O bem e o mal, há muitos longos anos, séculos e até milênios, dominam o cenário de nossas vidas nas mais diferentes sociedades. A questão é que, de forma dualista (portanto metafísica), a moral nos coloca sempre em postura de contraposição. Por isso, não concebe o bem sem o mal e vice-versa. Mas o bem e o mal não são coisas em si, uma vez que determinadas avaliações morais se fazem presentes como raiz de todo bem e de todo mal. Por exemplo: para quem acredita no valor do perdão, perdoar é um bem, assim como odiar - o oposto ao perdão - é um mal. Nesse sentido, como podemos detectar se alguém é do bem ou do mal? Quando o que faz está mais próximo do bem, no geral, do que do mal.
terça-feira, 3 de outubro de 2017
O finito e o (in)finito
¨Ver um Mundo num Grão de Areia
E o céu numa Flor Silvestre,
Ter o Infinito na palma da sua mão
E a Eternidade numa hora¨
WILLIAM BLAKE
E o céu numa Flor Silvestre,
Ter o Infinito na palma da sua mão
E a Eternidade numa hora¨
WILLIAM BLAKE
O Deus que adoro ainda é desconhecido
Como eu poderia me referir a Deus? Como a mente humana concebe o divino? Como a fé se desenvolve? Cada uma dessas perguntas dizem respeito ao finito (quem pergunta), no caso os humanos dotados de consciência; dizem respeito também ao infinito (o objeto da pergunta). São perguntas cujas respostas são transcendente. Respondê-las não é tarefa fácil, nem é meu objetivo nessa reflexão. Apenas provocar.
Nós, herdeiros da cultura judaico-cristã, adoramos um Deus com personalidade judaica: portanto, sem nome nem face; sem representação legítima de seu Ser. Adoramos o Eterno Abstrato.
Quem era esse Deus israelita e qual era o seu nome? O fato curioso é que ninguém sabe. Ha diversos nomes para Deus na Bíblia dos hebreus, e talvez originalmente eles se referissem a deuses diferentes. Mas existe um nome principal: JHWH. Não há vogais na língua hebraica escrita, de forma que se deve adivinhar quais estariam entre as consoantes. Elas são chamadas de tetragrama (as ¨quatro letras¨), e, depois de cerca de 300 anos a. c., o nome nunca foi pronunciado, pois era considerado sagrado demais. Em vez disso, adotou-se o circunlóquio ¨Adonai¨, a palavra hebraico para ¨Senhor¨. Na idade média, as pessoas tentaram inserir as vogais de ¨Adonai¨ entre as consoantes JHWH. O resultado foi ¨Jeová¨, uma palavra totalmente inventada e que qualquer judeu respeitável jamais pensaria em pronunciar. Podemos estar certos de que, qualquer que tenha sido o nome desse deus, não era Jeová. A maioria dos estudiosos aponta para Javé, que é uma palavra que, pelo menos, parece hebraico.
PENSAMENTO E LIBERDADE EM ESPINOZA - Resumo do discurso do prof Claudio Ulpiano
Dois temas que serão trabalhados: pensar Espinoza na questão liberdade e servidão; por outro lado Espinoza e as questões da ciência.
A questão da liberdade e da servidão é central em Espinoza. Central e surpreendente. Quando Espinoza pensa a questão da liberdade ele não articula com nenhuma das filosofias ocidentais. Ele se opões todas as outras concepções que temos de liberdade. A liberdade em Espinoza é uma grande surpresa para o historiador da filosofia. Nós os ocidentais entendemos a ideia de liberdade tomada dos gregos, i. é, de Platão, de Aristóteles, e quando passamos para a modernidade nos apegamos a Kant. Espinoza se opõe violentamente contra esse padrão de pensamento.
A obra do Espinoza pode ser dividida em duas: de um lado Deus de outro os homens. Quando pensa Deus rompe com a teologia tradicional: este é pensado com transcendente. Para Espinoza deus é imanente. Deus é produtivo não criador. Deus ou natureza é tudo aquilo que produz. a produção de tudo o que existe aqui.
Ao se preocupar com o problema da liberade ele a liga a causa. Deus seria uma causa ativa. pois liberade se opões ao constrangimento. Deus portanto não é constrangido por nada.
Já os homens entre eles e as coisas são constrangidos pelas causas externas. Não há possibilidades de os homens serem livres pois são coagidos por causas forças que vem de fora. Ação e paixão dotam os homens... as forças que vem de fora que os constitui. O homem enquanto tal é apaixonado. Então o homem é prisioneiro da servidão. É livre aquele ser que efetua a sua natureza.
Os homens seriam como um grande oceano cercado por ventos contrário. as ondas que se formam são dos ventos e não do oceano. Então Espinoza se pergunta se em alguma ação o homem pode ser livre.
Ser livre é ser a causa ativa das suas próprias ações.
Deus é livre por que nada o constrage ao homem está impedida a sua liberdade, pois é constituido por forças que vem de fora.
o homem pode ter sua vida conduzida por forças que vem de dentro? Nietzsche a chamará de vontade de potência 200 anos mais tarde. o homem só seria livre se tiver sua ação pelas forças que vem de dentro.
Só ha liberdade se a sua vida for produzida por você mesmo. Aquele que não pode efetuar sua própria natureza está prisioneiro das forças que vem de fora.
Passando pelo campo epistemológico:
Espinoza fala da existência de três gêneros do conhecimento.
