terça-feira, 3 de outubro de 2017

Édipo, Anti-Édipo e Complexo de Édipo: a esquizofrenia como possibilidade de uma nova existência

"Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar.
Meus vinte anos de boy, that's over baby! Freud explica."
- CHÃO DE GIZ
Zé Ramalho


"O psicótico [esquizofrênico] perdeu o contato coma realidade. Como ele, provavelmente, o neurótico também pensa que dois mais dois são cinco... mas, à diferença do primeiro, isso  o aborrece terrivelmente! É por esse caminho que percebemos que ele ainda se atém à realidade, não fosse por sua angústia. (...) o neurótico é aquele que constrói castelos no ar, o psicótico [esquizofrênico] mora nesses castelos (o que é mais lastimável)... e o psiquiatra embolsa o aluguel!"
- LUC FERRY


"Como consegue a psicanálise reduzir, desta vez o neurótico, a uma pobre criatura que consome eternamente papai-mamãe, e nada mais?"
Gilles Deleuze e Felix Guattari



Todos devem conhecer o mito de Édipo. Aquele que alertado sobre seu destino (μοίρα) de matar o pai (Laio) e desposar a mãe (Jocasta) foge sem saber que ao fugir estaria cumprindo aquilo que o oráculo já profetizara. Na tragédia de Sófocles encontramos Édipo se lastimando com essas palavras:

Πυθώδε, καί μ᾿ ὁ Φοῖβος ὧν μὲν ἱκόμην, ἄτιμον ἐζέπεμφεν, ἄλλα δ᾿ ἀτλιῳ καὶ δεινὰ καὶ  δύστηνα προὐφανη λέγων,  ὡς μετρὶ μὲν χρείη με μιχθῆναι, γενος δ᾿ ἄνθροπώποσι δηλώσοιμ᾿ ὁρᾶν, φονεύς δ᾿ ἐσοίμεν τοῦ φυτεύσαντος πατρός. 

(Febo me dispensa, sem honrar-me com a resposta que fui buscar, mas manifesta-se com outras palavras, miseráveis, horríveis, desgraçadas: diz que devo me unir a minha mãe e que exporei aos homens uma prole insuportável de se ver e que serei o assassino do pai que me gerou.)


Apesar das várias versões da narrativa, sabemos que Édipo tem seu destino traçado antes mesmo de seu nascimento. O pai de Édipo se chama Laio e sua mãe, Jocasta. No momento em que nossa história começa, eles acabam de ter conhecimento de um terrível oráculo, dizendo que, se por acaso tiverem um filho, ele mataria o pai e, segundo alguns, ainda por cima causaria a destruição de Tebas. Como era frequente na época nesse tipo de situação, os pais tomam a triste decisão de abandonar a criança - expô-la, como se dizia então, porque eram em geral amarradas numa árvore e expostas ao apetite de animais selvagens, mas também, eventualmente, à clemência dos deuses. Laio e Jocasta entregam o bebê a um dos seus empregados, um pastor, para que ele o abandone em algum lugar. O homem trata o infeliz como se fosse uma caça: fura-lhe os tornozelos para passar uma corda e transportá-lo mais facilmente nas costas, para em seguida pendurá-lo numa árvore e deixá-lo exposto. É de onde vem o nome Édipo, que em grego significa simplesmente "pés perfurados/inchados (οιδιπους). Édipo para sempre estará com os calcanhares acorrentado ao destino (μοίρα)  inexorável dos deuses. Fato é que Édipo acaba cumprindo aquilo que o oráculo a muito profetizara. Ao saber de sua verdadeira identidade Édipo fura os próprios olhos e se considera uma exilado errante.

A figura do Édipo vai ganhar novas conotações na pena psicanalista de Freud muitos séculos à frente. Se valendo do mito trágico como matéria de explicação de fenômenos de origem incerta ou oculta (incosciente), Freud batizará de "complexo de Édipo". Eis como Freud esclarece esse ponto central de sua teoria: "O menino concentra seus desejos sexuais na pessoa da mãe e concebe impulsos hostis contra o pai, considerado como rival. Essa é também - "mutantis mutandis" - a atitude da menina. Os sentimentos que se formam durante essas relações não são somente positivos, isto é, afáveis e plenos de ternura, mas também negativos, isto é, hostis. Forma-se um "complexo" (conjunto de ideias e recordações ligadas a sentimentos muito intensos) certamente condenado a uma rápida rejeição. (Reale) É todo esse complexo neurótico freudiano que Deleuze e Guattari irão criticar no seu primeiro livro: O Anti-Édipo. Livro publicado em 1972, fruto de Maio de 68, é uma reação  à psicanálise de Freud e Lacan. O livro não é uma reação contra a psicanálise mas, a superação de estruturas explicativas que limitam o homem e seu desejo; tem como proposta explorar novos caminhos para o inconsciente e o desejo rompendo com o paradigma freudiano-lacaniano. 
"Nem mesmo Freud sai desse estreito ponto de vista do eu. E o que o impedia era sua própria fórmula trinitária - a edipiana, a neurótica: papai-mamãe-eu". (Deleuze e Guattari pág 39) Nesse modelo trinitário tudo vira triangular e os autores do Anti-Édipo irão propor uma nova possibilidade de existência que fuja da edipianização, isto é, o esquizofrênico. Cabe aqui lembra ao leitor que não se trata da esquizofrenia como patologia mas como um modelo que se opõe ao modelo psicanalítico da neurose. Trata-se, em outras palavras, de uma nova possibilidade de existência que não pode mais ser enquadrada ao triangular papai-mamãe-eu. O próprio Freud é preso a essa cadeia neurótica. A certa altura do livro Totem e Tabu, Freud escreve:
"A psicanálise nos ensinou que a primeira escolha sexual do menino é incestuosa, concerne aos objetos proibidos, à mãe e à irmã (...) Em sua vida psíquica inconsciente, então, as fixações infantis incestuosas da libido têm ainda - ou novamente - um papel determinante". (pág 11)

Obs: Este texto está incompleto. Por falta de tempo para minhas reflexões publico-o provisoriamente.
Erivan Silva

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