domingo, 24 de fevereiro de 2019

Platão: a verdade, o amor

Platão: a verdade, o amor 

Esses dois mundos (sensível e supra-sensível), segundo Platão, embora separados, estão relacionados num sentido preciso: as coisas sensíveis imitam as ideias que lhes correspondem, do mesmo modo como um pintor imita em seu quadro a natureza. Como imitação, as coisas sensíveis são sempre imperfeitas, e isso explica por que o mundo sensível é variado e sempre em mutação.

Mas é também por essa relação de imitação que os homens, situados no mundo sensível, podem conhecer as ideias, como quem se lembra do modelo que foi tirada a cópia. Conhecer é assim reconhecer, lembrar-se das ideias que foram contempladas pela alma, mas esquecidas por causa do apego do corpo às coisas sensíveis. A alma possui essa capacidade de reconhecer as ideias porque de certo modo participa do mundo inteligível: como as ideias, ela é imaterial, incorpórea e impalpável, constituindo um elo de ligação que ainda mantemos com o inteligível.

Por fi, o despertar da alma para o mundo inteligível faz-se por um sentimento, que é o amor. Inicialmente, o amor é carnal (eros) e deseja um corpo belo, mas, aos poucos, passa a desejar a própria Beleza e o conhecimento da sua ideia. E o que pode haver de mais belo para o intelecto senão a Verdade?

O amor que deseja a Verdade é a própria filosofia (literalmente, "amor ao saber"). Platão ilustra os passos desse amor que deseja conhecer por meio da célebre alegoria da caverna, que abre o livro VII de A República.

Segundo essa alegoria, o mundo sensível é como uma caverna em que os homens se encontram acorrentados de tal modo que só podem olhar para as paredes escuras. Atrás deles há uma fogueira cuja luz projeta na parede sombras obscuras --- a única realidade, para esses homens. Mas um deles consegue escapar. Fora da caverna, a intensa luz do Sol ofusca-lhe a visão. Os olhos porém, acostumam-se à claridade e ele vê a verdadeira e bela realidade: o mundo inteligível. Maravilhado, não pode deixar de voltar à caverna, a fim de comunicar aos companheiros a sua descoberta. Mas eles não o compreendem. Riem e, depois, matam-no.

O filósofo que chega à verdadeira realidade tem uma missão: a de voltar à caverna, ao mundo sensível dos homens, mesmo que ali seja incompreendido. Afinal, viu a luz do Sol que ilumina toda a realidade; a luz que, ao possibilitar o conhecimento, proporciona também o conhecimento de como os homens devem agir. Conhecer, para Platão, é conhecer o Bem, a Ideia suprema que, como o Sol, ilumina as demais ideias, tornando-as compreensíveis.

Conhecer o Bem significa que finalmente é possível organizar a cidade não mais segundo as opiniões, mas tendo como base o verdadeiro conhecimento. Este mostra que a cidade depende de três funções: a satisfação das necessidades básicas dos habitantes, a defesa do território e, por fim, a administração. A população, por isso, deve ser dividida nessas funções, segundo a aptidão de cada um: uns serão agricultores e artesãos; outros, guerreiros e guardiões da cidade. Aqueles, por fim, que se destacarem nos diversos níveis progressivos de educação pelo verdadeiro conhecimento, devem dirigir a cidade. Por isso, diz Platão, na Carta VII: "Os males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder". Uma conclusão talvez drástica mas inevitável para quem foi levado à filosofia pelo desencanto com a política cega dos homens.



*Extraído do livro História da filosofia (coleção Os Pensadores)

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