O homem está articulado com esses três:
1. gênero da experiência vaga ou da consciência. Para Espinoza isso que chamamos de consciência é apenas o resultado dos nossos corpos em relação a natureza. Ou seja, o meu corpo a minha vida não para de se encontrar com outros corpos e com outras vidas. nesse encontro de corpos o meu corpo vai receber marcas/ signos/ letras; minha consciência é resultado dessas interações, logo a consciência é da servidão... ela é um resultado de forças de fora, portanto apaixonado. ( ex. a criança se constitui por forças que vem de fora. Essa consciência vai gerar todas as tormentas dela mesma e preciso produzir a liberdade desses fantasma para isso é preciso chegar no terceiro gênero de pensamento)
2. gênero da razão - é uma pratica em que o homem tem atividade... se relaciona com a natureza; capacidade de conhecer o que está do lado de fora. Mas este conhecimento não permite que o homem seja criador, mas apenas conhecer a realidade.
3. gênero - ciência intuitiva. É o poder de invenção e de vigor do conhecimento humano. Ele inventa e cria. objetiva produzir novos modos de vida. Produz o novo. Não está aqui para buscar o que é melhor para os homens mas ultrapassar aquilo que é. É preciso criar algo novo para avançar na vida; é outra maneira de existir - este se liga com a concepção de liberdade; liberdade e pensamento. Pensamento relacionado com pensamento. (Espinoza vai aqui romper com toda a natureza como modelo - se você quiser entender a natureza não queira dar conta da natureza nem encontrar significados - ela é forças, caos, relação de forças, poder, intensidade... não é mais significar a natureza ela não tem significação alguma, mas produzir uma outra vida, i. é, o novo) - a filosofia é esse terceiro gênero de conhecimento. Ela é uma ética que produz uma vida superior)
Liberdade e pensamento é a grande questão do Espinoza.
o que Espinoza está objetivando é a produção de um tipo de vida da liberdade de obter um pensamento; a força maior da vida é o pensamento.
Vamos pegar os spinozistas:
não existe uma obra do Espinoza mas processos spinozistas. Toda obra é assim, não é aquilo que ela é, mas aquilo que ela se torna. vejamos que novo pensamentos que ela produz para de fato ser espinozista.
1. Foucaut
2. Saint Yller
3. Deleuze
1. Foucaut - tem uma obra bem criticada. Ele retorna à Grécia no fim da vida. Ele vai trazer alguma coisa de novo da antiguidade. seu investimento teórico do séc. IV e V é que o grego traria uma questão: preocupação de produzir uma vida livre.
O grego tem duas práticas dentro da existência dele: ele se preocupa em organizar sua cidade, produz as suas leis; o grego acha e executa a economia da sua cidade. Administrar a cidade e a economia da cidade. Ora, como eu vou administrar a minha cidade e a minha casa/economia se eu não tiver poder sobre mim mesmo? Ele libera a questão de o poder sobre si próprio ou seja, liberdade: relação agonística de si consigo próprio, ou seja, ele traz dentro de si um conjunto de forças... ele precisa se realizar a si próprio com uma luta em si próprio. As forças ativas e forças reativas. Um homem só é livre se ele se realizar a si como um campo de batalha. Essas forças ativas produzem uma vida livre... quando as forças ativas vencem as outras forças.
A estética do grego é produzir uma vida bela
quando o terceiro gênero produz
quem dirige a sua ida é você mesmo/ quando as forças vem de você mesmo; isso seria liberdade.
É bom lembrar que Foucaut é espinozista neste sentido. A originalidade do Foucaut é que ele se preocupa com a formação da subjetividade do sujeito na Grécia. Ele abandona as pesquisas tradicionais; ele entende que essa prática é uma invenção grega. Isso não é campo de saber mas campo de poder. Se os gregos inventaram a relação de si para consigo de onde inventaram isso? individuação e identidade foram invenções gregas. (nós entregamos a vida de um lado a deus, de outro a moral, mas basta entregá-la às forças.
2. Saint Yller- começa a pensar a vida, e libera uma ideia chamada anatômico, em termos de forças abstratas que estariam por baixo da carne que fazem a vida ser vida. (forças sub atômicas) pensar a vida sem modelos significativos pois a vida é um campo de forças e nada mais. Só o terceiro gênero dará conta desse mecanismo sobre a vida. Espinoza é um pensador que pensa corpos; corpos que se encontram e alimentam a força ou a diminuem... Espinoza chama de territórios afetivos. Espinoza pensa a liberdade em alto nível. Hoje em dia é muito pobre achar que somos regidos livremente pela consciência. Há outros atores em cena: o desejo, o inconsciente, as angústias... a subjetividade da vida e ser dominado pelas marcas infantis, os mitos, os fantasmas. A natureza é força e a consciência é resultado dela.
Aula de filosofia tem que ter responsabilidade ou não vale nada - tem que produzir modificação - aula de filosofia é algo seríssimo é uma máquina de guerra - tem que produzir a diferença. Não devemos banalizar a filosofia.
Segundo Espinoza a vida talvez ainda não tenha começado neste planeta.
Nossas vidas são determinadas pela consciência, se tornam vidas tão vazias tão opacas que estamos desejando a morte pelo amor de Deus.
O texto acima foi por mim transcrito de um áudio antigo que encontrei. O reproduzi conforme meu entendimento, sendo qualquer erro de minha particular responsabilidade.
