Eu não sou o que sou
É isso que eu sou: um condenado a existência.
Lançado num mundo contingente e
incontrolável...
Vou vivendo. Escravo do tempo e dos momentos contados. Os
movimentos da terra ditam minha vida.
A contagem dos anos só me angustiaram e,
de angústia em angústia a vida acontece. Como não se angustiar se a ampulheta
já cumpriu sua função? E eu? Quem sou eu? E Deus? Quem é Deus? Eu pensei
que o conhecia. Alguém o pintou no meu
quadro. ¨Criamos deus à nossa imagem conforme a nossa semelhança¨ e a bíblia religiosa
prossegue. Criaram... Venderam-me um deus vingativo. Um deus que só vive irado.
Não sabe o que é o perdão pois o castigo lhe pertence... É um deus egoísta
assim como somos. Que deus é esse? Esse deus me escravizou. Criou em mim uma
paranoia. Depois que o conheci jamais tive paz comigo mesmo. Esse deus me
angustiou... Fez me odiar a vida e amar a morte. Fez de mim um santo perfeito
aos meus olhos... Fez me enxergar detalhadamente os erros alheios e a julgar
com meus juízos de valores... Me fez menos humano do que eu era... Me fez prisioneiro
de si próprio. É isso que eu sou: um condenado a existência. Um prisioneiro à
adoração idolátrica. Não somos adoradores por natureza; somos idólatras por
natureza. Adoramos nossa própria imagem refletida no rosto do nosso deus
criado. ¨O meu deus tem as minhas características. É tão belo quanto eu. Oh,
como o adoro.¨ dizem os religiosos. Não os chamo de tolos. Tolo sou eu,
condenado a existência. Prisioneiro do tempo e do momento de tempo que eu mesmo
criei. Criei meus demônios na alma, meus receios na cabeça, meu medo do inferno
solitário; criei meus anjos no espírito, minha própria sabedoria, minhas
virtudes e o meu Céu perfeito. Tolo sou eu criador de mundos inexistentes (ou
existentes). Tolo sou eu que não aceita um inferno literal nem um Céu perfeito.
Sou um mero existente sem escolha. Não pedi minha vida. Tolo sou eu criador de
mim... Mascarado por natureza. Habitado por uma legião de pessoas. Quebro
correntes, mas não me liberto. Firo-me com minhas próprias mãos. Não consigo
suportar o que já fui; o que já fui é o que é. Ainda sou parte de meu passado.
O tempo é o carcereiro que não concerta nada. Ele fica na porta da cela
gritando nos meus ouvidos: ¨já estou
indo embora, aguarde mais um tempo que logo o libertarei¨. Que mentiroso. Se me
libertar dele me liberto de mim mesmo. Se me libertar de mim mesmo, não terei
vida. Vida é dependência. Vida é sempre ser preso a algo. Confesso que estou
cansado; confesso que estou triste. Uma tristeza que parte da alma. Vivo em
graus variados de tristeza. Tristeza pelos momentos felizes que tive e, que
escorregaram de minhas mãos. Foi como tentar segurar água...
Erivan
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