segunda-feira, 7 de maio de 2012

A religiosidade do capitalismo


O corpo textual está no livro: Desejo mercado e religião, do Jung Mo Sung. Boa leitura.

Quando falamos da religiosidade do capitalismo é preciso ter em mente que as sociedades modernas não romperam totalmente com a visão mítico-religiosa das sociedades medievais. Na Idade Média, o Paraíso, ou a utopia, era objeto de uma esperança escatológica. Ele se localizava após a morte e o fim da história, e era fruto da intervenção divina. Na modernidade esta utopia (paraíso) foi deslocada da transcendência pós-morte para o futuro, no interior da história humana. Agora a utopia não é mais vista como fruto da intervenção divina pós-morte, mas sim fruto do progresso tecnológico. É o chamado "mito do progresso" (vide Celso Furtado). Com esse mito, desaparece a noção do limite para ações humanas e surge a ideia de que querer é poder.

Com essa transformação da noção da utopia e da ação humana, a modernidade é portadora de uma boa nova que concorre com as boas-novas religiosas tradicionais. Serge Latouche chega a afirmar que a burguesia "fundou seu poder graças ao mito da erradicação da morte em suas três formas (violenta, miserável, natural)" A civilização ocidental e o seu sistema judiciário e policial acabaram com a morte violenta; o crescimento econômico capitalista, a morte pela fome; e o avanço das ciências, a morte natural.

é dentro desse horizonte de esperança utópica, de esperança mítico-religiosa, que Fukuyama afirma que "as boas-novas chegaram". Com a derrocada do bloco socialista, segundo Fukuyama, está definitivamente provado que o sistema de mercado capitalista é o ápice da evolução da história humana e estamos a um passo de adentrar na "Terra Prometida". Por isso ele diz que chegamos ao "fim da história". Não o fim dos acontecimentos históricos, mas sim o fim de sua evolução.
               Ele diz:
                          A conquista progressiva da natureza, possibilitada pelo desenvolvimento do método científico nos séculos XVI e XVII, processou-se de acordo com certas regras definidas, determinadas, não pelo homem, mas pela natureza e pelas leis da natureza (...) A tecnologia torna possível o acúmulo ilimitado de riqueza, e portanto, da satisfação de um conjunto sempre crescente de desejos humanos.

Segundo Fukuyama, o segredo do paraíso, a satisfação de todos os desejos humanos, está no progresso infinito que possibilita a acumulação infinita de riqueza. Ele só não explica como o ser humano, que é finito, trabalhando a natureza, que também é finita, pode chegar a acumulação infinita. Aqui está o segredo do mito. A passagem do "finito" para o "infinito" sem explicação racional ou razoável. O problema é que sem essa passagem indevida o mito do progresso não se sustenta, e nem se pode afirmar que estamos chegando à Terra Prometida. Por isso que é "mítico-religioso", porque pressupõe uma fé num ser supra-humano ou numa "lei da história" também supra-humana que faça essa passagem.

 Fukuyama, como tantos outros pensadores liberais e neoliberais, credita à tecnologia essa capacidade mágica. Mas não qualquer tecnologia, e sim aquela que foi desenvolvida "de acordo com certas regras definidas, determinadas, não pelo homem, mas pela natureza e pelas leis da natureza". E qual é essa natureza que é capaz de gerar uma ciência tão poderosa?

É a mesma natureza que, segundo Fukuyama, dirigiu a evolução da história em direção ao sistema de mercado. Nesse mesmo sentido, Paul A. Samuelson, prêmio Nobel em economia, também diz que o sistema de mercado capitalista "simplesmente evoluiu e, como a natureza, está sofrendo modificações".

O sistema de mercado, o sistema de concorrência de todos contra todos, é apresentado como aquele que possibilita o progresso técnico infinito e nos possibilitará a acumulação infinita que vai satisfazer todos os nossos desejos atuais e os ainda por vir. O capitalismo é apresentado como realizador das promessas que o cristianismo fazia para após a morte. A mudança não é só no tempo, de pós-morte para o futuro intra-histórico, mas também no sujeito realizador das promessas: de Deus para o sistema capitalista.

 Diante dos problemas sociais e econômicos que persistem apesar de todos os programas de ajustes econômicos e de liberalização da economia, os defensores do atual processo de globalização da economia na perspectiva neoliberal concordam que os problemas não são oriundos do sistema de mercado, mas sim da falta de sua implementação completa. Eles têm uma fé tão forte no mercado que, diante de problemas sociais criados pelo mercado, eles propõe mais mercado para solucionar. Quando o mercado for "tudo em todos", eles acreditam que os problemas acabarão.

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