O texto acima foi por mim transcrito de um áudio antigo que encontrei. O reproduzi conforme meu entendimento, sendo qualquer erro de minha particular responsabilidade.
Erivan Silva
Édipo, Anti-Édipo e Complexo de Édipo: a esquizofrenia como possibilidade de uma nova existência
"Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar.
Meus vinte anos de boy, that's over baby! Freud explica."
- CHÃO DE GIZ
Zé Ramalho
"O psicótico [esquizofrênico] perdeu o contato coma realidade. Como ele, provavelmente, o neurótico também pensa que dois mais dois são cinco... mas, à diferença do primeiro, isso o aborrece terrivelmente! É por esse caminho que percebemos que ele ainda se atém à realidade, não fosse por sua angústia. (...) o neurótico é aquele que constrói castelos no ar, o psicótico [esquizofrênico] mora nesses castelos (o que é mais lastimável)... e o psiquiatra embolsa o aluguel!"
- LUC FERRY
"Como consegue a psicanálise reduzir, desta vez o neurótico, a uma pobre criatura que consome eternamente papai-mamãe, e nada mais?"
Gilles Deleuze e Felix Guattari
Todos devem conhecer o mito de Édipo. Aquele que alertado sobre seu destino (μοίρα) de matar o pai (Laio) e desposar a mãe (Jocasta) foge sem saber que ao fugir estaria cumprindo aquilo que o oráculo já profetizara. Na tragédia de Sófocles encontramos Édipo se lastimando com essas palavras:
Πυθώδε, καί μ᾿ ὁ Φοῖβος ὧν μὲν ἱκόμην, ἄτιμον ἐζέπεμφεν, ἄλλα δ᾿ ἀτλιῳ καὶ δεινὰ καὶ δύστηνα προὐφανη λέγων, ὡς μετρὶ μὲν χρείη με μιχθῆναι, γενος δ᾿ ἄνθροπώποσι δηλώσοιμ᾿ ὁρᾶν, φονεύς δ᾿ ἐσοίμεν τοῦ φυτεύσαντος πατρός.
(Febo me dispensa, sem honrar-me com a resposta que fui buscar, mas manifesta-se com outras palavras, miseráveis, horríveis, desgraçadas: diz que devo me unir a minha mãe e que exporei aos homens uma prole insuportável de se ver e que serei o assassino do pai que me gerou.)
Apesar das várias versões da narrativa, sabemos que Édipo tem seu destino traçado antes mesmo de seu nascimento. O pai de Édipo se chama Laio e sua mãe, Jocasta. No momento em que nossa história começa, eles acabam de ter conhecimento de um terrível oráculo, dizendo que, se por acaso tiverem um filho, ele mataria o pai e, segundo alguns, ainda por cima causaria a destruição de Tebas. Como era frequente na época nesse tipo de situação, os pais tomam a triste decisão de abandonar a criança - expô-la, como se dizia então, porque eram em geral amarradas numa árvore e expostas ao apetite de animais selvagens, mas também, eventualmente, à clemência dos deuses. Laio e Jocasta entregam o bebê a um dos seus empregados, um pastor, para que ele o abandone em algum lugar. O homem trata o infeliz como se fosse uma caça: fura-lhe os tornozelos para passar uma corda e transportá-lo mais facilmente nas costas, para em seguida pendurá-lo numa árvore e deixá-lo exposto. É de onde vem o nome Édipo, que em grego significa simplesmente "pés perfurados/inchados (οιδιπους). Édipo para sempre estará com os calcanhares acorrentado ao destino (μοίρα) inexorável dos deuses. Fato é que Édipo acaba cumprindo aquilo que o oráculo a muito profetizara. Ao saber de sua verdadeira identidade Édipo fura os próprios olhos e se considera uma exilado errante.
A figura do Édipo vai ganhar novas conotações na pena psicanalista de Freud muitos séculos à frente. Se valendo do mito trágico como matéria de explicação de fenômenos de origem incerta ou oculta (incosciente), Freud batizará de "complexo de Édipo". Eis como Freud esclarece esse ponto central de sua teoria: "O menino concentra seus desejos sexuais na pessoa da mãe e concebe impulsos hostis contra o pai, considerado como rival. Essa é também - "mutantis mutandis" - a atitude da menina. Os sentimentos que se formam durante essas relações não são somente positivos, isto é, afáveis e plenos de ternura, mas também negativos, isto é, hostis. Forma-se um "complexo" (conjunto de ideias e recordações ligadas a sentimentos muito intensos) certamente condenado a uma rápida rejeição. (Reale) É todo esse complexo neurótico freudiano que Deleuze e Guattari irão criticar no seu primeiro livro: O Anti-Édipo. Livro publicado em 1972, fruto de Maio de 68, é uma reação à psicanálise de Freud e Lacan. O livro não é uma reação contra a psicanálise mas, a superação de estruturas explicativas que limitam o homem e seu desejo; tem como proposta explorar novos caminhos para o inconsciente e o desejo rompendo com o paradigma freudiano-lacaniano.
