sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Ela veio (Milagredoce)


Por Εριβαν Σιλβα

Ela veio noutro corpo
Retornou a mim.
Sem que eu esperasse.
Bateu a porta e foi entrando. Pensei que a porta estava trancada: Não pra ela.
Malas cheias de dores, temores, amores, memória e história foram largadas na entrada do esquerdo batimento.


Achei que já tinha superado... Que tudo fosse passado.
Engano defasado. Orgulho esmigalhado.

Ela voltou.
Com o mesmo sorriso, com os mesmos olhos e o como me olha.
Com o mesmo jeito, trejeito de andar de expressar...
Veio com a mesma alma.
Exalando aquele perfume.
Com a calma que sempre teve.
Malas cheias de dores, temores, amores...

Ela veio
Com a mesma voz
Ela veio com o mesmo nome; não sobrenome, este é meu: Silva.
Meu Silva, minha Silva.
Silvestre.
Planta Silvestre regada com sal. Alimentada com lençóis de fogo subterrâneo.
Rizoma sofrível que toma conta do horizonte do solo em pó.
Do pó tornará, do pó veio do pó. Renascida ferida.
Ela veio.

Ela veio com o mesmo nome.
A mesma Camisa veste de quando foi.
Lou de Nietzsche Salomé do Batista, me fez perder a cabeça; me fez louco.

Mulher de vidro
Milagredoce.
Lado Amargo; lado Amor.

Veio no dia das crianças, de mim fez de novo menino sem presente: só passado.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Cristianismo e marxismo ideologias utópicas







Por Εριβαν Σιλβα

Numa primeira leitura pode parecer que cristianismo e marxismo não tenha nenhuma relação entre si, sobretudo porque Karl Marx (1818-1883) foi adotado como um dos baluartes contra a religião 1. Porém essa contradição é apenas aparente. Lembro ao leitor que há duas correntes que beberam do pensamento marxista: a Teologia da Libertação (corrente católica), e a Missão Integral (corrente protestante). Não tenho interesse de discorrer sobre essas duas vertentes, mas refletir sobre uma proximidade entre Cristo e Marx naquilo que entendo que antes de Marx/Engels já havia um "pré-comunismo" nos ensinamentos de Cristo e nos primeiros cristãos.

Pré-comunismo

O historiador britânico Eric Hobsbawn (1917-2012) escreve "[...] também os revolucionários gostam de ter antepassados"2. A genealogia do comunismo não é encontrada em Marx/Engels, mas antes deles. No livro História do Marxismo Vol. I encontramos o seguinte texto:

[...] a filosofia trazia do passado uma forte herança de comunitarismo, ou mesmo, em alguns casos, a ideia de que uma sociedade sem propriedade privada seria sob certos aspectos mais "natural" do que a caracterizada pela propriedade privada, ou, de qualquer modo, ser-lhe-ia historicamente anterior. Esse aspecto era particularmente enraizado na ideologia cristã: nada mais fácil do que ver no Cristo do Sermão da Montanha o "primeiro socialista" ou comunista; embora os primeiros pensadores socialistas, em sua maioria, não fossem cristãos, posteriormente muitos membros de movimentos socialistas consideraram útil essa reflexão 3.

De fato as bem-aventuranças do Sermão da Montanha começa com as seguintes palavras "felizes os pobres de coração: deles é o reino dos céus" (grifo meu). Aqui, a palavra pobre (gr πτωχός/ ptôchos) tem sentido amplo (vide Mt 11.5; 26.9,11; Lc 21.3; 2 Co 8.9).

Ernest Renan (1823-1892) em seu livro A Vida de Jesus também faz alusão a um cristianismo comunista. Em sua palavras:

Essas máximas, ideias para um país em que a vida se nutre de ar e luz, esse comunismo inofensivo  de uma turma de filhos de Deus, vivendo aconchegados no seio de seu Pai, podiam convir a uma seita ingênua, persuadida constantemente de que a utopia se realizaria (grifo meu) 4.

Sobre Atos: o comunismo dos primeiros seguidores de Jesus.

O historiador brasileiro Jefferson Ramalho escreveu um livro intitulado Jesus - o maior socialista que já existiu. Numa escrita corajosa e ousada, J. Ramalho não teme o anacronismo e aceita correr o risco de ser mal interpretado. Para quem entendeu a proposta do livro verá que está diante de uma obra ímpar cuja originalidade é fazer uma "releitura de situações específicas vividas por Jesus e por seus primeiros seguidores 5" (grifo meu).
Para que não haja mal entendimentos o historiador brasileiro define os dois conceitos-chave: socialismo e comunismo. "Ao pensar em Socialismo, referimo-nos à etapa intermediária do Comunismo. Contrariando-se à existência de diferentes classes sociais, exatamente por se opor às desigualdades e injustiças, o Socialismo defende que haja oportunidades plenamente iguais a todos" (...) Comunismo é uma ideologia política, econômica e social que tem por elementar objetivo a consolidação de uma sociedade sem desigualdades" 6.
Do livro Jesus, o maior... nos interessa o capítulo 12: O comunismo dos seus primeiros seguidores. Porém, antes de refletir sobre o capítulo em questão, faço aqui uma citação de Atos 4, mais especificamente os versículos 32-35:

E da multidão dos que creram, um só era o sentimento e a maneira de pensar. Ninguém considerava exclusivamente seu os bens que possuía, mas todos compartilhavam tudo entre si.
[...]
Não havia uma só pessoa necessitada entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o depositavam aos pés dos apóstolos, que por sua vez, o repartiam conforme a necessidade de cada um. (KJV)

Na versão Tradução Ecumênica (TEB), encontramos no versículo 32: 

A multidão daqueles que tinham abraçado a fé tinham um só coração e uma só alma.

