terça-feira, 22 de novembro de 2011

A difícil separação entre infantilidade e religiosidade



 Durante os cinco primeiros anos de vida, temos que eliminar três grandes etapas do mundo mágico onde nascemos.
 Durante os primeiros 18 meses chegamos à descoberta, um tanto frustrante, de que não somos o centro do mundo.
 A maioria concordará que existem pessoas e coisas fora de nós que continuarão existindo também quando nós não vivermos mais. É somente através da longa e frustrante experiência que nos tornamos capazes de descobrir o mundo objetivo. Enquanto somos bebês, no útero materno, tudo que está ali é para nós, a mãe é uma parte de nós. Mais tarde, ao descobrirmos que o nosso choro não fabrica leite, que o nosso sorriso não produz a mãe, que nossas necessidades não provocam suas próprias satisfações, pode ser uma experiência bastante dolorosa. Só gradualmente vamos percebendo que nossa mãe é Outra pessoa, que não é somente uma parte de nós. Todas as vezes que sentimos que não vivemos plenamente nossos sentimentos, pensamentos e ações, somos forçados a crer que existem outras pessoas, coisas e situações que possuem sua própria autonomia.

 Portanto, o primeiro passo para sair do mundo mágico é a descoberta da realidade objetiva. Pode acontecer que alcancemos essa objetividade só parcialmente. Embora lentamente ampliemos esta realidade e nos tornemos capazes de nos erguer sobre nossos próprios pés e olhar as coisas que nos cercam como realidades objetivas disponíveis para nossa mente curiosa, provavelmente isso não acontecerá tão facilmente na dimensão religiosa.

 Muitos, maduros e bem-sucedidos, devem em geral tratar Deus como parte de si mesmos. Deus é o factótum  que está à mão nos momentos de doenças, revolta, exames finais, em todas as situações onde nos sentimos inseguros. E se ele não nos atende, nossa única reação é gritar. Longe de ser o outro, cuja existência não depende da minha, Deus deve ser a moldura que fixa melhor nas beiradas de minha segurança. Uma grande ansiedade, causada por conflitos internos ou externos, pode às vezes forçar-nos a regressar a este nível de religião. Esta regressão pode às vezes salvar nossa vida. Ela nos dá algo para nos apoiarmos, algo que nos mantenha unidos. Ela pode ser uma forma de religião bastante útil, mas certamente não é forma de religião madura.

 O segundo passo para sair do mundo mágico é a estrutura da linguagem. Em algum ponto, entre nossos primeiros 18 meses de vida e os 3 anos de idade, começamos a murmurar os primeiros sons que, lentamente, transformam-se em palavras, frases e no idioma. Embora seja frustrante que existam coisas que estão à nossa volta e que não nos pertencem, através das palavras podemos nos vingar, porque nossas primeiras palavras dão-nos poder misterioso sobre as coisas. Como um americano que fica excitado em descobrir que a primeira palavra que aprendeu em francês, garçon, realmente traz o copeiro até sua mesa, a criança não experimenta tanto o domínio das palavras e sim dos objetos. Leva algum tempo antes que possamos separar a palavra do objeto, e dar-lhe função simbólica.

  Não existe mais nada desse mundo mágico em nós, ao sentir que seremos salvos se orarmos todos os dias ou se, no mínimo, mantivermos o costume de rezar as três ave-marias antes de irmos dormir? Parece difícil vencer esse mundo mágico.

  Parece que dizemos: "Deus não pode fazer nada por nós agora. Fizemos o que ele pediu que fizéssemos e agora é de Deus nos recompensar". Nossas orações nos dão certo poder sobre Deus, ao invés de empenhar-nos em diálogo franco.

  O terceiro passo para sair do mundo mágico é a formação da nossa consciência
  A consciência torna-se possível através do processo de identificação. Desenvolvemos a capacidade de interiorizar certos aspectos da personalidade de outra pessoa, de fazer dos outros parte de nós mesmos. No  caso de desenvolvimento moral, assumimos os julgamentos, padrões e valores das pessoas que amamos, incorporando-os em nossa própria personalidade.

  Quando Sigmund Freud escreveu seu Futuro de uma ilusão, provocou profundamente a fé, quando disse que a religião é a continuação da vida infantil e que Deus é a projeção do desejo sempre presente de proteção
  O trabalho de Freud era curar as pessoas, quer dizer, fazê-las tornar-se mais maduras.Em seu consultório em Viena, tentou desmascarar as projeções de seus pacientes, que sofriam com sua religiosidade mas do que eram salvos por ela. O psiquiatra Rumke resumiu a posição de Freud quando escreveu:
"Quando o homem amadurece completamente, descobre
que a imagem do seu Deus, geralmente imagem paterna
de Deus, é a reencarnação do terrestre, amado e temido.
Deus é, aparentemente, nada mais do que uma projeção.
Se o que inibe seu crescimento é retirado, a imagem
dilui-se. O homem distingue o bom do mau de acordo
com seus próprios padrões. Ele  venceu  a  lembrança de
sua neurose, que era tudo o que a sua religião significava.

O que é importante neste contexto é que Freud não estava totalmente equivocado. Ele permanece neste mundo mágico e infantil, onde é tão bom ter Deus por perto quanto o confortante cobertor do Linus, na turma do Charlie Brown. Para muitos, a religião não é muito mais do que Freud a compreendeu, e para todos nós, muitas de nossas experiências religiosas são vestidas por imagens da infância. Em geral, é muito difícil dizer onde o nosso infantilismo termina e nossa religiosidade começa.

Henri Nouwen

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