"Nem mesmo Freud sai desse estreito ponto de vista do eu. E o que o impedia era sua própria fórmula trinitária - a edipiana, a neurótica: papai-mamãe-eu". (Deleuze e Guattari pág 39) Nesse modelo trinitário tudo vira triangular e os autores do Anti-Édipo irão propor uma nova possibilidade de existência que fuja da edipianização, isto é, o esquizofrênico. Cabe aqui lembra ao leitor que não se trata da esquizofrenia como patologia mas como um modelo que se opõe ao modelo psicanalítico da neurose. Trata-se, em outras palavras, de uma nova possibilidade de existência que não pode mais ser enquadrada ao triangular papai-mamãe-eu. O próprio Freud é preso a essa cadeia neurótica. A certa altura do livro Totem e Tabu, Freud escreve:
"A psicanálise nos ensinou que a primeira escolha sexual do menino é incestuosa, concerne aos objetos proibidos, à mãe e à irmã (...) Em sua vida psíquica inconsciente, então, as fixações infantis incestuosas da libido têm ainda - ou novamente - um papel determinante". (pág 11)
Obs: Este texto está incompleto. Por falta de tempo para minhas reflexões publico-o provisoriamente.
Erivan Silva
Obs: Este texto está incompleto. Por falta de tempo para minhas reflexões publico-o provisoriamente.
Erivan Silva
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Zaratustra e Hal-9000: Uma breve reflexão nietzscheana sobre 2001, uma odisseia no espaço
Zaratustra e Hal-9000: uma breve reflexão nietzscheana sobre 2001 uma
odisseia no espaço
Por Erivan Silva*
O que os leitores devem saber antes? Espero que os leitores tenham assistido
2001: uma odisseia no espaço antes da leitura do texto que se segue; espero
ainda que os leitores tenham um conhecimento ainda que básico dos principais
conceitos nietzscheanos sobretudo: apolíneo e dionisíaco, eterno retorno e
Além-do-homem. Não escrevi esse texto tendo em mente um público alvo nem
tampouco primei pelo caráter didático ou introdutório. Se parecer didático não
foi intencional. Escrevi para cristalizar minhas impressões particulares sobre
a influência do pensamento nietzscheano no filme de Kubrick. Pode ser que o
leitor não veja relação alguma, mas isso não me importa.
Primeiramente acho justo lembrar ao leitor que
o texto que se segue trata-se apenas de uma reflexão particular; de um ponto de
vista entre tantos outros. Não é minha intenção aqui fazer uma interpretação
objetiva do longa. Ora, nem o próprio Kubrick nem seu co-autor Arthur C. Clarke
tinham essa intenção. É do nosso conhecimento que Clarke teria dito que quem
entendesse o filme de primeira ele (juntamente com Kubrick) teriam falhado. Em
segundo lugar, não tenho a mínima intenção de explicar o filme cena-a-cena
àqueles que por um motivo ou outro não entenderam (Eu mesmo não tenho certeza
se entendi. Espero que o leitor assista o filme e tire suas próprias conclusões). Meu objetivo é simplesmente refletir a partir de uma leitura
nietzscheana. Essa leitura não é certa nem errada é apenas uma leitura
subjetiva vista sob a ótica conceitual de Nietzsche, sobretudo do seu livro
Assim falava Zaratustra.
O longa 2001: uma odisseia no espaço, teve sua
estreia em 29 de abril de 1968 e até hoje continua encantando pessoas no mundo
inteiro. Não é apenas um filme, é uma obra de arte. Cada imagem é uma
fotografia em movimento, cada som uma sinfonia rigorosa. Foi uma das sinfonias
do filme que despertou meu interesse inicial, a saber: Also sprach Zarathustra
de Richard Strauss. O filme começa e termina com esse poema sinfônico, mais
especificamente em sua primeira estrutura: einleitung (introdução), ou o nascer
do Sol. Entre o início e o fim do filme uma série de conceitos nietzscheanos
ficaram explícitos. Como exemplo: o apolíneo e o dionísiaco, o eterno retorno
do mesmo, o além-homem, a vontade de potência, o lugar que a solidão ocupa em
todo filme... Isso sem falar do caráter perspectivista e ruminante da obra.
Segundo a filósofa Scarlett Marton, Nietzsche quer ser lido de uma forma:
"Lentamente, com cuidado e consideração. Do leitor ideal espera coragem e
curiosidade; exige uma leitura compromissada"[1]. Se Zaratustra é o
alter-ego de Nietzsche, um certo "Nietzsche" é o alter-ego de
Kubrick. Quem acha que pode assistir Kubrick de forma apressada, sem cuidado ou
consideração, perde o seu tempo e certamente adjetivará 2001 como chato,
cansativo, sem graça... Sobre o caráter perspectivista, ou olhares múltiplos
sobre "X", afirmamos tal qual Deleuze-Guattri que a tarefa da
filosofia é formar, inventar, fabricar conceitos. Seguindo a mesma linha de
pensamento que os filósofos franceses, Marton escreve: "Aspectos do
pensar, filosofia, ciência e arte distinguem-se, mas abrigam elementos e
funções análogas. No plano da imanência da filosofia, existem conceitos e
personagens conceituais, forma do conceito; no plano de referência ou de
coordenação da ciência, funções e observações parciais, função do conhecimento;
no plano de composição da arte, sensações e figuras estéticas, força da
sensação. Planos irredutíveis, filosofia, arte e ciência têm em comum o fato de
mergulhar no caos e dele trazer variações conceituais, variedades sensíveis e
variáveis funcionais." [2]. Tanto a obra literária de Nietzsche quanto a
obra cinematográfica de Kubrick evocam essas variáveis (conceituais, sensíveis
e funcionais). Em 2001: uma odeisseia no espaço, filosofia, ciência e arte se
