quinta-feira, 26 de abril de 2012

Deus como rival do homem



Deus como rival do homem

Que é, pois, que está no fundo da modernidade? Que experiência de fundo é a que promove o movimento do Iluminismo, conferindo-lhe tanta foeça que a revolucionar o mundo inteiro?

Comecemos pelo aspecto negativo. Se interrogamos o ateísmo moderno sobre o que ele nega na religão e sobre o motivo que o leva a sentir-se obrigado a rejeitar Deus, a resposta mais provável é que ele tem a impressão de que a religião e, dentro dela, Deus impede o desenvolvimento de uma plena e autêntica humanidade. Existe uma convicção difusa de que a afirmação de Deus induz à negação do homem. O homem se sente ameaçado por Deus no exercício de sua liberdade e da sua razão. Todos nós recordamos a famosa frase de Ludwig Feuerbach: "Para enriquecer a Deus, deve-se empobrecer o homem; para que Deus seja tudo, o homem deve ser nada".

Este fantasma - Deus como o grande vampiro da humanidade - constitui, sem dúvida alguma, a raiz mais forte e profunda do ateísmo. O homem moderno foi sentindo a religião como inimiga de seu progresso, de sua autonomia e, definitivamente, de sua felicidade. Mesmo a priori caberia esperar algo disto: se o homem nega a Deus, tem de haver uma razão, que, em última instância, consiste em crer que Deus o prejudicaria. Não se precisa de mais nada. Se uma pessoa é atéia, é porque no fundo lhe parece que vive mais feliz se Deus não existe.

Mas por que aconteceu isto? Se Deus se apresenta no cristianismo como salvação, por que o homem moderno acabou percebendo-o como rival opressor? Para buscar a resposta, prescindamos agora do que possa haver de desmedida adolescente, provocada pelo otimismo ingênuo de um mundo novo, e deixemos também de lado a tendência humana de auto-absolutização pelos complexos caminhos do narcisismo inconsciente ou pelo mais expeditos da vontade de poder. Concentremo-nos agora no que foi o choque central e a motivação expressa: fixemo-nos no que constitui nossa responsabilidade histórica como cristãos.

Parece, então, que a conduta das igrejas contribuiu decisivamente para criar essa falsa impressão, esse enorme e trágico equívoco. De modo imediato, por sua obstinada e fatal oposição  aos pregressos e descobertas que foram marcando os passos da modernidade: a ciência astronômica e a revolução biológica, a filosofia do sujeito e a história crítica, a revolução social e a psicologia se chocaram duramente coma ideologia eclesiástica. E, de modo mais profundo, a negativa de renunciar a fundo à compreensão da fé diante das exigências do novo paradigma apresentou a religião como indissoluvelmente vinculada a um marco passado e autoritário, impermeável ao novo talante crítico e oposta à busca  de uma nova liberdade, tanto individual quanto social, tanto científica quanto religiosa e política.



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