sábado, 29 de junho de 2013

Soneto da hora final




Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de treva aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do Segredo
Eu, calmo, te direi: - Não tenhas medo
E tu, tranquila, me dirás: - Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.

Vinicius de Moraes


sexta-feira, 21 de junho de 2013

O toque da morte

Quando ela me tocar, não me trará prazer. Nem sei que sensação me causará!
Não sentirei o calor do seu toque, senão o gelo de sue lençol.
Ela nunca me tocou; quando me tocar será só por uma vez. Por uma única vez. Não permitirei mais que isso! A natureza não permitirá.
Antes de me tocar, pode me contemplar.
Me contempla no quarto
Me deixa apavorado por tua presença.
Sua doente! Sua louca!
Olho para a porta olho para ti
Confundo entrada com saída 
Jamais saberei se estou entrando ou se estou saindo ao cruzar aquela porta.
Que importa?
Já me deixastes fascinado além de curioso
Abre, abre logo essa porta
Abre, abre, abre que eu quero passar!
Não me venhas com dó de última hora.
Tua misericórdia? Não quero...
Vem toma a minha mão
Deixa então que eu te toque e vamos sair daqui.
Morte desgraçada!
Morte vagabunda! Morre tu de dor ou de prazer, só me deixa em paz!
Não me toque! Não me toque!
Desculpe, eu estou de cabeça quente...
Falei demais...
Vamos ser amigos?
Vou pegar meu violão. Eu toco e tu canta com o vento!
vamos fazer uma música final
Uma música cuja introdução seja estribilho e conclusão.
Só usaremos acordes menores... Bem tristes!
Aliás, deixa que eu cante e morra cantando.
Tu, tu apenas tocas
Toca
toca-me
E faz de mim uma melodia
Faz da minha vida uma música
Toca
Toca em mim
Pela última vez! Antes de me levar à eternidade!

ERIVAN SILVA

O ano em que sonhamos perigosamente



Já faz algum tempo que li o livro O ANO EM QUE SONHAMOS PERIGOSAMENTE do filósofo esloveno Slavoj Ziziek. Me surpreendi ao encontrar semelhança entre seu texto e os acontecimentos repercutidos em todo território nacional. Somente para citar alguns trechos do capítulo "Inverno, primavera, verão e outono árabes":

"Quando um regime autoritário se aproxima da crise final, sua dissolução, via de regra, segue dois passos. Antes do colapso real, acontece uma misteriosa ruptura: de repente, as pessoas percebem que o jogo acabou e simplesmente deixam de sentir medo. Além de o regime perder sua legitimidade, o próprio exercício do poder é visto como uma impotente reação de pânico." (pág.71)

 E ainda:

 "O que complica mais as circunstâncias é a situação econômica, que piora rapidamente - mais cedo ou mais tarde, isso levará às ruas milhões de pobres, amplamente ausentes nos eventos da primavera, que foram dominados pela jovem classe média instruída. A nova explosão repetirá a explosão da primavera, levando-a à sua própria verdade, impondo aos sujeitos políticos a escolha cruel: quem conseguirá se tornar a força que comandará a fúria dos pobres, transformando-a em programa político?" (pág.79) 

A pergunta talvez não seja essa visto que os caroneiros políticos foram lançados do trem do movimento espontâneo social. Não há espaço para políticos ou a grande mídia; Não há um líder em especial. Acho que a melhor pergunta seria: O que acontecerá amanhã? Como essa explosão emancipadora será traduzida em uma nova ordem social?