encontram harmoniosamente. O crítico de cinema Michel Ciment diz que 2001 é uma
"sinfonia musical", e ainda: "Tanto o poema sinfônico de Richard
Strauss quanto o filme de Kubrick, outro poema sinfônico, são uma ilustração da
visão nietzscheana. Eles repercutem seu eco em uma recriação artística
perfeitamente autônoma. 2001 propõe a mesma progressão que há em Nietzsche, a
passagem do macaco ao homem e depois do homem ao super-homem"[3]. No
prólogo de Zaratustra Nietzsche escreve: "Que é o símio (macaco) para o
homem? Uma irrisão ou uma dolorosa vergonha. Pois tal deve ser o homem para o Além-Homem:
uma irrisão ou uma vergonha. (...) o homem é ainda mais símio que todos os
símios" [4]. Há ainda uma analogia entre Das três transmutações e a
linearidade do filme. "Três metamorfoses do espírito vos menciono: de como
o espírito se muda em camelo, e em leão o camelo, e em criança, finalmente, o
leão" [5]. Esta tripartição pode muito bem ser aplicada ao filme, sendo: o
camelo, o período da aurora da humanidade onde o fardo da existência começa a
pesar em suas costas (em 2001 os símios ainda não são totalmente bípedes); o
leão, compreende o período em que o homem já domina a técnica, é senhor do seu
mundo e almeja ir além do planeta de origem. É um caçador; por fim, temos a
criança, que aparece literalmente no final do filme. "A figura da criança
remeteria assim a esse momento em que o pensamento, agora lúdico, não se
ocuparia mais com ajustes de contas ou refutações nem mais visaria a atingir
objetivos ou a cumprir finalidades"[6]. "O feto que aparece no fim e
forma como que um segundo globo diante da terra, esse novo ser às portas de uma
nova aurora, é a expressão de um eterno retorno"[7].
"A doutrina do eterno retorno do mesmo é
tradicionalmente interpretada de duas maneiras, a saber: 1) como uma tese cosmológica
que postula um movimento eterno e cíclico para o universo; 2) como uma espécie
de imperativo ético que sugere a seguinte exortação: viva cada momento, de tal
forma, como se esse momento fosse se repetir infinitas vezes"[8] Este
último nos lembra o imperativo categórico de Kant. "Houve quem defendesse
haver uma semelhança profunda entre o eterno retorno e o imperativo
categórico" (...) Houve ainda quem julgasse que, enquanto Kant estendia a
ação em latitude, fazendo-a propagar-se numa repetição ilimitada nos membros da
sociedade, Nietzsche a ampliava em longitude, fazendo-a repetir-se numa
sucessão infinita em cada ser humano. Estas multiplicações teriam o mesmo fim:
dar às ações o seu verdadeiro peso e enfatizar, com isso, a responsabilidade do
homem"[9]. É o próprio Nietzsche que afirma em um de seus fragmentos:
"minha doutrina diz: a tarefa consiste em viver da tal maneira que devas
desejar viver de novo; tu viverás de novo de qualquer modo!" (fragmento
póstumo 11[163] da primavera/ outono de 1881). A mim, não parece que esta
maneira seja aquela vista em 2001. Já, a primeira interpretação, me parece mais
coerente a harmonia fílmica. Evoco Scarlett Marton para explicar essa primeira
interpretação.
"Ao expor a versão cosmológica de sua
doutrina, Nietzsche parte, basicamente, de duas ideias: a força é finita o
tempo é infinito. Assumindo-as como premissas, não chega a prová-las; na
verdade, nem teria como fazê-lo. (...) Querendo-vir-a-ser-mais-forte, a força
esbarra em outras, que lhe opõe resistência, mas o obstáculo constitui um
estímulo. Inevitável, trava-se a luta por mais potência. Não há objetivos a
atingir; por isso ela não admite trégua nem prevê termo. Insaciável, continua a
exercer-se a vontade de potência. Não há finalidade a realizar; por isso ela é
desprovida de caráter teleológico"[10].
2001 do começo ao fim é uma vontade de
potência que esbarra em outras vontades de potência. Ciment também captou esse
conflito contínuo: (...) o conflito (briga entre os macacos pelo ponto de água;
competição latente entre os cientistas russos e americanos na estação espacial;
luta mortal entre o computador [Hal-9000] e os astronautas; conflito de Bowman
consigo mesmo antes de sua transformação final)[11].
Ainda sobre o eterno retorno vemos no filme rodas
que em todo momento estão girando ao som da valsa An der schönen (sobre o belo
Danúbio azul) composta por Johann Strauss II. "A ideia audaciosa de usar
Danúbio azul não evoca simplesmente a música das esferas com humor eufórico,
ela acrescenta uma ponta nostálgica, característica de Kubrick, a uma época em
que as notas de Johann Strauss embalavam os ocupantes da roda gigante da Prater
de Viena"[12].
A solidão e a ansiedade do homem moderno é uma
tônica de 2001. Kierkegaard parece ter visto o filme quando escreveu:
"Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se é perder a si
mesmo... E aventurar-se no sentido mais elevado é precisamente tomar
consciência de si próprio". Ciment avalia 2001 como um filme da solidão e
ansiedade humanas elevadas as últimas consequências como veremos adiante.
"O homem está então sozinho, a máquina não pode fazer nada quanto a isso.
É o que mostra 2001: o homem ultrapassa o estágio animal por intermédio da
tecnologia, atinge o estágio de super-homem libertando-se dessa mesma
tecnologia" Foi pensando nessa solidão cósmica que Arthur C. Clarke
escreveu "Às vezes penso que estamos sozinhos no universo e às vezes penso
que não: em ambos os casos, essa ideia me faz vacilar".
