu a evolução da história em direção ao sistema de mercado. Nesse mesmo sentido, Paul A. Samuelson, prêmio Nobel em economia, também diz que o sistema de mercado capitalista "simplesmente evoluiu e, como a natureza, está sofrendo modificações".

O sistema de mercado, o sistema de concorrência de todos contra todos, é apresentado como aquele que possibilita o progresso técnico infinito e nos possibilitará a acumulação infinita que vai satisfazer todos os nossos desejos atuais e os ainda por vir. O capitalismo é apresentado como realizador das promessas que o cristianismo fazia para após a morte. A mudança não é só no tempo, de pós-morte para o futuro intra-histórico, mas também no sujeito realizador das promessas: de Deus para o sistema capitalista.

 Diante dos problemas sociais e econômicos que persistem apesar de todos os programas de ajustes econômicos e de liberalização da economia, os defensores do atual processo de globalização da economia na perspectiva neoliberal concordam que os problemas não são oriundos do sistema de mercado, mas sim da falta de sua implementação completa. Eles têm uma fé tão forte no mercado que, diante de problemas sociais criados pelo mercado, eles propõe mais mercado para solucionar. Quando o mercado for "tudo em todos", eles acreditam que os problemas acabarão.