Na Tradução Linguagem de Hoje (NTLH) lemos a primeira parte do mesmo versículo:

Todos os que creram pensavam e sentiam do mesmo modo.

Transcrevi três versões diferentes com o intuito de mostrar ao leitor que "o mesmo sentimento" e a "mesma maneira de pensar" era comum entre os fiéis; tanto que no grego koiné a tradução é como segue: a) mesmo sentimento, gr καρδία/kardia traduzido como coração; b) mesma maneira de pensar, gr ψυχή/psiché traduzido como alma.

Refletindo sobre o versículo de Atos dos Apóstolos J. Ramalho escreve:

Na comunidade descrita na narrativa dos Atos dos Apóstolos, porém, parece que havia outra dinâmica. Ali, seguindo o exemplo deixado por Jesus, os primeiros adeptos de sua mensagem, por viverem em plena união, compartilhavam tudo o que possuíam. Havia um desapego radical por parte daqueles que possuíam mais bens, pois chegavam a vender todas as suas propriedades e posses materiais para distribuir o dinheiro entre todas as pessoas, conforme as necessidades de algumas. Assim, ninguém passava por dificuldades, uma vez que havia solidariedade entre eles 7.

Seguindo a mesma linha do historiador, encontramos o teólogo e economista Jung Mo Sung fazendo uma reflexão análoga utilizando como objeto o mesmo texto em tela: At 4.32-35, contudo, Mo Sung parte de uma problemática implícita, sendo assim, seu teor é mais pessimista. Em um primeiro momento escreve:

Como a tradição da "esquerda" moderna sempre enfatizou a noção de igualdade social, é importante frisar que, no texto do livro dos Atos dos Apóstolos, o objetivo não é a igualdade, mas sim que não houvesse necessitados entre eles. Porque, para eles, mais importante do que a igualdade era que todos tivessem uma vida digna. Também porque pode existir uma situação de igualdade social marcada pela pobreza onde todos passam necessidades de uma forma igual 8 (grifo meu).

Em seguida três problemas são postos à discussão: 1) um de esfera pessoal, 2) outro na esfera administrativa, e, por fim 3) uma crise estrutural. Vejamos.
1. Na esfera pessoal vemos que logo após a narrativa do ideal de comunidade fraterna e solidária, aparece uma tentativa de fraude por parte do casal Ananias e Safira (At. 5.1-11).
2. Na esfera administrativa. Sabemos que houve um aumento considerável no número de discípulos (At 6.1-6). Com o aumento do efetivo surgiu um novo problema: os cristãos de origem helênica estavam reclamando porque as suas viúvas recebiam as distribuições diárias só depois das hebreias e assim corriam o risco de ficar sem 9. Para este problema específico a comunidade primitiva elegeu também alguns helênicos para a tarefa distributiva.
3. Na esfera estrutural. Citando Jung Mo Sung ipsis litteris:
[...] quando a distribuição é maior do que a entrada ou a produção de recursos, chega uma hora em que os bens acabam e a fome se generaliza na comunidade de Jerusalém. Sem produção suficiente, não se pode consumir ou distribuir. Um modelo econômico-social enfocado somente na distribuição justa não é sustentável a longo prazo. Perante a fome na comunidade de Jerusalém, as comunidades cristãs de outras regiões fizeram doações para minorar o problema 10.
Em outro livro do mesmo autor (Desejo, Mercado & Religião), Mo Sung aponta para aquilo que considero ser uma possível solução para os problemas acima exposto, embora neste contexto o economista está tratando de Desejo Mimético, Exclusão Social e Cristianismo e não sobre a Comunidade Primitiva de Atos dos Apóstolos. Assim escreve:

Lutar pela vida dos pobres e excluídos das nossas sociedades passa pela urgente redistribuição de renda e de riqueza, pela mudança no sistema produtivo que permita uma melhor distribuição de renda e pelas profunda reformas na estrutura econômica, social e política 11.

Notas

1. Para uma visão contrária sobre o Marxismo e Cristianismo vide o texto O Marxismo e a Fé Cristã escrito por Richard J. Sturz. O texto encontra-se em BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã. São Paulo. Edições Vida Nova, 1989.

De igual modo vide o capítulo 17 Ateísmos sistêmicos ou as ideologias da morte de Deus. MINOIS, George. História do ateísmo. São Paulo: Ed Unesp, 2012.

Para o alcance da secularização do cristianismo vide o capítulo 12 A ideologia religiosa em HOBSBAWN, Eric. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

Por fim vide
BOUCHER, Geoff. Marxismo. Editora Vozes. Petrópolis, RJ, 2012.

2. HOBSBAWN, Eric (Org.) História do marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p. 34.
3. Idem p. 35.
4.RENAN, Ernest. Vida de Jesus. São Paulo. Ed Martin Claret, 2006. p. 213.
5. RAMALHO, Jefferson. Jesus, o maior socialista que já existiu. São Paulo, Edições Terceira Via, 2017. pág 14.
6. Idem. p. 16-18.
7. Idem p. 90.
8. SUNG, Jung Mo. Cristianismo de libertação. São Paulo: Paulus, 2008. p. 76.
9. Idem p. 77.
10. Idem p.77.
11. ---------------- Desejo, mercado & religião. São Paulo: Fonte Editorial, 2010. p. 75.