"Na verdade, uma das armadilhas da ficção
cientifica é sua frequente incapacidade de sair de uma visão antropomórfica do
cosmos. Há bilhões de estrelas na galáxia e bilhões de galáxias no universo
visível e um dos temas privilegiados é o das 'outras' civilizações. Mas é difícil
imaginar esses mundos diferentes sem recorrer a nossas medidas humanas e assim
torná-las derrisórias"[14]. Transcrevendo as palavras de Kubrick sobre a
impotência do pensamento humano:
"Algumas palavras devem situar-se em um
nível que o humano não pode situar. Esses seres provavelmente teriam poderes
incompreensíveis. Poderiam se comunicar por telepatia através do universo
inteiro. Poderiam ter a capacidade de modelar os acontecimentos de uma maneira
que nos parece divina. Poderiam até mesmo representar uma espécie de
consciência imortal que faça parte do universo. Quando você começa a se
interessar por esse tipo de assunto, as implicações religiosas são inevitáveis,
pois todas essas características são as que se atribui a Deus. Assim, aí está,
se quiserem, uma definição de Deus perfeitamente científica"
(...)"pois como toda verdadeira
odisseia, 2001 é uma viagem no mundo exterior que se torna uma descoberta de si
mesmo. De objetivo, o relato torna-se subjetivo, a ao penetrar no centro lógico
memorial de Hal 9000, Bowman começa um périplo no interior do labirinto de sua
própria consciência"[16].
Apesar de não estar explícita o conceito de
solidão nietzscheano no 2001, ainda assim tal conceito não pode ser ignorado.
Isso fica evidente em pelo menos duas cenas: 1) quando Poole deitado sobre uma
espécie de maca recebe as felicitações de aniversário de seus pais; 2) na
última cena em que Bowman se encontra sozinho consigo próprio num quarto de
hotel renascentista. Apesar de no último ato ficar na presença do monólito,
ainda assim, não é uma companhia verdadeira. O monólito é o grande "Outro"
que sempre se afasta no clímax do encontro. Talvez temos aqui uma nova
representação do drama edipiano, "o monólito não seria apenas o símbolo de
Deus [transcendente, intangível, o "Outro" absoluto] mas a autoridade
em geral, e, portanto, o pai, que a criança sonha em assassinar para tomar seu
lugar"[17]. Há ainda uma terceira cena de solidão que requer nossa atenção
pela sua peculiaridade: A morte ou "assassinato" de Hal-9000. Vemos
um antropopatismo maquinal. Um computador (Hal-9000) em todo o filme, tem mais
sentimentos humanos que os próprios humanos. Na cena citada, Hal demonstra um
"genuíno" medo de morrer. Toda morte é uma experiência solitária.
Ninguém morre no lugar de outro, portanto, medo e solidão são fenômenos
recorrentes na hora final. Do Cristo tendo medo no Gêtsamani ("minha alma
está angustiada até a morte") ao Cristo solitário e desamparado na cruz
("Deus meu, Deus meu porque me desamparastes?") a experiência é única
a todo ser vivo desde de que tenha consciência como Hal p.ex. "A morte de
Hal, essa lobotomia realizada por Bowman sobre os circuitos pensantes, é uma
das sequencias mais comoventes da obra de Kubrick, com as
súplicas: 'Estou com medo, Dave. Meu cérebro está vazio. Sinto que se esvazia.
Minha memória se vai, tenho certeza', e depois a melancólica canção de sua
juventude: 'Dasy, give me your answer, do / I'm half crazy', e a voz que some
lentamente, ficando cada vez mais grave, para morrer numa rouquidão
interminável". Aqui o antropomorfismo é levado às últimas consequências.
Evidenciamos isso através da fala do computador: "tenho medo", uma
máquina pode ter medo?; "meu cérebro", não são apenas seres orgânicos
que dispõe desse órgão?; "sinto", quais sistemas inorgânicos fazem
com que uma máquina sinta?; por fim, vemos Hal cantando uma música que diz ter
aprendido na infância, seria ele agora um adulto? Se eu não estiver enganado em
todo filme aparece dois cânticos: 1) os pais de Poole cantando sem vida ou
entusiasmo o "parabéns pra você"; 2) Hal cantando Dasy cheio de
nostalgia e emoção ante sua hora final. A inversão segue a seguinte dialética:
o animal evolui para o humano (o humano é uma negação do animal), o humano cria a máquina e esta lhe rouba sua
humanidade (a máquina é uma negação do humano) - negação do humano orgânico. Na cena citada, Hal-9000 é um humano,
demasiado humano.
Sobre o
apolíneo e o dionisíaco utilizarei como texto base As reflexões do jovem
Nietzsche do trágico e da tragédia grega. Escrito por João Evangelista Tude de
Melo Neto, compõe a segunda lição do livro 10 lições sobre Nietzsche. O motivo
da escolha é justamente o caráter sistemático do texto.
como apolíneo, no contexto nietzscheano,
podemos definir como o impulso natural responsável pela individuação de todos
os entes que se fazem presentes na natureza; como dionisíaco entende-se uma
espécie de impulso de ruptura das fronteiras individuais e, ao mesmo tempo,
como movimento de aderência mística à unidade primordial do todo[19].
