quarta-feira, 30 de março de 2011

Midiocolonização





  Somos contemporâneos de uma mudança de época. Não só uma mudança de época, mas vivemos também, uma época de mudanças. A última vez que isso ocorreu no Ocidente foi na passagem do mundo Medieval para o mundo Moderno. Hoje é consenso entre alguns pesquisadores que este período Moderno dá lugar a um novo período chamado pós-moderno. O termo ¨pós-moderno¨ é ainda de difícil conceituação. A emergência deste período trouxe consigo não só mudanças significativas na história (acontecimentos) e geopolítica, mas na mentalidade universal de todos; no modo de viver, nos costumes, na religião e, claro, nas relações sociais. Alguns estudiosos acreditam que esse período começou com o fenômeno da globalização. ( Frei Beto, prefere chamar de globocolonização).
  Podemos definir de forma bem simplista globalização como sendo: o mundo visto como um conjunto único de atividades interconectadas que não são estorvadas pelas fronteiras locais. Pode-se dizer que este fenômeno afetou todo o campo de atividade humana. O historiador Eric Hobsbawn, faz três observações sobre o tema
  1. A globalização acompanhada de mercados livres trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e sociais no interior das nações e entre elas;
  2. O impacto dessa globalização é mais sensível para os que menos se beneficiam dela;
  3. Seu impacto político e cultural é desproporcionalmente grande.
 Não quero aqui tratar do tema propriamente dito mas, de seu efeito direto na mente (ethos) das pessoas. O pilar da sociedade em que vivemos é o lucro desenfreado, e, pra conseguir esse objetivo as grandes empresas da informação criam necessidades artificiais, (criam a necessidade antes do produto) implantam esse desejo/necessidade na mente daqueles que se alimentam de tudo que a mídia produz. Infelizmente a seguinte premissa é correta: nossa sociedade é a única de todas as outras anteriores que se alimenta de lixo, e, chamam esse lixo de cultura. Não foram só as mercadorias que foram globalizadas, mas a mentalidade também. Essa nova mentalidade ocidental e norteamericana é veiculada através da mídia. Eis a nova ditadura que a América Latina enfrenta. Uma monocultura, a ditadura do pensamento único, do estilo de vida ideal (american way of life), tudo isso sendo imposto de cima pra baixo. ¨Agora eu era heroi e meu cavalo só falava inglês¨ diz a letra da música João e Maria, do Chico Buarque.
 Segue abaixo um texto de Augusto Boal e algumas conclusões que tirei.

 A usual violência dos filmes e da tv busca levar os espectadores ao medo e ao desequilíbrio emocional que se assemelhem aos primeiros meses de vida do bebê diante do espanto que lhe causa o mundo. visa reproduzir a mesma impotência infantil para que suas vítimas adultas estejam à sua mercê dos seus maiores.
 Esta infantilização do espectador é perigosa porque inculca no seu cérebro passivo um mundo virtual fabricado pelos donos dos meios de comunicação, com seus valores e interesses. Esta é a forma mais insidiosa de invasão, que, por si só, justifica a urgente criação e desenvolvimento, em todas as classes e grupos oprimidos, de uma poderosa Estética.
 O desejo legítimo de qualquer cidadão de gozar os bens da vida - gozo que a justifica - é tranformado em inveja domesticada ao observar a vida farta e cômoda de personagens de classes economicamente superiores à sua.
 O universo televisivo está sempre bem penteado e com a roupa engomada. Mesmo nas lutas sangrentas, a mecha de cabelo estará elegantemente posta de lado. As roupas de astros e estrelas, mesmo em cenas de violência, estarão sempre bem passadas... principalmente quando são de griffe conhecida... marketing, com o perdão da palavra. ( A Estética do Oprimido, pág.148)

