Deus como rival do homem
Que é, pois, que
está no fundo da modernidade? Que experiência de fundo é a que promove o
movimento do Iluminismo, conferindo-lhe tanta foeça que a revolucionar o mundo
inteiro?
Comecemos pelo
aspecto negativo. Se interrogamos o ateísmo moderno sobre o que ele nega na
religão e sobre o motivo que o leva a sentir-se obrigado a rejeitar Deus, a
resposta mais provável é que ele tem a impressão de que a religião e, dentro
dela, Deus impede o desenvolvimento de uma plena e autêntica humanidade. Existe
uma convicção difusa de que a afirmação de Deus induz à negação do homem. O
homem se sente ameaçado por Deus no exercício de sua liberdade e da sua razão.
Todos nós recordamos a famosa frase de Ludwig Feuerbach: "Para enriquecer
a Deus, deve-se empobrecer o homem; para que Deus seja tudo, o homem deve ser
nada".
Este fantasma -
Deus como o grande vampiro da humanidade - constitui, sem dúvida alguma, a raiz
mais forte e profunda do ateísmo. O homem moderno foi sentindo a religião como
inimiga de seu progresso, de sua autonomia e, definitivamente, de sua
felicidade. Mesmo a priori caberia esperar algo disto: se o homem nega a Deus,
tem de haver uma razão, que, em última instância, consiste em crer que Deus o
prejudicaria. Não se precisa de mais nada. Se uma pessoa é atéia, é porque no
fundo lhe parece que vive mais feliz se Deus não existe.
Mas por que
aconteceu isto? Se Deus se apresenta no cristianismo como salvação, por que o homem moderno acabou percebendo-o
como rival opressor? Para buscar a resposta, prescindamos agora
do que possa haver de desmedida adolescente, provocada pelo otimismo ingênuo de
um mundo novo, e deixemos também de lado a tendência humana de
auto-absolutização pelos complexos caminhos do narcisismo inconsciente ou pelo
mais expeditos da vontade de poder. Concentremo-nos agora no que foi o choque
central e a motivação expressa: fixemo-nos no que constitui nossa
responsabilidade histórica como cristãos.
Parece, então,
que a conduta das igrejas contribuiu decisivamente para criar essa falsa
impressão, esse enorme e trágico equívoco. De modo imediato, por sua obstinada
e fatal oposição aos pregressos e
descobertas que foram marcando os passos da modernidade: a ciência astronômica
e a revolução biológica, a filosofia do sujeito e a história crítica, a
revolução social e a psicologia se chocaram duramente coma ideologia
eclesiástica. E, de modo mais profundo, a negativa de renunciar a fundo à
compreensão da fé diante das exigências do novo paradigma apresentou a religião
como indissoluvelmente vinculada a um marco passado e autoritário, impermeável
ao novo talante crítico e oposta à busca
de uma nova liberdade, tanto individual quanto social, tanto científica
quanto religiosa e política.
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