Nietzsche julga ter descoberto no par
Apolo-Dionísio uma ferramenta muito útil para estudar o desenvolvimento da
arte. Tanto assim é que, graças a ela, afirma ter resolvido o enigma da origem
da tragédia. Aos seus olhos, a tragédia Ática é o milagroso resultado da fusão
entre os instintos antagônicos do apolíneo e do dionisíaco[20].
Sendo o apolíneo e o dionisíaco uma chave para
a compreensão da arte trágica, tomarei essa chave de empréstimo para refletir
2001.
No contexto da mitologia grega, Apolo e
Dionísio, apesar de serem irmãos por parte de pai (ambos são filhos de Zeus),
são caracterizados como divindades antagônicas. Na maioria das vezes, Apolo é
representado como um jovem que possui corpo atlético, o qual manifesta uma
beleza simetricamente harmônica. Apolo simboliza: a sobriedade, a ordem, a
distância, a distinção, a visão clara, a individualidade... Apolo representa
ainda a luz do Sol, a luz da razão que ilumina a obscuridade e permite ao homem
distinguir o verdadeiro do falso. No longa em questão, a epifania apolínea é
evidente a começar pelo Sol que aparece por mais de uma vez alinhado à Lua e a
Terra derramando seu brilho sobre os astros com quem divide a imagem. A imagem
do Sol alinhada coma Lua é ainda símbolo do zoroastrismo, religião persa
fundada por um profeta chamado Zaratustra (histórico). O Zaratustra de Nietzsche
é um profeta excêntrico que faz antagonismo ao original. O Zaratustra
niezscheano é uma personagem literária na qual se cristaliza a necessidade de
deixar para trás todas as ideias que esgotam a força vital. Toda tecnologia que
aparece no filme a partir do segundo ato: a ciência tecnológica que levou o
homem a lua, Hal-900, toda cena dialogal, Quando Poole joga xadrez com Hal, são
evidências do apolíneo que louva a razão. Uma outra cena bem apolínea é quando
Poole com seu corpo atlético faz seus exercícios na nave que gira, símbolo do
eterno retorno. Tal qual um rato individual numa gaiola giratória assim é o dr.
Poole que treina box enquanto corre. Nada mais contrastante que os outros três
cientista que estão em seu sono sem sonhos no processo de criogenia. Estes são
dionisíacos já que em seu sono o individual não mais existe.
O dionisíaco também salta aos olhos em vários
momentos do filme. Dionísio, deus do vinho, da embriaguês e do excesso
orgiástico, simboliza o fluxo contínuo da vida que constitui a natureza. Mas
não apenas da vida. Melo Neto nos lembra e exemplifica que Dionísio é também o
deus da morte que leva a dissolução dos indivíduos para, desse modo, promover a
manutenção da totalidade vivente. Segue o exemplo: o predador devora a presa e,
por consequência, destrói a vida individual desta. Todavia, a energia vital da
presa continua a existir na vida do predador, até o momento em que este também
é devorado, ocasião na qual o fluxo eterno da energia vital ganha continuidade
em um terceiro ser vivo. Conforme esse exemplo, a morte que dissolve o
indivíduo é justamente o que mantém o ciclo interminável da vida. Em suma,
Dionísio é a vida perpétua do todo que se alimenta da morte das suas
partes[21].
O exemplo citado acima por Melo Neto é visto
algumas vezes no longa: 1) quando os macacos começam a se alimentar de carne de
anta, neste caso, a morte individual da anta passa a ser a mantenedora da vida;
2) quando o leopardo se alimenta do macaco; 3) quando, para manter seu conatus
vital, Hal mata os cientistas e abandona Bowman a própria sorte. Nos dois
primeiros exemplos a energia vital se perpetua com a morte dos indivíduos. No
último caso o exemplo é um pouco forçado já que não temos certeza se de fato
Hal está mesmo vivo. O dionisíaco aparece nas sinfonias de Johann Strauss e
Richard Strauss... A música é a diluição do individual sendo percussiva e inebriante.
Segundo Melo Neto, Dionísio "aparece ainda, em forma de criança
(...)". O feto que aparece no final do filme pode ser atribuído a
simbólica dionisíaca, já que a criança, em especial o feto, não conhece a
individualidade. O ciclo da transmutação se torna completo agora que o leão
outrora camelo se torna criança.
O feto que aparece no fim no ato final pode
ser tomado como um símbolo do Além-Homem? Sim, porém com reservas. O filme
parece indicar uma lógica darwinista algo contrário ao pensamento de Nietzsche.
“Uma outra raça de gado erudito acusou-me [...] de darwinismo” (EH/EH. Por que
escrevo livros tão bons,§1). Não se trata de entender o homem como uma espécie
biológica que poderia ser superada por meio da elevação de suas potencialidades
físicas e intelectuais[22] O que deveria ser ultrapassado não é o homem
biológico mas o tipo de vida humana predominante na civilização ocidental.
“Na nova cultura transvalorada, este novo
homem não mais pautaria sua existência pelo além; sua referência seria a
própria vida terrestre. Nesse sentido, a distinção fundamental entre o
Além-do-Homem e o homem da tradição vigente está na relação que estes dois
estabelecem com a vida terrena. Ao contrário do homem da civilização em
vigência, que apenas suporta a vida terrena à luz da esperança de uma redenção
no além, o Além-do-homem seria capaz de afirmar a existência terrena, sem
precisar de nenhum consolo metafísico ou religioso”[23]
Enquanto o homem vigente é transcendentalista,
vive para o além, o Além-do-homem é imanentista, vive no aquém; aceita o eterno
retorno como um prêmio pois a vida terrena tem peso de eternidade.