 O texto acima citado dispensa qualquer comentário porém algumas palavras a mais fazem-se necessário. Vivemos em cárcere privado dentro de nossa própria casa. Tudo que as emissoras querem é que você passe o maior tempo possível em frente ao televisor ou computador. ¨Invasão dos cérebros: a mesma tática que se usa para invadir um país, primeiro bombardeios, antes que entre em ação a infantaria de ocupação: primeiro tv e cine... depois o mercado vem atrás¨( Boal). Essa cultura do lixo vomita nas casas e mentes das pessoas, violência sistematizada; filmes de tortura e sanguinários. Nossa cultura vampira se alimenta de sangue. Consumimos uma nova mercadoria: medo, drama, terror... Essa cultura não produz conhecimento, mas consumidores vorazes. Nas palavras de Milton Santos, ¨consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, a redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão¨. Esse império do consumo cria/recria o homem apequenado. ¨Explicar para que não se entenda; informar para que não se saiba - essa é a missão da tv privada: fazer obedecer sem saber a quem. O mandante se esconde seja dono ou patrocinador. Esse não se vê, mas nada se faz sem ele. O vendedor não aparece na tela: artistas e outras celebridades do momento emprestam a credibilidade dos seus  nomes ao produto que vendem: faça como eu: use tal produto...¨ (Boal). Especialistas em nada falam sobre tudo em horário nobre e, causam nos espectadores a sensação de terem aprendido algo - disso já são escravos, é o seu ópio diário - afinal precisamos estar bem ¨informados¨. Ideologia, eu quero uma pra viver, cantou o poeta. Mais o que é ideologia? Segundo Marilena Chauí, ¨ideologia é um ideário histórico, social e político que oculta a realidade e que esse ocultamento é uma forma de assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política¨. Trato a seguir, algumas pontuações para lidarmos com essa invasão descarada.
 1. É precisa desacelerar essa desenfreada desumanização a qual a sociedade corre. Acredito que essa desumanização tem encontrado guarida naquilo que eu chamo de crise cultural. Incluo aí a sensibilidade e solidariedade humanas; a moral e a ética. A crise cultural deixa um gosto pessimista na boca dos que tem esperança de que a humanidade vá melhorar. ¨Esta crise, segundo alguns, tem a característica peculiar de incluir um severo embotamento de algumas sensibilidades imprescindíveis para olhar como o mínimo de esperança o futuro da humanidade¨. ( Assmann).
 Todo lixo cultural produzido pela mídia não tem melhorado em nada aqueles que dela se alimentam. Muito pelo contrário, essa crise cultural nos lança, obrigatoriamente numa crise moral. A época em que estamos vivendo pode receber sem corar de vergonha o título de ¨A era das crises¨. Quanto mais bailamos ao som da música tocada pelos poderosos, mais nossas virtudes humanas soltam-se de nossas vestes morais e são lançadas no palco dos dançarinos sob o riso dos diretores. Estamos perdendo de maneira sutil, a nossa real identidade. ¨Se não sei quem sou serei cópia¨ ( Boal); estamos perdendo paulatinamente o senso de realidade. Vivemos cada vez mais como num filme ou novela. Andamos, mas não com os pés no chão.
 A ideologia (informações) repetidas exaustivamente, sedimentam o conhecimento e formatam a mente. A repetição coletiva moldam toda uma cultura e reformam toda uma sociedade à maneira dos ¨poderosos¨. Com isso não quero dizer que não se deva consumir nada que venha do Norte ou não assistir mais nada, pelo contrário deve-se assumir uma postura crítica sobre tudo que se vê. Jamais aceitar como verdade incontestável, pois não é. Devemos negar, rejeitar e denunciar tudo aquilo que tire a dignidade humana. As pessoas devem ser vistas e tratadas como humanas que são, e não como massa de manobra política ou objetos que só servem para consumir. Toda liberdade é a liberdade de dizer não a essa ¨cultura de morte¨ que é implantada em nossa cabeça. É preciso entender que os valores morais/éticos ainda são a marca de nossa humanidade e caso percamos, nos tornaremos em algo menor que humano.
 2.Só conscientização não basta. Evoco aqui algumas palavras do teólogo católico Jung Mo Sung: ¨A própria noção de resistência contra a realidade de dominação pressupõe uma ruptura com a ¨máquina de cognição¨ que apresenta a dominação como natural ou divina. E na medida em que esse sistema cognitivo está enraizado no mais profundo da consciência e memória social e é constituído de mitos, tabus e argumentos aparentemente racionais, ele não pode ser quebrado somente com a consciencientização, com discursos consciêntes. Pois esse mesmo discurso será conhecido e entendido a partir do instrumento de cognição que diz que lutar contra ¨a¨ realidade é algo sem sentido. É uma experiência de uma relação intersubjetiva de reconhecimento ¨face a face¨, sujeito a sujeito, que mostra a falsidade e a perversidade da cultura internalizada e que permite ter esperança de um mundo diferente e resistir e lutar. O que leva as pessoas subjugadas a superar a sua autoimagem de não pessoa não é um discurso conscientizador, mas a experiência de serem amadas, de serem olhadas nos olhos como pessoa. (Deus em nós). É preciso, penso eu, converter a violência jovem em força política para uma mudança significativa do social. Todos nós juntos devemos mudar a nossa realidade a partir de nós, a partir de baixo.
 3.É preciso substituir urgentemente lixo por cultura; cultura esta, produzida por nós, de acordo com nossa realidade. Iremos contra todas as estruturas que desumanizam e escravizam. Matam a criatividade. Tais estruturas gigantescas forjadas de ouro, prata e bronze, tem os pés de barro. Devemos pois, atacar suas bases. Essa estruturas só funcionam para perpetuar situações intoleráveis e absurdas.
 Diante do que foi exposto, podemos concluir que essa invasão dos cérebros via mídia particular, tem formado seres um pouco menos que humanos - esse é seu real objetivo. Objetivo este, encoberto por um sistema ideológico que se confunde com o real - seres domesticados e sem vontade própria, que não ouvem aquilo que escutam; nem enxergam aquilo que vêem. Estão hipnotizados pelo desejo constante. Querem viver uma vida que não é a sua; querem sonhar (e sonham) um sonho que não é o seu. Mesmo assim, diante do quadro objetivo, buscamos outras alternativas rejeitando o que é dado. Buscamos uma forma, e encontramos, de expulsar os invasores de mente.

Bibliografia

Assmann, Hugo e Sung, Jung Mo. Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres. São Paulo: Paulus, 2010.
Boal, Augusto. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Funart, 2008.
Chauí, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2010.
Hobsbawn, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Cia das letras, 2008.
Sader, Emir. A vingança da história. São Paulo: Boitempo, 2007.
Sela, Adriano. A justiça: novo rosto da paz. São Paulo: paulus, 2006.
Santos, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2010.

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