sexta-feira, 25 de março de 2011

Retratos da alma

 (...) O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas. O tempo poderá sem dúvida renascer, mas primeiro terá de morrer. Não poderá transportar seu ser de um instante para outro, a fim de fazer dele uma duração. O instante é já a solidão... É a solidão em seu valor  metafísico mais despojado. (...)


     Quando falo em retrato da alma o simbolismo de uma fotografia nos é sugestiva. A mesma apresenta-nos uma imagem congelada naquele instante e sem possibilidade de mudança. Posso afirmar que - com enorme certeza -  aquele da fotografia sou eu (fui eu) e não sou eu (agora). Sendo assim, a seguinte fraseologia faz sentido: ontem eu fui, hoje sou, amanhã serei. Essa mudança constante é o ser; e no ser moram as lembranças de cada instante vivido. É bom salientar que as lembranças funcionam como mecanismo de prisão;  a esperança (e a fé), de igual modo, nos lançam ao futuro. Portanto, também nos aprisionam. Gosto muito das palavras do teólogo alemão Jurgen Moltmann: A lembrança o agrilhoa ao que passou, ao que não existe mais; a esperança o atira ao futuro, ao que ainda não existe. O passado o faz lembrar-se de ter vivido, mas não o leva a viver; o faz lembrar-se de ter amado, mas não o leva a amar; o faz lembrar-se dos pensamentos dos outros, mas não o leva a pensar. O que quero dizer quando uso o termo retrato da alma? Pode a alma ser retratada? Pode ser vista cristalizada num instante? Se sim, qual a sua aparência então? Quais suas características? Primeiro quero deixar bem claro que não tenho em mente a foto kirliana. Esta é física, aquela é ser em essência. O eu alma é o meu ser transcendente. Aquele que ultrapassa o corpo. Vai além da matéria. São os meus conceitos formados até então. A fotografia da alma é o instante do ser captado; é a síntese das minhas lembranças, experiência e sabedoria. Sou eu naquele exato instante, mas não sou eu depois. Sou eu com aqueles conceitos, e não com estes. A fotografia é a mudança sendo capturada e aprisionada nos conceitos humanos.

     Minha alma é o eu mais íntimo de mim. Nem todo eu pode ser revelado (nem a mim mesmo). Eu não falo (nem posso falar) tudo que penso. Tornar-me realmente quem eu sou é minha labuta diária; conhecer-me a mim mesmo ainda está muito distante. Fernando Pessoa parece ser meu parceiro nesta questão:

Durmo. Regresso ou espero?
Não sei. Um outro flui
Entre o que sou e o que quero
Entre o que sou e o que fui


     Uma fotografia real, só retrata a minha imagem. Não capta o som da minha voz. Minha imagem não sou eu. Eu sou aquilo que quero revelar. Vale lembrar que uma auto revelação pode (e vai) gerar múltiplas interpretações; rejeição ou aceitação, e, aí serei lido, não obrigatoriamente compreendido ou conhecido. Trata-se da minha permanência após a ausência. Será o meu retrato pendurado na parede da vida de quem me teve ainda que por um momento. O retrato da  alma é ser visto quando não mais puder ver; é ser lido por quem não me conheceu e ser conhecido por quem jamais conheci; é fazer parte dos pensamentos de quem não estou pensando... É fazer parte da vida ainda que morto.

Só existir é muito pouco para o ser humano.
Só existir é muito pouco pra mim.
Não posso só passar e deixar o passado passar, o futuro virar presente e o presente tornar ausente.
Existir não é nada, viver é essencial mas permanecer é tudo.
Vou conversar com os que ainda não nasceram.
Depois de mim serei eu.
Serei eu visto pelos olhos de outrem.
Minhas palavras soarão em outras vozes.
Depois de mim serei eu e eu serei tu, mas tu não será eu.
A simbiose gerará uma nova alma...
Depois que eu me for.          

                                                        Erivan

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