Eu entendo que a simbólica de 2001 participa
desta interpretação: o homem em busca do transcendente (o monólito que aparece na
lua e posteriormente em Júpiter) acaba retornando ao imanente: o feto retorna a
terra e não em um paraíso celeste. Temos a ideia do Além-do-homem que aceita
retornar eternamente à vida na terra.
O próprio Nietzsche através de Zaratustra pede
a fidelidade à terra:
“Eis, eu vos ensino o Além-Homem.
O Além-Homem é o sentido da terra. Assim fale
a vossa vontade: possa o Além-Homem tornar-se o sentido da terra. Exorto-vos, ó
meus irmãos, a permanecerdes fiéis à terra, e a não acreditar naqueles que vos
falam de esperanças supraterrestres”[24]
Zaratustra roga os homens que permaneçam fiéis
à terra. Seu discurso busca lembrá-los de que a terra é o que lhes é dado, e
isto também significa aceitá-la como um limite, que simultaneamente possibilita
e alimenta de vida, mas que é finito[25] .Em uma das cenas do filme, a que
antecede Bowman no quarto renascentista, vemos sua nave a semelhança de um
espermatozoide adentrar em uma dimensão que se assemelha a um útero feminino.
Talvez seja uma interpretação forçada e libidinal aos moldes freudianos, mas é
o que de fato me parece. Tanto é que depois destas coisas vemos um feto
retornando à terra. Essa suposta orgia cósmica é ainda alusão ao dionisíaco e
sua diluição do individual. A cena nos remete ainda a analogia de outra deusa
da mitologia grega: Deméter. Também conhecida como a deusa do trigo, da
fertilidade, das colheitas, Deméter vem de Gemeter, onde Ge diz gerar, e “meter”,
mãe, a mãe-terra.
Der Über-Mench, o super-homem, é anunciado por
Zaratustra como o sentido da terra. Ou seja, Zaratustra não ensina o
super-homem como aquele que coloca acima do humano, como um ideal a ser
atingido. Über significa intensificação, intensificação do humano, do que é
mais próprio do homem. É desse modo que, e unicamente assim, que pode ser o
sentido da terra [26].
Em suma, entendo que tanto a filosofia de
Nietzsche quando o longa do Kubrick convergem em um único sentido: afirmação da
vida. Encerro citando Deleuze: “Os modos de vida inspiram maneiras de pensar,
os modos de pensar criam maneiras de viver. A vida activa o pensamento e o
pensamento, por seu lado, afirma a vida”[27].
*Erivan Silva é estudante de filosofia
Notas
[1] MARTON, Scarlett. Nietzsche, seus leitores
e suas leituras. São Paulo. Ed Barcarolla, 2010. Pág. 22.
[2] Idém. Págs 32,33.
[3] CIMENT, Michel. Conversas com Kubrick. São
Paulo. Ed CosacNayf, 2013. Pág 94.
[4] NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra.
Tradução de Mário Ferreira dos Santos. Rio de Janeiro. Ed Vozes. Pág 19.
[5] Idém. Pág 39.
[6] MARTON, Scarlett. Nietzsche, seus leitores
e suas leituras. São Paulo. Ed Barcarolla, 2010. Pág 23.
[7] CIMENT, Michel. Conversas com Kubrick. São
Paulo. Ed CosacNayf, 2013. Pág 94,95.
[8] NETO, João Evangelista Tude de Melo. 10
Lições sobre Nietzsche. Rio de Janeiro.
Ed Vozes. Pág 89.
[9] MARTON, Scarlett. Extravagâncias, ensaios
sobre a filosofia de Nietzsche. São Paulo. Ed Barcarolla, 2009. Pág 92,93.
[10] Idém. Pág 96,97.
[11] CIMENT, Michel. Conversas com Kubrick.
São Paulo. Ed CosacNayf, 2013. Pág 96.
[12] Idém. Pág 97.
[13] Ib idém. Pág 92.
[14] ib idém. Pág 93.
[15] CIMENT, Michel. Kubrick. São Paulo. Ed
Ubu, 2017. Pág 91.
[16] CIMENT, Michel. Conversas com Kubrick.
São Paulo. Ed CosacNayf, 2013. Pág 96.
[17] Idém. Pág 99.
[18] Ib Idém. Pág 98.
[19] NETO, João Evangelista Tude de Melo. 10
Lições sobre Nietzsche. Rio de Janeiro. Ed Vozes. Pag 34-36.
[20] LLÁCER, Toni. Nietzsche: o super-homem e
a vontade de poder. São Paulo. Ed Salvat, 2015. Pág 99.
[21] NETO, João Evangelista Tude de Melo. 10
Lições sobre Nietzsche. Rio de Janeiro. Ed Vozes. Pág 35.
[22] Idém. Pág 99.
[23] Ib Idém. Pág 101-102.
[24] NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra.
Tradução de Mário Ferreira dos Santos. Rio de Janeiro. Ed Vozes. Pág 19.
[25] VIEIRA, Maria Cristina Amorim. Sobre o
sentido da terra. In Leituras de Zaratustra (vários Autores). Rio de Janeiro.
Ed Mauad, 2011. Pág 225.
[26] Idém. Pág 228.
[27] DELEUZE, G. Nietzsche. Portugal. Ed 70,
2014. Pág 18.
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