E vi um novo céu e uma nova terra...
Para se falar em uma sociedade mais justa é necessário rejeitarmos compulsoriamente a cultura cristã, aquela que diz que, um mundo melhor só será possível no porvir. Só após a morte é que iremos desfrutar as delícias do paraíso. Pensar dessa forma é o mesmo que aceitar ser um sujeito passivo na sociedade na qual se vive; é ser apolítico e entregar nas mãos de terceiros nossa única (melhor) arma de lutarmos contra as injustiças que imperam num mundo cruel. Pensar dessa forma é dar razão a Karl Marx em sua famosa frase: A religião é o ópio do povo. Seria tratar o cristianismo como um elemento atenuante. Como um consolo ou como, segundo os psicólogos, mecanismo de defesa, tais como a negação, a fuga ou a racionalização. Fugir da realidade em nada a mudará. A teologia descolada da prática, torna-se numa fábula. Segundo o teólogo germânico Johamm B. Mezt, a teologia política pode ser vista a partir de dois aspectos. 1) Corrigir a tendência de confinar a teologia à arena privada, que reduz o coração de mensagem cristã e o exercício prático da fé a uma decisão meramente individual, afastada do mundo uma reação ao ato de realização da sociedade; 2) É o esforço para formular uma mensagem escatológica do cristianismo no contexto da sociedade de hoje, levando em consideração as mudanças nas estruturas na vida pública. Em outras palavras, é um esforço para vencer a passividade hermenêutica do cristianismo no mundo de hoje.
Libertar a teologia da âmbito privado e, de igual modo, liberta-la da passividade hermenêutica. Nisso se resume a Missão Integral. ( Para mais informações sobre o tema aconselho o livro Missão Integral - em busca de uma identidade evangélica, do Ricardo Gondim).
No livro Teologia e Economia - repensando a teologia da libertação e utopias, o professor Jung Mo Sung, cita um pequeno parágrafo escrito por Hugo Assmann, que direto, forte e corajoso fala de onde a teologia deve partir:
Se a situação histórica de dependência e dominação de
dois terços da humanidade, com seus 30 milhões anuais
de mortos de fome e desnutrição, não se converte no
ponto de partida de qualquer teologia cristã hoje, mesmo
nos países ricos e dominadores, e teologia não poderá
situar e concretizar historicamente seus temas fundamentais.
Suas perguntas não serão perguntas reais. Passarão ao lado
do homem real. Por isso, como observava um participante
do encontro de Buenos Aires, ¨é necessário salvar a teologia
do seu cinismo¨. Porque, realmente, diante dos problemas
do mundo de hoje, muitos escritos de teologia se reduzem a
um cinismo. (pág. 17)
Lutar por uma sociedade mais solidária é evidenciar os ideais de Cristo em nossa vida. É não se ver único, mais participante e cooperador com o outro em busca do bem coletivo. Não importa se o outro professa ou não o mesmo credo. Nossa luta não é dogmática - embora muitas igrejas pensem desta forma, - é político-social. É lutar contra o pecado institucionalizado que impera no mundo pós moderno. O grande geógrafo brasileiro Milton Santos, não professava fé alguma, mas seus escritos tem um caráter profético.( Sobre esse profetismo externo, Paul Tillich nos elucida da seguinte maneira: ¨A igreja, no seu papel profético, é a guardiã que revela as estruturas dinâmicas da sociedade e se opõe ao seu poder demoníaco, revelando-o, mesmo quando dentro dela. Ao assim fazer, a igreja ouve, também, as vozes proféticas fora dela, que julgam a cultura e a ela mesma como sua parte. Já nos referimos a essas vozes proféticas em nossa cultura. Muitas delas não fazem parte da igreja manifesta. Mas, talvez, pudéssemos chamá-las de participantes da Igreja Latente, Igreja na qual a preocupação suprema está oculta sob formas e deformações culturais. Às vezes, a Igreja Latente aparece. Nesses casos, deveria reconhecer nessas vozes a maneira como deveria ser seu espírito e aceitá-lo mesmo se for hostil à igreja¨ In Teologia da Cultura, editora Fonte Editorial ). Essa voz profética fora da igreja é luta por uma sociedade solidária que pode ser encontrada em qualquer lugar do mundo, mesmo em sua pluralidade cultural. Isso faz de qualquer um que lute por justiça e paz, um profeta ainda que não professe fé alguma.
Milton Santos, nos fala de três mundos:
O mundo tal como nos fazem crer, neste caso, como fábula. Nas palavras do geógrafo: Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. (...) Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. (...) A informação sobre o que acontece não vem da interação entre as pessoas, mas do que é veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão interesseira dos fatos. O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde.(...) Estamos diante de um novo encantamento do mundo, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Estamos encantados e a febre do consumo nos consome. Temos uma nova religião e um novo deus. Mamon, o deus dinheiro exige sacrifícios humanos.
O mundo como realmente é, neste caso, perverso.¨De fato, para a maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna- se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção.
O mundo como ele é não é veiculado na mídia. Uma ideologia tal qual uma neblina nos encobrem o real.
O mundo como pode ser. Trata-se da existência de uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais significativa que a própria biodiversidade. É o mundo pelo qual lutamos. Não trata-se de uma utopia mas de um objetivo, um engajamento ativo no meio sócio-político. Para construirmos essa sociedade, é necessário desmascarar a ideologia vigente. ter consciência do poder ideológico já é um começo não um fim.( ¨Deve-se enfatizar que o poder da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo esmagador poder material e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes, mas também porque esse poder ideológico só pode prevalecer graças à preponderância da mistificação, por meio da qual os receptores potenciais podem ser induzidos a endossar valores e diretrizes práticas que são, na realidade, totalmente adversos a seus interesses vitais.¨ István Mészáros ). Deve-se perder o medo de ser profeta e desmascarar tais cinismos. ¨O fórum Social Mundial é um exemplo da capacidade de mobilizar e organizar debates e ações, sem medo de expressar opiniões. (...) Esse aspecto relacionado à ação política exige, cada vez mais, que pessoas com senso de solidariedade e responsabilidade social intervenham junto a seus pares e aos poderes instituídos. (...) Se o objetivo é alterar a realidade rumo ao novo patamar civilizatório, cabe ainda a revitalização das formas de participação popular no sistema do poder político.¨ ( Brasil, entre o passado e o futuro - ed. Boitempo ). Deve-se defender a verdade e a justiça onde quer que a encontremos, mesmo em outras religiões. Não devemos sob nenhuma hipótese nos conformar como este mundo que nos é dado. Essa violência midiática tende a cair se lhe formos hostis e lhe denunciarmos os abusos.
Podemos sim lutarmos por outra sociedade. Rejeitamos esta que nos é dada. Sabemos que é necessário criar uma consciência política e nos tornarmos ativos na construção de uma nova sociedade libertária e justa. Precisamos sair do campo teórico. É necessário que nossas vozes indignadas ressoem fora do Campus universitário e das paredes eclesiais. É possível adiantar o futuro. Futuro este que não haja lágrimas dos injustiçados, nem sofrimento imposto por outrem.
E as nações andarão na sua luz...
Erivan
Que Deus abençoe tanta serenidade na condução das palavras Erivan!
ResponderExcluirAdorei seu blog, suas postagens, idéias e costuras.
Você é uma releitura da Teologia da Libertação.
Um beijão / Ana Silvia