sábado, 12 de novembro de 2011

Sobre tempo e consciência



¨Deus passou a existir com o tempo;
no momento que Ele decidiu criar, especificamente
o humano, Ele passou a existir¨                            
                                          ERIVAN

Naquele tempo havia um homem lá. Ele existiu naquele tempo. Se existiu, já não existe. Existiu, logo existe porque sabemos que naquele tempo havia um homem e existirá, enquanto alguém contar sua história. Era um ser humano que estava lá, ¨naquele tempo¨, e só seres humanos podem contar sua história porque só eles sabem o que aconteceu ¨naquele tempo¨. ¨Aquele tempo¨ é um tempo dos seres humanos, o tempo humano.

 Um homem estava ¨lá¨, naquele tempo. Estava lá e não aqui. No entanto, está aqui e permanecerá enquanto alguém narrar aqui a sua saga. Era um homem quem ¨estava lá¨, e, apenas, os seres humanos podem situá-lo ¨lá¨, pois só eles sabem a respeito de ¨aqui¨ e ¨lá¨, categorias que constituem o espaço dos seres humanos, o espaço humano.

 A historicidade não é apenas alguma coisa que acontece conosco, uma mera propensão, na qual nos ¨metemos¨ como quem veste uma roupa. Nós somos historicidade; somos tempo e espaço. As duas ¨formas de percepção¨ de Kant nada mais são do que a consciência do nosso Ser e esta consciência é nosso próprio Ser. As categorias a priori de Kant - quantidade, qualidade, relação e moralidade - são secundárias de um ponto de vista ontológico. Não constituem a consciência de nosso Ser, mas expressão de reflexão consciente  sobre nosso Ser. Os seres humanos podem conceber tempo e espaço sem quantidade, qualidade, relação e moralidade ( o vazio, o vácuo universal ), mas não podem pensar estas categorias fora do tempo e do espaço. Até mesmo o absurdo é temporal e espacial, porque nós somos tempo e espaço.

¨Todo ser humano é mortal¨.  O animal perece, mas não é mortal. Só são mortais aqueles que têm consciência de que perecerão. Só seres humanos são mortais. Uma vez que somos tempo, esta é a razão pela qual não éramos e não seremos. Uma vez que somos espaço, nosso não-Ser significa não estar aqui. Quando já não formos, não estaremos aqui, mas lá: no ar, no vento, no fogo, no Hades, nos Céus, no inferno ou na nulidade. Entretanto, mesmo a nulidade é espaço, tanto quanto nunca é tempo. Somos mortais, mas não estamos mortos. Não podemos conceber o estarmos mortos, posto que somos tempo e espaço.

 O fato de que não éramos e de que não seremos significa que, quando não estávamos, outros estavam e que, quando já não estivermos, outros estarão; além disto, que, quando já não estivermos aqui, outros aqui estarão. Podemos imaginar que não existíssemos e que não estivéssemos aqui nos tempos de Cesar ou de Napoleão, contudo é inimaginável que não existíssemos e aqui não estivéssemos, quando ninguém existia. É imaginável que não seremos e não estaremos aqui, quando outros serão e estarão, mas é inimaginável que não sejamos, quando ninguém estiver. Não estar aqui só tem significado se outros estiverem. Estar em algum lugar só tem sentido se houver algum lugar, do mesmo modo que o não-Ser só é inteligível porque existe o ser. ¨Naquele tempo havia um homem¨ significa que existe alguém que narra a saga dele e que haverá alguém que a contará depois. A historicidade de um único homem implica a historicidade de todo o gênero humano. O plural é anterior ao singular: se somos, sou e se não somos, não sou. A questão fundamental da historicidade é a pergunta de Gauguin: ¨De onde viemos, o que somos e para onde vamos?¨.

 A partir da mortalidade, do tempo e do espaço é que sempre levantamos a mesma questão e aí expressamos a historicidade do gênero humano, com a qual a historicidade de nosso Ser (do Ser de cada indivíduo) esteve e estará sempre correlacionada. A pergunta nunca muda, mas as respostas variam. A resposta à pergunta - ¨De onde viemos, o que somos e para onde vamos?¨ - será chamada consciência histórica e as múltiplas respostas a ela, diferentes em substância e estrutura, serão ditos estágios da consciência históricas.

Vide: Uma teoria da história
Agnes Heller
       

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